A incerteza paira sobre o futuro da energia eólica nos Estados Unidos, com a Administração do Presidente Donald Trump a levar a cabo uma campanha contra a indústria no país, uma verdadeira batalha quixotesca contra os “moinhos de vento” do século XXI​. A ofensiva federal já incluiu a revogação de licenças previamente aprovadas – como a do projecto multimilionário ​Revolution Wind​ –, o cancelamento de financiamentos federais para projectos e a mobilização de múltiplas agências para procurar fundamentos para travar o desenvolvimento eólico.

A campanha da Casa Branca arrancou com um decreto, assinado logo a 20 de Janeiro, para rever todos os projectos eólicos federais e suspender novas licenças. Têm sido cancelados financiamentos federais para infraestruturas de apoio à energia eólica, designados como “projectos dispendiosos”.

As consequências estão já à vista: os estados e empresas afectadas, como a dinamarquesa Orsted, estão a recorrer a acções judiciais para contestar as decisões da Administração, alertando para a desestabilização dos investimentos e os riscos para a fiabilidade da rede, enquanto membros do Partido Republicano em estados com forte presença eólica enfrentam dilemas políticos devido ao impacto económico negativo das novas políticas.


“Trump Quixote”

Donald Trump tem atacado a energia eólica com base numa combinação de aversão pessoal, argumentos económicos e ambientais (contestados por diversos especialistas) e uma agenda política que favorece os combustíveis fósseis.

A embirração de Trump com a energia eólica tem 14 anos, descreve o jornal norte-americano New York Times, quando tentou, sem sucesso, impedir a construção de um parque eólico offshore visível do seu campo de golfe na Escócia. “Não vamos permitir a instalação de quaisquer moinhos de vento. Estão a arruinar o nosso país”, declarou na altura. O parque eólico offshore na Baía de Aberdeen avançou, entrando em funcionamento em Julho de 2018.

O Presidente tem afirmado repetidamente que as turbinas eólicas são “feias”, “monstros horríveis” que “destroem a beleza dos vossos campos, planícies e vias navegáveis”. Numa reunião com o seu gabinete do final de Agosto, de acordo com o NYT, terá afirmado: “Moinhos de vento, simplesmente não os vamos permitir. São feios. Não funcionam. Matam os vossos pássaros. São maus para o ambiente.” O Presidente norte-americano afirmou ainda que “é uma forma de energia muito cara. Não vamos fazer vento. Vamos voltar aos combustíveis fósseis”.

Também o secretário de Energia, Chris Wright, argumenta que as eólicas aumentam os preços da electricidade e que as energias renováveis são indústrias “maduras” que já não precisam de subsídios após décadas de implementação. Uma porta-voz da Casa Branca indicou que as agências estão a avaliar políticas que poderiam “dar vantagem aos desenvolvedores eólicos em detrimento de tipos de energia mais eficazes e fiáveis, como carvão, gás natural e nuclear”.

A Administração também alega preocupações com a segurança nacional, alegando que os projectos eólicos offshore podem “representar riscos” e interferir com o radar, permitindo ataques de drones subaquáticos, argumentos que já têm sido refutados por especialistas e ex-militares, que as consideram “falsas narrativas”.


Revolution Wind

A escalada desta “guerra eólica” de Trump atingiu um ponto crítico no final de Agosto, com a paragem do Revolution Wind, um projecto de 6,2 mil milhões de dólares ao largo de Rhode Island e Connecticut, que já estava 80% concluído. A 22 de Agosto, a Agência de Gestão da Energia Oceânica (BOEM, na sigla em inglês) emitiu uma ordem de paralisação, citando “preocupações relativas à protecção dos interesses de segurança nacional dos Estados Unidos” – sem, contudo, identificar quaisquer violações legais, ameaças iminentes à segurança ou provas concretas​. A BOEM afirmou que o projecto não pode retomar as actividades até que a sua análise seja concluída.

A decisão provocou uma resposta imediata. A 4 de Setembro, os estados de Rhode Island e Connecticut anunciaram que iriam processar a Administração Trump para anular a ordem de paralisação. O procurador-geral de Connecticut, William Tong, ​classificou a medida como “errática e imprudente, flagrantemente ilegal”. Já Sheldon Whitehouse, senador de Rhode Island, criticou o ataque como um plano para “aumentar os preços da energia das famílias, cortar empregos norte-americanos, exacerbar as alterações climáticas, e acelerar uma grande crise de seguros climáticos”.

O procurador-geral de Rhode Island, Peter F. Neronha, declarou que “com o Revolution Wind, temos a oportunidade de criar empregos bem remunerados para os habitantes de Rhode Island, melhorar a fiabilidade energética, e garantir poupanças nos custos de energia, ao mesmo tempo que protegemos o nosso ambiente”.

Paralelamente, a Revolution Wind LLC, uma joint venture entre a empresa dinamarquesa Orsted e a alemã Skyborn Renewables (gerida pela BlackRock), apresentou a sua própria queixa no Tribunal do Distrito de Colúmbia. A empresa argumenta que a ordem de paralisação foi emitida sem “autoridade estatutária, carece de qualquer base probatória e é ilegal”, e que o projecto fez investimentos avultados “com base nestas aprovações válidas”.

A Orsted alega ter já gasto cinco mil milhões de dólares no projecto e incorreria em custos adicionais de um milhar de milhão de dólares se este fosse cancelado, além de perder milhares de milhões de dólares em receitas futuras. A empresa alega que está a incorrer em custos semanais de cerca de 13,4 milhões de euros, sublinhando que, “quanto mais tempo a Ordem de Paralisação permanecer em vigor, mais provável é que esta leve à rescisão do projecto”.

A empresa dinamarquesa também alertou que os atrasos potenciais no projecto podem ser pelo menos um ano, caso os navios especializados destacados para a construção das plataformas tenham de partir devido à paralisação, havendo um risco de cancelamento total.


Campanha da Casa Branca

A ofensiva de Trump, contudo, vai muito além de projectos individuais. Desde o seu regresso à Casa Branca em Janeiro, o Presidente norte-americano emitiu o já referido decreto que exigia uma revisão de todos os projectos eólicos em terras e águas federais, com o objectivo de suspender novas licenças e avaliar a possibilidade de cancelar as existentes.

Trump prometeu aos executivos de petróleo e gás que faria mudanças políticas para ajudar as indústrias de combustíveis fósseis: “drill, baby, drill” foi um dos seus motes da campanha eleitoral​. Os jornais norte-americanos referem ainda campanhas de lobby de grupos conservadores ligados à indústria de petróleo e gás contra diversos projectos eólicos.

A Casa Branca já mobilizou uma “equipa de coligação departamental” para investigar os riscos das explorações eólicas, envolvendo os departamentos da Saúde e Serviços Humanos, Defesa, Interior, Comércio, Energia e a Agência de Protecção Ambiental (EPA). Anna Kelly, porta-voz da Casa Branca, afirmou que as agências estão a “avaliar se têm políticas em vigor que beneficiariam os desenvolvedores eólicos em detrimento de tipos de energia mais eficazes e fiáveis, como carvão, gás natural e nuclear”, cita o New York Times.

O secretário de Energia, Chris Wright, um ex-executivo de fracking, tem defendido as acções da Administração, classificando o investimento em energias renováveis como “sem sentido” e as alterações climáticas como “não incrivelmente importantes”. Wright argumenta que a eólica offshore aumenta os preços da electricidade, uma afirmação que especialistas como Jesse Jenkins, da Universidade de Princeton, consideram “facciosa” e “sem provas”. Ao New York Times, Jenkins notou que em muitas partes dos EUA o oposto é verdadeiro, com as renováveis a baixar o custo da electricidade.

A máquina da Administração tem sido diligente. O secretário dos Transportes, Sean Duffy, cancelou ou retirou 679 milhões de dólares em financiamentos federais para terminais marítimos, melhorias portuárias e outras instalações destinadas a apoiar a indústria eólica offshore, classificando-os como “projectos eólicos dispendiosos”.


Projectos afectados

Entre os projectos afectados estão, por exemplo, 427 milhões de dólares destinados a um terminal eólico offshore no Condado de Humboldt, na Califórnia, 47 milhões para um centro de logística no Porto de Baltimore, em Maryland, 48 milhões para um terminal em Staten Island, em Nova Iorque, e 33 milhões para um projecto portuário em Salem, Massachusetts.

A governadora de Massachusetts, Maura Healey, alertou que o cancelamento do subsídio de Salem custaria “800 empregos na construção”. Healey acrescentou que “o verdadeiro desperdício aqui é a Administração Trump cancelar dezenas de milhões de dólares para um projecto que já está em andamento para aumentar o nosso fornecimento de energia”.

A Administração Trump também tomou medidas para reconsiderar as aprovações federais para outros projectos. Em Agosto, sinalizou planos para rescindir aprovações federais para o Maryland Offshore Wind Project, e disse num processo legal que pretendia reconsiderar as aprovações do projecto SouthCoast Wind, anteriormente conhecido como Mayflower Wind, em Massachusetts​.

No início de Setembro, a Administração também disse num processo judicial que pretendia reconsiderar as aprovações federais para o projecto New England Wind, anteriormente chamado de Park City Wind e Commonwealth Wind, também no estado de Massachusetts.

Embora o parque eólico Empire Wind, um projecto de cinco mil milhões de dólares ao largo de Nova Iorque, tenha sido inicialmente parado em Abril, foi posteriormente autorizado a prosseguir após negociações com a governadora Kathy Hochul. No entanto, a Casa Branca sugeriu que tal só aconteceu depois de Hochul ter concordado em aprovar novos gasodutos no estado, uma alegação que esta negou.


Impacto económico e político

As acções da Administração Trump ameaçam milhares de empregos, assim como milhares de milhões de dólares em investimentos. O projecto Revolution Wind, por exemplo, empregava mais de duas mil pessoas, incluindo 800 trabalhadores sindicalizados.

Patrick Crowley, presidente do núcleo de Rhode Island da Federação Americana do Trabalho e Congresso de Organizações Industriais (​AFL-CIO, na sigla em inglês), observou que muitos desses trabalhadores votaram em Trump e estão agora desiludidos, sentindo que “não votaram para isto”.

Também Brent Booker, presidente do Sindicato Internacional dos Trabalhadores da América do Norte, lamentou que a paragem do Revolution Wind, 80% concluído, seja “muito pior” do que o cancelamento do gasoduto Keystone XL pelo ex-Presidente, Joe Biden, onde a construção ainda não tinha começado.

O governador de Rhode Island, Dan McKee, alertou que “esta acção coloca centenas de empregos de ‘colarinho azul’ bem remunerados em risco ao paralisar um projecto que está a poucos passos de alimentar mais de 350 mil casas em Rhode Island e Connecticut”. De acordo com um estudo citado pelo jornal norte-americano New York Times, o Revolution Wind esperava gerar electricidade a 9,8 cêntimos de dólar (8,35 cêntimos de euro) por quilowatt-hora, uma taxa que seria fixada por 20 anos e é mais barata do que o custo médio da electricidade na Nova Inglaterra.

Katie Dykes, comissária do Departamento de Energia e Protecção Ambiental de Connecticut, disse que, se o Revolution Wind for definitivamente interrompido, “teremos um risco elevado de cortes de energia rotativos a afectar a nossa região”. Erik Milito, o presidente da Associação Nacional das Indústrias Oceânicas (NOIA, na sigla em inglês), acrescentou que a interrupção do Revolution Wind “poderia ter um efeito cascata em empregos, contratos e comunidades já a beneficiar do projecto”. Elizabeth Klein, que liderou o BOEM durante a Administração Biden, afirmou que “não há justificação real para parar o projecto”.

Mesmo em estados como Iowa, que obtém quase dois terços da sua electricidade de turbinas eólicas e tem alguns dos preços de energia mais baixos do país, as políticas de Trump estão a causar tensões políticas. A congressista republicana Mariannette Miller-Meeks, que foi uma apoiante da energia eólica e lidera o grupo republicano sobre clima, enfrenta a difícil tarefa de conciliar o seu apoio local com a linha inflexível do Presidente Trump. Ao site Politico, Miller-Meeks afirma: “As eólicas funcionam. O estado de Iowa provou isso”. A congressista, contudo, votou a favor da “one big beautiful bill” de Trump, uma lei que eliminou milhares de milhões de dólares em incentivos económicos para a energia eólica.

O risco mais imediato é que “muitos destes projectos simplesmente deixam de ser economicamente viáveis”, segundo Christina Bohannan, provável oponente democrata de Mariannette Miller-Meeks. Num terço dos condados de Iowa, as explorações eólicas são o maior contribuinte, contribuindo com até 55% dos impostos sobre a propriedade, e fornecem 91,4 milhões de dólares em pagamentos anuais de arrendamento aos agricultores.

Luta pela sobrevivência?

A indústria eólica offshore, que o Governo Biden esperava que fornecesse 30 gigawatts de energia até 2030, está agora numa “luta pela sobrevivência”. A contínua interferência governamental envia uma mensagem preocupante aos investidores de que “o trabalho pode ser parado por capricho”, o que traz instabilidade aos investimentos em projectos energéticos.

Em Maio, mais de 17 estados e o Distrito de Colúmbia processaram a Administração Trump pela sua ordem executiva de Janeiro, argumentando que a medida viola a Lei de Procedimento Administrativo e prejudica os esforços estaduais para garantir energia, combater as alterações climáticas e salvaguardar milhares de milhões de dólares em investimentos.

A directora de energia eólica offshore da organização Alliance for Clean Energy New York, que se juntou ao processo, afirmou à revista Mother Jones que as acções do Governo estão a afectar não só os objectivos políticos do estado de Nova Iorque, mas também as empresas que já investiram muito dinheiro na indústria, que “não conseguem suportar o impacto”.

Os governadores de Connecticut, Massachusetts, Nova Jersey, Nova Iorque e Rhode Island alertam que a revogação de licenças para parques eólicos offshore poderá ser desestabilizadora para uma vasta gama de projectos energéticos. “Os mercados dos EUA operam com base em certeza”, escreveram os governadores. “Cancelar projectos que já foram totalmente licenciados — incluindo alguns quase concluídos — envia a mensagem preocupante aos investidores de que os trabalhos podem ser parados por mero capricho”.