Mulheres com histórico de câncer cervical, mais conhecido como câncer do colo do útero, têm maior risco de desenvolver câncer do canal anal, de acordo com um estudo publicado na última quinta-feira, 11, no periódico científico Jama Network Open.
“Esses resultados mostram que mulheres que tiveram câncer do colo do útero há anos deveriam ser consideradas para o rastreamento de rotina do câncer anal”, alerta Haluk Damgacioglu, professor da Medical University of South Carolina e um dos autores do estudo, em comunicado à imprensa. “No momento, isso não está acontecendo.”
Câncer do canal anal corresponde de 1% a 5% dos tumores intestinais, segundo oncologista Foto: Shisu_ka/Adobe Stock
De acordo com a oncologista Angélica Nogueira, presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), a associação entre os dois quadros já era conhecida, mas não na dimensão revelada no estudo.
A pesquisa analisou informações sobre 85.524 mulheres com câncer do colo do útero obtidas do banco de dados Surveillance, Epidemiology and End Results (SEER), do Instituto Nacional do Câncer norte-americano, cobrindo o período de 1975 a 2021. Aquelas que já haviam sido diagnosticadas com câncer anal antes ou até dois meses após o câncer do colo do útero foram excluídas do estudo.
Entre as participantes, 64 tiveram câncer anal, com diferenças entre as faixas etárias. A maior incidência foi observada entre mulheres de 65 a 74 anos, com 17,6 casos por 100 mil pessoas. Entre pacientes com menos de 45 anos, a incidência foi de 2,4; já entre aquelas de 45 a 54 anos e de 55 a 64 anos foi de 4,6 e 10, respectivamente.
Os pesquisadores também notaram um aumento nos casos de câncer anal conforme o tempo desde o diagnóstico de câncer do colo do útero: as maiores taxas foram observadas entre 15 e 20 anos após a confirmação da doença (12,7 casos por 100 mil pessoas) e, sobretudo, a partir de 20 anos (16,1 casos por 100 mil).
Segundo Angélica, o câncer do colo do útero é um tumor maligno que se desenvolve na parte inferior do útero. Estima-se que a doença mate 19 mulheres por dia no País, de acordo com o Instituto Nacional do Câncer (Inca). Já o câncer do canal anal acontece na porção final do intestino. “Esse tipo de câncer é mais raro, corresponde de 1% a 5% dos tumores intestinais”, detalha.
“Os tumores surgem em localizações distintas. Na maioria das vezes, eles estão ligados a células epiteliais, que são as mais externas da pele. Um denominador comum é que ambos têm como principal causa a infecção pelo papilomavírus humano, o HPV“, explica Angélica.
Embora o estudo não aponte uma causa específica para a relação de risco entre as duas doenças, os autores reconhecem que a infecção por HPV poderia explicar a associação entre os quadros.
Desconhecimento sobre o HPV
Quase 100% dos casos de câncer do colo do útero estão relacionados à infecção pelo HPV. Apesar disso, um levantamento recente, feito com 831 mulheres, mostrou que 57% delas não sabiam que esse vírus é o principal causador da doença.
A pesquisa, idealizada pelo Grupo Brasileiro de Tumores Ginecológicos (EVA) e conduzida pelo Instituto Locomotiva, ainda evidenciou fragilidades nas práticas de prevenção. Quase metade das mulheres (42%) não se vacinou ou não se lembra de ter recebido o imunizante contra o vírus — vale ressaltar que a vacinação contra o HPV, introduzida no Brasil em 2014, protege contra os subtipos mais perigosos desse agente infeccioso.
Além disso, 29% das participantes relataram não conhecer a finalidade do papanicolau (um exame preventivo) e 49% disseram não saber para que serve o teste de DNA-HPV, exame molecular que identifica a presença do HPV no organismo antes do surgimento de lesões ou do câncer do colo do útero.
No caso do câncer do canal anal, a melhor forma de prevenção também é a vacinação contra o HPV. No Sistema Único de Saúde (SUS), a vacinação contra o vírus está disponível para meninos e meninas de 9 a 14 anos e imunossuprimidos até 45 anos.
Além disso, até dezembro de 2025, adolescentes de 15 a 19 anos também podem tomar a vacina contra o HPV gratuitamente nos postos de saúde, em uma iniciativa do Ministério da Saúde para aumentar as taxas de vacinação e alcançar os jovens que ainda não foram imunizados.
“Esses dados são muito preocupantes”, destaca a oncologista clínica Andréa Paiva Gadelha Guimarães, líder da oncoginecologia do A.C. Camargo Cancer Center e presidente do Grupo EVA. “É importantíssima a conscientização com informações de qualidade para evitar que notícias falsas causem a redução vacinal e do rastreio adequado, como o papanicolau e o DNA-HPV.”
Andréa lembra que a Organização Mundial da Saúde (OMS) planeja reduzir drasticamente o câncer do colo do útero até 2030 e, em longo prazo, eliminá-lo como um problema de saúde pública. “Para que isso ocorra, existem três metas específicas: 90% das meninas precisam ser vacinadas até os 15 anos, 70% das mulheres devem fazer exame de rastreio dos 35 aos 45 anos, e 90% das mulheres precisam de tratamento, seja de lesões precursoras ou do câncer.”
“Esse tipo de câncer é considerado inaceitável porque existem métodos de prevenção adequados, mas, infelizmente, os números do Brasil são altíssimos. É o terceiro tipo de câncer mais prevalente entre as mulheres”, conclui.