Aí voltamos para Santarém e ocupamos a BR por 14 dias, depois mais três dias viajando e cinco dias em Brasília. Aí eu fui para São Paulo para falar num teatro sobre o problema do mercúrio, voltei para Santarém, fiz só uma troca de mala e viajei para a ONU, para falar sobre a violência contra os povos indígenas. Pelo que eu percebo, a ONU é muito calada e muitas vezes também não querem nos ouvir. Os povos indígenas estão morrendo, e você tem direito a falar dois minutos, vai dizer o quê? Eu disse que a ONU precisa ouvir mais, por isso que não resolve os problemas, e que tem que se juntar a nós para fazer pressão sobre o Estado, cobrar as melhorias. Aí falamos tudo isso, falamos sobre mercúrio, voltei para o Brasil, de novo São Paulo, depois fui para o território, fiz várias reuniões e viajei para a Europa.

Ficamos lá 10 dias, fomos ao Reino Unido, Bélgica, Suíça, falamos com a União Europeia por conta dos acordos com o Mercosul. Eles estão interessados nesses acordos, dizendo que vão aprovar, enquanto os povos indígenas estão sofrendo com ataques, não tem demarcação das terras, o Congresso está derrubando as demarcações. Somos contra esses acordos porque sabemos que quem vai sofrer com todo o impacto é a gente, e tudo isso só para mandar carne para os europeus, enquanto a gente está querendo pelo menos ter água potável, ter comida saudável, pelo menos ter os peixes saudáveis.

Ela avalia que o governo Lula gerou acomodação e enfraqueceu a mobilização social.

Sei que quatro anos não resolvem nem a metade dos problemas que o Brasil tem e que, se fosse outro bolsonarista, a gente estaria bem pior. A gente sabe disso. Só que, quando tem um adversário lá, parece que cria mais força pra todo mundo, todo mundo te abraça, negros, quilombolas, favela, causa do meio ambiente, universidade, cidades, município. Já neste governo, com todas as promessas de melhoria na campanha, principalmente de demarcação, a gente teve que dar apoio, a gente acreditou. Só que, com o Lula, aquele senhorzinho que a qualquer momento pode se aposentar, parece que todo mundo se acomodou. Não é aquela luta tão forte como no passado. Além disso, hoje tem emprego.

Alessandra compara o emprego ao “espelho” que ilude e prende as pessoas ao sistema, silenciando lutas.

Lembra quando o Pedro Álvares Cabral chegou, o que os livros falam? Eles trouxeram as roupas, mostraram os espelhos, e os indígenas pegavam o espelho, se olhavam e achavam bonito aquilo, por causa do reflexo. Enquanto isso, o povo que chegou de Portugal e de outros países estava matando, estuprando, tomando a terra, e os líderes daqui se olhando. Hoje o emprego é o espelho. O emprego te olha e você esquece de onde veio, e isso acaba amarrando todo mundo, amarrou os quilombolas, os indígenas, as pessoas do MST. Cadê o povo que estava na luta três anos atrás? Cadê aquele povo que estava firme para sair para Brasília, fazer a grande marcha e ocupar para derrubar essas leis? Hoje eu não vejo quem vai derrubar as leis.