Saúde
14% das pessoas idosas residentes na cidade de São Paulo sofrem de fragilidade
Pesquisa acompanhou 1,4 mil indivíduos com 60 anos ou mais ao longo de nove anos e verificou que, uma vez instalada, é difícil reverter a condição; maior prevalência é entre mulheres, mas risco de morte é maior entre homens
Saúde
14% das pessoas idosas residentes na cidade de São Paulo sofrem de fragilidade
Pesquisa acompanhou 1,4 mil indivíduos com 60 anos ou mais ao longo de nove anos e verificou que, uma vez instalada, é difícil reverter a condição; maior prevalência é entre mulheres, mas risco de morte é maior entre homens
Dos idosos que participaram do estudo e foram considerados frágeis, 51,5% morreram após quatro anos. Apenas uma minoria (1,3%) transitou de frágil para não frágil durante a pesquisa (imagem: Freepik)
Fernanda Bassette | Agência FAPESP – Um estudo publicado na revista European Geriatric Medicine constatou que quase 14% das pessoas idosas residentes em São Paulo sofrem de fragilidade, condição que aumenta o risco de quedas, hospitalizações e morte. Ao acompanhar os participantes por nove anos, os pesquisadores observaram que a maioria dos afetados permaneceu em estado de fragilidade, ou seja, não apresentou melhora ou até mesmo piorou durante o período.
A pesquisa, financiada pela FAPESP, se baseou nos dados do Estudo SABE (Saúde, Bem-Estar e Envelhecimento) e destaca a importância da criação de estratégias de prevenção e intervenção precoce para mitigar os efeitos da fragilidade em uma população que envelhece rapidamente.
O envelhecimento é um fenômeno global. No Brasil, segundo dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2024, as pessoas idosas deixaram de ser a menor fatia da população e daqui a duas décadas serão a maior. Segundo o instituto, em 2023 as pessoas com mais de 60 anos representavam 15,6% da população brasileira, ultrapassando os 14,8% dos jovens que têm de 15 a 24 anos. É a primeira vez que a população mais velha ultrapassa a mais jovem, faixa que vem diminuindo desde os anos 2000. Para se ter uma ideia, em 1980 a proporção de idosos no Brasil era de 6,1%.
Para chegar aos resultados, a doutora em gerontologia Gabriela Cabett Cipolli analisou dados de 1.399 indivíduos com 60 anos ou mais, residentes em São Paulo, entre os anos de 2006 e 2015, em três ondas de avaliação, para identificar níveis de fragilidade e propor intervenções preventivas. O trabalho integra sua tese de doutorado, realizado no Programa de Pós-Graduação em Gerontologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM-Unicamp), sob orientação de Mônica Sanches Yassuda e Qian-Li Xue, da Johns Hopkins University.
Cinco critérios
A fragilidade é definida como um estado de maior vulnerabilidade fisiológica das pessoas, o que aumenta o risco de desfechos adversos. Segundo Cipolli, a fragilidade dos participantes foi avaliada com base nas respostas de cinco critérios preestabelecidos: perda de peso não intencional, fadiga, fraqueza muscular, lentidão na marcha e baixa atividade física. A presença de três ou mais desses fatores caracterizava uma pessoa idosa como frágil. Uma pessoa com um ou dois fatores era considerada pré-frágil e sem nenhum dos critérios era um idoso robusto.
Cipolli também usou um modelo de análise estatística para classificar os participantes em quatro trajetórias de fragilidade: estável, piorando, melhorando e flutuante. Os resultados apontaram que, em 2006, 13,7% dos idosos que participaram do estudo foram considerados frágeis – entre eles, mais da metade (51,5%) morreu até 2010. Em contraste, entre os idosos inicialmente classificados como não frágeis, 56% mantiveram-se nesse estado até 2010, e pouco mais da metade continuava não frágil em 2015. Apenas uma minoria transitou de frágil para não frágil (1,3%).
“Analisei os dados dos pacientes que não tinham fragilidade no começo do estudo e comparei com seu estado de saúde nas outras duas análises. Com isso consegui avaliar se houve transição entre os status de fragilidade de cada um, ou seja, se a fragilidade piorou, se houve reversão para não frágil ou se a pessoa idosa morreu no período”, explica Cipolli.
Além disso, o estudo demonstrou que ser do sexo masculino esteve associado a maior risco de morte, ainda que as mulheres apresentem maior prevalência de fragilidade. Esse aparente paradoxo pode estar relacionado a uma maior resiliência biológica e social entre as mulheres, hipótese que já foi levantada por estudos anteriores.
“A questão de sexo foi algo que chamou atenção no estudo, com os homens tendo mais risco de morte. E, provavelmente, isso acontece porque historicamente a mulher é mais preocupada com a sua saúde e procura mais assistência médica. Elas são tão frágeis quanto os homens, mas têm menos risco de morrer”, diz Cipolli.
Para Yassuda, orientadora do estudo, os dados reforçam a natureza progressiva da fragilidade e a dificuldade de reversão uma vez instalada, especialmente em populações mais vulneráveis. “Outro ponto relevante foi a maior mortalidade observada entre os homens, em comparação às mulheres, o que reforça a importância de considerar diferenças de sexo na avaliação do risco”, disse.
Saúde mental
O estudo também trouxe à tona a importância da saúde mental e cognitiva na trajetória de envelhecimento. Pessoas idosas frágeis apresentaram maior probabilidade de apresentar sintomas depressivos e baixo desempenho cognitivo em comparação com seus pares não frágeis. Essas associações são, segundo Cipolli, possivelmente mediadas por processos inflamatórios crônicos, desequilíbrios hormonais e processos neurodegenerativos – fatores já relacionados tanto à fragilidade quanto ao declínio cognitivo.
A pesquisa reafirma achados de estudos internacionais que identificaram taxas semelhantes de transições e confirmaram a forte correlação entre fragilidade e mortalidade. No entanto, Cipolli ressalta que estudos com esse grau de detalhamento e duração ainda são escassos em países de renda média, como o Brasil, onde o conhecimento sobre os determinantes da fragilidade ainda está em construção.
Para a autora do estudo, o cenário de envelhecimento populacional exige políticas públicas que promovam o envelhecimento saudável e previnam a perda de funcionalidade. E ressalta que os achados do estudo SABE oferecem subsídios importantes para embasar futuras ações de saúde pública.
Por isso, identificar precocemente os fatores que predispõem à fragilidade poderá permitir intervenções mais eficazes, como o estímulo à atividade física, o controle das doenças crônicas e o acompanhamento da saúde mental dessas pessoas, prevenindo o agravamento da fragilidade e prolongando a vida com mais qualidade.
“O nosso objetivo era identificar a dinâmica da fragilidade das pessoas idosas brasileiras para incentivar a criação de estratégias de intervenção voltadas à melhoria dos pacientes, para que futuramente elas não sejam hospitalizadas ou institucionalizadas. Ou, se isso acontecer, que tenham menos perda de autonomia”, pontua a pesquisadora.
Yassuda ressalta que os achados reforçam a importância de identificar precocemente pessoas idosas com risco elevado para fragilidade, sobretudo aquelas em idade avançada, com multimorbidades e comprometimento cognitivo. “Na prática, isso significa investir em rastreamento frequente da fragilidade, promoção da atividade física e atenção à saúde mental como formas de prevenir a progressão da fragilidade e reduzir a mortalidade”, conclui.
O artigo Frailty trajectories and mortality risk in community-dwelling older adults: a 9-year follow-up study pode ser lido em: https://link.springer.com/article/10.1007/s41999-025-01177-0.