Considerando a importância histórica e espiritual do território de Israel e da Palestina, a paz naquele lugar é uma prioridade para o Vaticano?
Sim, é uma prioridade. Estamos extremamente preocupados com o que está a acontecer naquela terra, que é particularmente querida para nós, uma vez que é a terra onde nasceu, morreu e ressuscitou o nosso Senhor Jesus Cristo. Por isso, estamos muito atentos aos confrontos. E pensamos que a primeira coisa a alcançar é a paz. Por duas razões. Em primeiro lugar, pela paz em si mesma. Não é possível que dois povos continuem a lutar desta maneira. Não nos podemos esquecer do ataque do Hamas, que foi extremamente brutal. Digamos que foi também um ato de guerra. Depois, a resposta de Israel, sabemo-lo, já dissemos que foi desproporcional em relação à resposta que deveria ter sido dada. Há isto, a questão da paz em si mesma, para o futuro destes povos.

Estamos também muito preocupados porque há toda a questão dos cristãos. Enquanto não houver paz na Palestina, não haverá paz na Terra Santa, não haverá paz em Israel. Os nossos cristãos estão, verdadeiramente, a ser submetidos a grandes provas e a tentação é fugir, a tentação é sair, como está de facto a acontecer. O número de cristãos reduziu drasticamente na Terra Santa e isto é inaceitável para nós porque, como os papas têm dito, a Terra Santa corre o risco de se tornar um museu e deixar de ser uma realidade viva, onde há pessoas que levam a fé adiante. Creio que isto é do interesse de todos. Israel também o reconheceu. Por exemplo, o Presidente Herzog, que recebemos há algumas semanas, também diz que a presença cristã é uma presença de moderação no panorama geral da Terra Santa. Por isso, acredito que todos têm motivos para fazer com que os cristãos permaneçam. Mas a permanência dos cristãos está ligada, antes de tudo, à paz.

O Papa Francisco fez história com o encontro inédito com o patriarca de Moscovo em 2016. O Vaticano poderia, através da via do diálogo ecuménico — e mesmo sabendo a situação de cisma em que o Patriarcado de Moscovo se encontra em relação à comunhão ortodoxa —, participar numa forma diferente de diálogo entre o Ocidente e a Rússia? Uma alternativa ao diálogo protagonizado, por exemplo, por Donald Trump?
Hoje, o movimento ecuménico encontra-se em alguma dificuldade, precisamente pelas razões que salientou, sobretudo no que diz respeito ao mundo ortodoxo, que está muito dividido, desde o famoso Concílio de Creta [em 2016] e, depois, com os acontecimentos na Ucrânia. Portanto, acredito que poderia tornar-se um instrumento de diálogo, ou de facilitação do diálogo, mas parece-me que, hoje, as condições não são particularmente favoráveis a isso. Naturalmente, procuramos manter sempre abertos os canais de comunicação, inclusivamente com o Patriarcado de Moscovo, mas estamos a viver um momento difícil e, portanto, a minha opinião não é a de que as relações ecuménicas, as relações entre as Igrejas, sejam particularmente favoráveis e úteis para a questão da paz.

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O Papa Leão XIV dedicou as suas primeiras palavras depois da eleição à paz, pedindo ao mundo uma paz desarmada e uma paz desarmante. São palavras que ressoam num mundo que voltou a uma corrida ao armamento, no sentido contrário ao que a Igreja propõe na sua Doutrina Social, que é o desarmamento geral…
…e controlado.

Como se sente o Vaticano a propor este desarmamento controlado na Europa?
Pretende continuar a propô-lo. Esse tem sido um dos temas, um dos cavalos de batalha da Santa Sé em todos os fóruns internacionais. Insistimos continuamente no desarmamento geral e controlado. Hoje, a questão do desarmamento coloca-se de uma forma muito mais aguda do que no passado, devido ao desenvolvimento de novas armas, que são armas de destruição em massa. Quando pensamos na bomba atómica e no uso da energia nuclear para fins militares, quando pensamos nas novas fronteiras da inteligência artificial, nestas armas que até destroem por si próprias, sem terem de ser guiadas pelo homem, controladas pelo homem. Então, os cenários estão a tornar-se agora mais assustadores e arriscam tornar-se cenários apocalípticos.

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Parece-nos que hoje se coloca cada vez mais esta exigência do desarmamento. Ainda que seja verdade que estamos a ir contra uma tendência que se move na direção oposta. Hoje, infelizmente, todos os Estados tendem a rearmar-se. Como dizia recentemente o diretor da AIEA, a Agência da Energia Atómica, em Viena, hoje não há só o assunto da não-proliferação, mas também o facto de haver Estados que antes não tinham armas nucleares, que agora as querem ter e que começaram a trabalhar neste sentido. Esta é uma tendência que vai exatamente no sentido oposto do desarmamento. Mas é uma perspetiva verdadeiramente preocupante, porque, quando as armas existem, infelizmente, as armas são usadas. E, depois, há sempre o perigo do erro. Pode acontecer alguma coisa que não estava previsto, mas que pode desencadear, de facto, o inferno.