Um fungo classificado como uma preocupação “crítica” pela Organização Mundial da Saúde (OMS) pode possuir um aliado inesperado: um vírus que se encontra dentro dele. Um estudo recente sugere que direcionar o tratamento para este vírus poderia representar uma nova abordagem para combater infecções fúngicas perigosas em humanos.
Conhecido como A. fumigatus Polymycovirus-1 (AfuPmV-1M), o vírus já era identificado antes desta pesquisa, mas agora foi descoberto que ele oferece ao fungo Aspergillus fumigatus diversas vantagens significativas para a sua sobrevivência.
O A. fumigatus pode infectar indivíduos que inalarem suas esporas, resultando em infecções pulmonares agudas ou crônicas, ou até mesmo em uma doença “invasiva” que se espalha além dos pulmões. Embora muitas pessoas inalem esporas de Aspergillus diariamente, geralmente apenas aqueles com sistema imunológico comprometido desenvolvem doenças graves. Marina Campos Rocha, autora principal do estudo e pesquisadora pós-doutoral da Universidade Hebraica de Jerusalém, explicou que pacientes com doenças pulmonares também estão em risco.
Estima-se que o fungo seja responsável por aproximadamente 2,1 milhões de casos de aspergilose invasiva e 1,8 milhão de casos de infecções pulmonares crônicas anualmente, dentre os 6,55 milhões de infecções fúngicas invasivas registradas mundialmente a cada ano. A taxa de mortalidade das infecções invasivas varia entre 30% e 80% ao redor do mundo.
Investigação
No estudo recém-publicado na revista Nature Microbiology, cientistas investigaram camundongos infectados com A. fumigatus, que por sua vez estava infectado pelo vírus AfuPmV-1M, em um cenário descrito por Rocha como uma situação de “boneca russa”. O fungo utilizado foi isolado originalmente dos pulmões de um paciente falecido devido à aspergilose.
A pesquisa demonstrou que a administração de medicamentos antivirais nos camundongos resultou em uma taxa de sobrevivência aumentada, menor carga fúngica nos pulmões e níveis reduzidos do vírus em comparação aos camundongos que não receberam o tratamento.
Em outras palavras, ao focar exclusivamente no vírus, os pesquisadores conseguiram diminuir a carga da infecção fúngica nos camundongos. Essa conclusão contrasta com resultados de um estudo anterior publicado em 2020, que indicava que tratar o vírus poderia agravar a infecção fúngica. Rocha mencionou que as diferenças podem ser atribuídas a várias razões, incluindo as metodologias distintas empregadas pelas equipes de pesquisa para eliminar as cepas fúngicas do vírus.
Norman van Rhijn, pesquisador do Manchester Fungal Infection Group e que não participou do estudo, elogiou as descobertas feitas por Rocha e sua equipe como sendo inovadoras. “Isso representa um avanço significativo na compreensão da capacidade de virulência deste fungo e tem potencial para ampliar esses achados em outros patógenos humanos”, comentou van Rhijn.
Os pesquisadores observaram ainda que os fungos expostos aos antivirais apresentaram uma reprodução menos eficaz e uma produção reduzida de melanina; essa substância é conhecida por aumentar a virulência e a capacidade dos fungos patogênicos de sobreviverem em ambientes hostis.
O vírus em questão não causa danos a camundongos ou humanos, pois depende de receptores e proteínas específicos para se ligar, os quais estão ausentes nos mamíferos, segundo Rocha. Cada vírus que infecta fungos tende a ser específico a uma única espécie fúngica.
Explicações
Rocha explica: “No caso deste vírus, ele só pode infectar Aspergillus fumigatus; não é capaz de afetar outros fungos”. Os pesquisadores acreditam que o vírus auxilia na sobrevivência do fungo ao regular processos relacionados à síntese de RNA, uma molécula genética envolvida na produção de proteínas. O vírus melhora as respostas ao estresse e a síntese proteica do fungo, facilitando sua resistência em condições adversas. Além disso, as células imunológicas humanas têm mais dificuldade em eliminar cepas do fungo infectadas pelo vírus em comparação às cepas não infectadas.
Os autores do estudo sugerem que se os antivirais utilizados nos camundongos se mostrarem eficazes também em humanos, terapias futuras poderão empregar esses medicamentos para debilitar o fungo o suficiente para que o sistema imunológico ou antifúngicos consigam eliminá-lo do organismo.
Ainda assim, segundo o ‘Live Science’, Rocha suspeita que outros patógenos fúngicos que afetam humanos possam estar igualmente infectados com vírus semelhantes que aumentam sua resiliência. Juntamente com seus colegas, ela está investigando os mecanismos de infecção envolvidos tanto em fungos infectados quanto não infectados.
“Nosso artigo representa apenas o primeiro passo dessa investigação”, concluiu Rocha. “Nosso objetivo mais amplo é fornecer uma explicação mais abrangente sobre como esse processo ocorre em nível molecular”.