Em agosto, estreou na Netflix o novo documentário ‘Número Desconhecido: Catfishing na Escola‘, que gira em torno de uma história real que chocou os Estados Unidos envolvendo uma mãe que fez cyberbullying com a própria filha, pretendendo fazê-la terminar o relacionamento.
“Uma adolescente e seu namorado sofrem bullying virtual violento por um número de telefone desconhecido há meses. Mas, à medida que a investigação sobre o assédio se desenrola, as autoridades descobrem um segredo chocante que subverte tudo o que todos pensavam saber sobre o caso”, informa o material de divulgação da Netflix.
Tudo começou em outubro de 2020, quando Lauryn Licari recebeu uma mensagem de um número desconhecido dizendo que ela não foi convidada a uma festa de Halloween anual promovida por Tami e Craig Wilson, pais de uma colega de classe da garota chamada Khloe. As mensagens pausaram momentaneamente após isso, mas, meses depois, a jovem já recebia de 40 a 50 mensagens com insultos e ameaças ao seu relacionamento com Owen McKenny todos os dias.
Inicialmente, a suspeita recaiu sobre Khloe, mas a jovem negou insistentemente envolvimento nas mensagens. O caso só teve um desfecho no fim de 2022, quando o FBI descobriu que, na verdade, as mensagens foram enviadas por Kendra Licari, mãe de Lauryn.
No novo documentário, Lauryn, Owen e seus familiares falam sobre como foi o momento, mas, dessa vez, também é dada voz a quem não possui qualquer envolvimento mas também sofreu com o caso: Khloe e seus pais.
Hoje já formada na Beal City High School, Khloe estudava junto de Owen, de quem era amiga, e Lauryn, na época das mensagens. O documentário ressalta que, no começo do ensino médio, Owen e Khloe eram relativamente próximos, mas no fim eles não eram tão amigos assim.
Ele diz que Khloe “não era a pessoa mais legal na infância”. “Ela não era valentona, mas também não era uma pessoa legal”, complementa. “Acho que ela disse algumas coisas para Lauryn que fizeram com que ela não gostasse dela”.
De fato, embora fosse um pouco amiga de Owen, Khloe não se dava bem com Lauryn; e esta, por sua vez, pensava que Khloe “tinha uma queda por Owen“. “Acho que ela sempre ia falar com ele só para me deixar com ciúmes”, disse Lauryn no documentário. “Eu não gostava da Khloe porque sentia que tínhamos vibrações completamente diferentes”.
Fotografia de Owen e Khloe em ‘Número Desconhecido’ / Crédito: Divulgação/Netflix
Foi por essa relação incômoda que, quando Lauryn começou a receber as mensagens, Khloe acabou se tornando a principal suspeita no caso. E isso ficou ainda mais grave quando, de fato, várias pistas apontavam para ela, como mensagens relacionadas ao time de basquete da escola, no qual as duas jogavam.
“Recebi uma mensagem de texto em que o remetente falava sobre quantos pontos marcou no jogo na noite anterior”, recordou Lauryn no documentário. “Minha mãe era a anotadora voluntária na maioria dos jogos, então pensamos que poderíamos olhar a tabela de pontuação. Quando olhamos, só uma pessoa tinha tantos pontos — Khloe Wilson“.
Além disso, além de Kendra usar um número desconhecido para enviar as mensagens, ela até mesmo usou propositalmente códigos de área da Flórida, quando Khloe e sua família viajaram de férias para lá. Na época, Khloe já negava qualquer envolvimento com as mensagens, mas como todas as pistas apontavam para ela, ela se sentia deliberadamente incriminada.
Os pais de Khloe, Tami e Craig, criaram a filha em Beal City e, conforme contam no documentário, antes do caso de Lauryn, a garota já havia sido acusada outras vezes de bullying. Na sétima e oitava séries, a jovem já havia sido chamada para a diretoria por isso, mas, de fato, ela nunca teve envolvimento no caso de Lauryn.
Acho que algumas pessoas, não vou dizer que ficaram ofendidas com isso, mas talvez quisessem esse tipo de coisa para si mesmas”, disse Craig no documentário.
Vale mencionar que Craig é policial, e, por isso, Shawn Licari, pai de Lauryn, suspeitou ainda mais que Khloe estivesse por trás das mensagens. “Eu pensei: ‘A Khloe vai se safar dessa. O pai dela é policial’”, disse ele em ‘Número Desconhecido’. “Ele vai fazer certas coisas para se livrar das coisas, e havia todo tipo de pensamento acontecendo com isso”.
No entanto, conforme repercute a People, o que os pais de Khloe fizeram foi apenas defender sua filha. Após as mensagens com código de área da Flórida surgirem, ele disse à filha para entregar o celular, a fim de que isso pudesse limpar seu nome. E realmente, após uma análise forense do aparelho, não foi encontrado nenhum indício de que ela poderia estar envolvida com as mensagens — logo, tudo poderia ser apenas uma armação.
Segundo o The Cut, mesmo que não tivessem provas, os pais de Khloe já tinham alguma suspeita sobre Kendra anos antes. Embora Craig sequer estivesse envolvido no caso na polícia, ele chegou a enviar uma mensagem de texto ao xerife responsável, escrevendo: “Honestamente, Mike, não sei se você conhece Kendra ou não, mas você realmente precisa ser cauteloso. Há uma boa parte de mim que acha que ela pode muito bem estar fazendo isso”.
Eventualmente, após até o FBI se envolver no caso, Kendra foi descoberta como autora das mensagens — ela escondeu seu número de telefone através de um aplicativo que faz isso —, e ela foi presa em dezembro de 2022. No documentário, Khloe contou que ela e seus pais compareceram à sua sentença, em abril de 2023, que a condenou a 19 anos e cinco meses de prisão.
Kendra Licari / Crédito: Divulgação/Gabinete do Xerife do Condado de Isabella
Já Craig e Tami disseram no documentário que ainda estão se recuperando do escândalo e de como a filha foi atacada na época. “Khloe perdeu um ano inteiro do que deveriam ter sido algumas das melhores memórias da sua vida. Um ano inteiro de pessoas apontando o dedo para ela e não acreditando no que ela dizia, sendo pressionada pelos pais e não acreditada pela maioria”, disse Craig.
Jill, mãe de Owen, expressou sentir “culpa” por ter colocado Khloe e sua família como alvo no caso, explicando que apenas se baseou na “pouca informação que tínhamos, que não era muita”. Porém, Craig aparentemente ainda guarda rancor pelo episódio: “Ela convidou isso. O impacto na minha família, na nossa família, é em grande parte por causa dela e do [xerife] Mike Main“, disse.
Tami também acrescentou que, durante a investigação, disse a alguém que Shawn e Lauryn iriam “fingir que eram as vítimas dessa [merda], que não tinham ideia do que estava acontecendo e que iriam se safar porque Mike Main não fez seu trabalho e não os investigou”. “E foi exatamente isso que aconteceu”, acrescentou. Por fim, Craig expressou gratidão a Bradley Peter, agente do FBI que ajudou a solucionar o caso: “sem ele, nada teria acontecido”.
Kendra acabou sendo solta da prisão não muito depois, em agosto de 2024, em liberdade condicional. Apesar disso, Tami expressa alegria por ela ter sido pega, pelo menos, antes que a situação piorasse. “Assista a todos esses outros documentários sobre como isso termina. Não é bom. Quem sabe o que mais ela teria feito se isso não a tivesse afetado?”, disse ela.
Éric Moreira é jornalista, formado pelo Centro Universitário Belas Artes de São Paulo. Passa a maior parte do tempo vendo filmes e séries, interessado em jornalismo cultural e grande amante de Arte e História.