Capturado durante a Guerra da Coreia e preso durante décadas por se recusar a renunciar às suas convicções políticas, Ahn Hak-sop, de 95 anos, tem agora um único desejo antes de morrer: regressar à Coreia do Norte e ser sepultado ao lado dos seus camaradas.
Ahn passou a maior parte da sua vida a resistir ao que chama de “ocupação” americana da Coreia do Sul – primeiro como soldado no exército norte-coreano e mais tarde como dissidente no país que o capturou.
A sua recusa em renegar o apoio inabalável à Coreia do Norte condenou-o a mais de quatro décadas atrás das grades no Sul.
Agora frágil, debilitado e confinado a uma cadeira de rodas, afirmou à CNN que anseia atravessar a fronteira para a Coreia do Norte uma última vez e descansar no país que definiu toda a sua vida.
Há poucos dias, Ahn avançou lentamente até uma ponte que conduz à Zona Desmilitarizada (DMZ) da península coreana, implorando permissão para atravessar uma das fronteiras mais militarizadas do mundo e entrar na Coreia do Norte.
Horas mais tarde, em meio a um tumulto de agentes de segurança e manifestantes que exigiam que as autoridades sul-coreanas o deixassem passar, foi-lhe negado o acesso à passagem terrestre para a Coreia do Norte e foi enviado de volta.
A recusa foi devastadora.
“Sinto falta do Norte, é insuportável”, reiterou, segurando uma bandeira norte-coreana.
“Quero ser sepultado na terra livre.”
O governo da Coreia do Sul proíbe contactos não autorizados com a Coreia do Norte, e os civis não podem entrar na fortemente fortificada DMZ. A Guerra da Coreia de 1950-53 terminou com um armistício, e não com um tratado de paz, o que significa que as duas Coreias permanecem tecnicamente em guerra.
Se Ahn tivesse sido autorizado a regressar, Pyongyang poderia ter apresentado a sua repatriação como uma vitória simbólica: um antigo prisioneiro de guerra a regressar de uma nação que considera o seu maior adversário.
Mas, para Ahn, a questão é muito mais pessoal e existencial. Enfraquecido pela doença, após ter sido hospitalizado várias vezes este ano, afirma que o seu único desejo é ser sepultado no solo da Coreia do Norte. Ou, como lhe chama, “a pátria da minha ideologia, a República Popular Democrática da Coreia (RPDC)”.
Ahn é um dos seis antigos prisioneiros de longo prazo ainda vivos na Coreia do Sul que recentemente pediram para regressar ao Norte.
O governo de Seul está a analisar “várias opções numa perspetiva humanitária”, apontou um responsável do Ministério da Unificação, sublinhando que qualquer decisão exigiria a cooperação de Pyongyang.
“Não fomos libertados”
Ahn nasceu em 1930, na Ilha de Ganghwa, ao largo da costa oeste da Coreia, durante o domínio colonial japonês sobre a península. Cresceu num contexto de turbulência e incerteza: um dos irmãos foi forçado a integrar o exército japonês, outro desertou. Quando a polícia foi procurá-lo, Ahn fugiu e encontrou refúgio em casa de uma tia.
Quando o Japão se rendeu em 1945, Ahn tinha 15 anos. Em vez de celebrar, disse ter-se sentido traído por uma proclamação do general Douglas MacArthur que colocou a Coreia a sul do paralelo 38 sob controlo militar americano.
A declaração deu às autoridades norte-americanas amplos poderes sobre os assuntos políticos, económicos e de segurança do Sul até que fosse formado um novo governo.
“Portanto, ao olhar para a proclamação, percebi que não tínhamos sido libertados”, afirmou. “Foi assim que tudo começou. Foi por isso que iniciei movimentos antiamericanos.”
Quando a Guerra da Coreia começou em 1950, Ahn era aluno do ensino secundário em Kaesong, então uma cidade movimentada perto do paralelo 38. Assistiu ao avanço e recuo dos exércitos ao longo da nova linha divisória entre Norte e Sul. E, em 1952, alistou-se formalmente no Exército Popular da Coreia do Norte, servindo no departamento de recolha de informações.
Ahn Hak-sop (Charlie Miller/CNN)
À medida que a guerra chegava a um impasse sangrento em 1953, Ahn foi capturado. Dos dez soldados da sua unidade, afirmou ter sido o único sobrevivente.
De acordo com a legislação sul-coreana da época, se tivesse assinado um documento a renunciar ao Norte e à ideologia comunista, teria direito a liberdade condicional. Porém, recusou-se e permaneceu preso no Sul durante os 42 anos e seis meses seguintes.
Décadas na prisão
O cativeiro de Ahn é um dos mais longos de sempre para um prisioneiro de guerra norte-coreano detido no Sul. Descreveu esse tempo como implacável, não apenas pelo sofrimento físico, mas também pela pressão psicológica para abandonar as suas convicções.
“No início, tentaram converter-me através da conversa”, recordou. “Quando não resultou, começaram a torturar-me.”
Ahn alega ter sofrido castigos brutais, incluindo espancamentos e exposição a água gelada.
A certa altura, contou, os interrogadores levaram-no de volta à Ilha de Ganghwa para se reunir com as irmãs, que, em lágrimas, o imploraram para renunciar ao Norte. Ele recusou.
“Isso foi realmente doloroso”, recordou.
Quando foi finalmente perdoado em 1995, no feriado do Dia da Libertação da Coreia do Sul, descreveu o momento em termos amargos. Afirmou que simplesmente passou de “uma prisão pequena e fechada para uma prisão grande e aberta”.
Mesmo assim, afirmou ter permanecido sob vigilância apertada, seguido constantemente pela polícia.
Em 2000, num breve período de distensão política entre Seul e Pyongyang, a Coreia do Sul permitiu que 63 prisioneiros de longo prazo não convertidos regressassem ao Norte.
Ahn teve a oportunidade de atravessar a fronteira, mas tomou a difícil decisão de ficar.
Os que regressaram foram recebidos na Coreia do Norte com desfiles e bandeiras. Mas Ahn disse que permaneceu em solo sul-coreano porque a sua “missão” não estava concluída. Apesar de décadas no Sul, nunca vacilou na convicção de que a Coreia do Sul continua a ser uma colónia sob influência americana.
“Vim para aqui, para uma ‘colónia’ americana, a lutar contra os EUA, mas não consegui fazer nada e apenas cumpri pena na prisão”, afirmou.
“Como poderia regressar, sentindo-me envergonhado? Se tenho de gritar ‘fora os EUA’, tenho de o fazer daqui, não do Norte. Foi por isso que não regressei… Estava determinado a morrer depois de testemunhar a saída dos americanos desta terra.”
“Ou expulso os americanos daqui, ou morro”, afirmou.
Atualmente, Ahn vive numa modesta casa em Yonggang-ri, a menos de dois quilómetros da fronteira norte-coreana que sonha atravessar, afastado da família alargada.
Para sobreviver, depende dos apoios estatais concedidos a pessoas de baixos rendimentos e da ajuda de conhecidos.
As paredes da sua casa estão cobertas de fotografias desbotadas e cartazes norte-coreanos, recordações de uma ideologia que moldou a sua existência. O tapete da entrada é uma bandeira dos EUA.
“Seria demasiado revoltante ser enterrado numa colónia mesmo depois da morte”, acrescentou.
Permissão negada
A Ponte da Unificação, sobre o rio Imjin, em Paju, na Coreia do Sul, tem sido um ponto de passagem cerimonial para cimeiras, reuniões de famílias e raras delegações entre as duas Coreias. Este mês tornou-se o palco do mais recente confronto de Ahn com o governo sul-coreano.
As autoridades bloquearam a sua passagem, invocando a lei de segurança nacional e a ausência de qualquer acordo com Pyongyang que permitisse o seu regresso.
A Coreia do Norte suspendeu todas as comunicações com o Sul em 2023, tornando mais difícil para Seul discutir a repatriação de Ahn e de outros prisioneiros.
Grupos de direitos humanos na Coreia do Sul manifestaram simpatia pela situação de Ahn, mas poucos acreditavam que o governo autorizasse a travessia.
Depois de lhe ser negada a passagem na fronteira, Ahn entrou com dificuldade numa ambulância à sua espera e foi levado dali.
Para Ahn, a recusa veio apenas sublinhar aquilo em que acredita há quase 80 anos: que o seu destino não está ligado à reconciliação, mas sim à divisão perpétua.
“Estou determinado a regressar à pátria da minha ideologia, à casa dos meus princípios”, afirmou. “A RPDC, o início da minha vida.”