Mais de 1 milhão de brasileiros entre 15 a 49 anos foram diagnosticados com infecção sexualmente transmissível (IST) no país, entre 2022 e 2024, e a sífilis é uma das mais frequentes. Pesquisadores financiados pelos Institutos Nacionais de Saúde (NIH) dos Estados Unidos descobriram que uma única injeção do antibiótico penicilina G benzatina (BPG) tratou a doença em estágio inicial com resultados positivos. Dados do experimento foram publicados na revista The New England Journal of Medicine. As descobertas, de um ensaio clínico em estágio avançado, sugerem que a segunda e a terceira doses da terapia convencional com BPG não são tão necessárias quanto se imaginava.
Segundo os autores do estudo, os resultados “fornecem evidências substanciais” de que a dose única de BPG 2,4 MU é tão eficaz quanto as três habituais no tratamento da sífilis inicial. Mais pesquisas são necessárias para compreender todo o potencial da estratégia de tratamento abreviado e avaliar abordagens terapêuticas para todos os estágios da doença, incluindo tardio, latente de duração desconhecida e neurossífilis clínica. “As descobertas oferecem evidências bem-vindas para a potencial simplificação do tratamento com um regime de dose única igualmente eficaz, especialmente enquanto as taxas de sífilis permanecem alarmantemente altas”, disse Carolyn Deal, chefe do departamento de infecções entéricas e sexualmente transmissíveis do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas (NIAID) do NIH.
Estudos recentes mostram que a sífilis também pode aumentar a probabilidade de uma pessoa adquirir ou transmitir o HIV, o vírus da aids. O BPG é um dos poucos antibióticos conhecidos por tratar a doença com eficácia, e a falta de estoque é comum no mundo. O antibiótico está sendo importado para os Estados Unidos para resolver uma escassez nacional.
Estudo
A pesquisa foi conduzida em 10 locais nos Estados Unidos com 249 participantes com sífilis inicial, que abrange os estágios primário, secundário e latente. Sessenta e um por cento dos participantes viviam com HIV e 97% eram homens. Todos foram monitorados quanto à segurança. Marcadores biológicos de sucesso do tratamento no sangue — conhecidos como resposta sorológica à terapia — foram examinados seis meses após a terapia.
Nos resultados, 76% dos participantes que receberam dose única apresentaram resposta sorológica. Um voluntário desenvolveu sinais de neurossífilis três dias após o início da terapia com BPG e foi excluído da análise. Três eventos adversos graves foram relatados, mas não estavam relacionados à vacina. “A sífilis vem sendo estudada e tratada há mais de um século, e a BPG está em uso há mais de 50 anos, mas ainda estamos adquirindo conhecimento para nos ajudar a otimizar o tratamento”, disse o pesquisador principal, Edward W. Hook III, professor emérito de medicina e epidemiologia da Universidade do Alabama, em Birmingham.
Prevenção
Especialistas ouvidos pelo Correio defendem que a prevenção e os cuidados para as ISTs passam por informação e campanhas de esclarecimentos. De acordo com eles, é fundamental combinar hábitos à rotina, como o uso consistente de preservativos masculinos ou femininos, além de lubrificantes à base de água. É preciso ainda testar de forma periódica para ISTs, mesmo na ausência de sintomas.
No caso de pessoas diagnosticadas, além do tratamento de parcerias sexuais, há, também, a vacinação contra HPV e hepatite B, assim como profilaxias como a Prep e a Pep. Por fim, atenção a qualquer sinal ou sintoma genital e busca precoce de atendimento. E, sobretudo, diálogo aberto e sem tabus sobre saúde sexual, tanto entre parceiros quanto com profissionais de saúde. Informação de qualidade é uma das formas mais eficazes de prevenção, destacam.
Infecção bacteriana
A sífilis é uma infecção sexualmente transmissível (IST) curável e exclusiva do ser humano, causada pela bactéria Treponema pallidum. Pode ser primária, secundária, latente e terciária. É transmissível por relação sexual sem camisinha com uma pessoa infectada ou para a criança durante a gestação ou parto.
Três perguntas para
Paula Battaglini, médica infectologista do Hospital São Mateus, em Cuiabá
A senhora vê com otimismo os resultados desse estudo?
Sim, com bastante otimismo. O estudo mostra que uma dose única de penicilina trata a sífilis inicial tão bem quanto três doses. Isso simplifica muito o tratamento, aumenta a adesão dos pacientes e tem potencial para reduzir custos e barreiras logísticas, especialmente em locais onde a penicilina está em falta ou onde o paciente teria dificuldade de retornar várias vezes ao serviço de saúde, ajudando muito no conteúdo de saúde pública.
Sífilis é ainda um desafio para a saúde pública?
Sim, de forma muito preocupante. No Brasil, observamos taxas crescentes de sífilis, inclusive de sífilis congênita, que é um marcador de falhas na assistência pré-natal. Apesar da penicilina ser distribuída gratuitamente pelo SUS, ainda temos desafios de diagnóstico oportuno, acesso ao tratamento e, muitas vezes, desabastecimento.
As ISTs ainda são um desafio nacional?
As infecções sexualmente transmissíveis continuam sendo um grande desafio no Brasil. Além da sífilis, enfrentamos altas taxas de HIV, HPV, hepatites virais e gonorreia — esta última com resistência crescente aos antibióticos. A combinação de estigma, desinformação, baixa adesão ao uso de preservativos e dificuldade de acesso a serviços especializados mantém as ISTs em evidência como um problema de saúde pública. (RG)
Alerta às falhas do sistema
A revisão reforça a robustez e a indispensabilidade da penicilina G benzatina como tratamento padrão da sífilis em todas as suas fases iniciais e, por vezes, até para sífilis terciária e neurossífilis, mantendo-se como opção de primeira escolha consolidada. Isso é um sinal positivo da eficácia histórica e continuada desse antibiótico, especialmente se administrado de forma precoce. Esses estudos são fundamentais porque reafirmam a base terapêutica eficaz para a sífilis num cenário de ressurgimento global da doença. Desde os anos 2000, houve um aumento notável dos casos em diversos países, tanto em populações tradicionais — como homens que fazem sexo com homens — quanto em mulheres grávidas, com risco de transmissão congênita. Saber que a penicilina continua sendo altamente eficaz e permite orientar políticas públicas, e, ressalta a necessidade de mantermos o acesso contínuo a esse antibiótico, fortalecermos a capacitação profissional e priorizarmos estratégias integradas de educação, diagnóstico precoce e tratamento eficaz. As infecções sexualmente transmissíveis — entre elas a sífilis — continuam sendo um desafio significativo no Brasil. A presença crescente de casos, especialmente em gestantes e em populações-chave, como população que vive com HIV ou homens que fazem sexo com homens, agrava o cenário. Além disso, falhas no sistema de tratamento, como demora no diagnóstico, dificuldade de acesso ou falta de orientação correta aos pacientes e parceiros, contribuem para a continuidade da transmissão.
Lucas Albanaz, coordenador médico do Hospital Santa Lúcia Gama, e mestre em ciências médicas
Prevenção é a melhor alternativa
•Realizar exames regulares: principalmente em populações com maior risco (gestantes, pessoas com múltiplos parceiros ou que vivem com HIV)
•Tratar imediatamente: iniciar a penicilina G benzatina ao primeiro resultado reagente, sem postergar, e garantir o seguimento médico
•Comunicar e tratar os contatos sexuais recentes, mesmo que resultados estejam negativos, para evitar fomes de transmissão contínua
•Usar preservativo: embora reduza risco, não elimina completamente, pois úlceras fora da área coberta podem transmitir sífilis
•Buscar orientações sobre educação sexual e políticas públicas integradas: envolver a comunidade, fortalecer a atenção primária e garantir acesso rápido a diagnóstico e tratamento
•Usar lubrificantes a base de água
•Testar de forma periódica para ISTs, mesmo na ausência de sintomas
•Prestar atenção a qualquer sinal ou sintoma genital e busca precoce de atendimento