Uma comissão de inquérito das Nações Unidas concluiu esta terça-feira que Israel cometeu genocídio em Gaza e que altos responsáveis israelitas, incluindo o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, incitaram os actos em causa. Israel considera a acusação “escandalosa”.
O relatório da investigação, divulgado ao mesmo tempo que Israel anunciou o início de uma nova ofensiva terrestre em Gaza, cita exemplos da escala da matança em curso naquele território palestiniano, do bloqueio à ajuda humanitária, da deslocação forçada de populações e da destruição de uma clínica de fertilidade para sustentar as suas acusações, que se juntam às conclusões anteriores de diversos grupos de defesa dos direitos humanos e de uma destacada associação de académicos e especialistas sobre genocídio.
“Hoje assistimos em directo a como a promessa de ‘nunca mais’ é violada e testada perante o olhar do mundo. O genocídio em curso em Gaza é um escândalo moral e uma emergência legal”, declarou esta terça-feira em Genebra Navi Pillay, jurista sul-africana que lidera a comissão de inquérito, e que foi anteriormente juíza do Tribunal Penal Internacional e Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos.
“A responsabilidade por estes crimes atrozes é de responsáveis israelitas, ao mais alto nível, que orquestraram uma campanha genocida durante quase dois anos com a intenção específica de destruir o grupo palestiniano em Gaza”, acrescentou.
Daniel Meron, o embaixador de Israel junto das Nações Unidas em Genebra, considerou as conclusões do inquérito “escandalosas” e “falsas”, acusando os seus autores de agirem a mando do Hamas.
“Israel rejeita categoricamente o ataque difamatório publicada hoje por esta comissão de inquérito”, declarou Meron, citado pela Reuters. Confrontada com as críticas, Navi Pillay ripostou: “Gostava que nos dissessem onde é que nos enganamos em relação aos factos, ou então que cooperassem connosco.”
Posição não é ainda assumida pela ONU
O documento de 72 páginas da comissão de inquérito representa a análise legal mais profunda das Nações Unidas sobre o assunto a ser apresentada até à data, mas a referida comissão é independente e as suas conclusões não representam necessariamente a opinião da ONU no seu todo, ressalva a Reuters. Navi Pillay, no entanto, diz esperar que o actual responsável máximo da ONU para os direitos humanos, Volker Türk, e o secretário-geral da organização, António Guterres, leiam o relatório e que “sejam guiados pelos factos”.
A ONU ainda não usou oficialmente o termo “genocídio” para se referir ao prolongado ataque israelita contra a população palestiniana em Gaza.
Paralelamente, Israel enfrenta um processo por genocídio junto do Tribunal Internacional de Justiça. O governo israelita tem rejeitado a acusação e justificado as suas acções com o direito à autodefesa na sequência dos ataques de 7 de Outubro de 2023, do Hamas, contra território israelita, que na altura vitimou cerca de 1200 pessoas e resultou na tomada de 250 reféns levados para Gaza.
A subsequente guerra em Gaza, por seu turno, matou mais de 64.000 pessoas, segundo as autoridades locais, e observadores internacionais dizem estar em curso uma fome no território.
A Convenção das Nações Unidas sobre o Genocídio, de 1948, adoptada no rescaldo do Holocausto, ou seja, da morte de milhões de judeus às mãos da Alemanha Nazi, define o genocídio como um conjunto de crimes “com a intenção de destruir, no seu todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso”.
Para se considerar que ocorreu um genocídio, pelo menos um de cinco actos, sob a intenção anteriormente referida, tem de acontecer. A comissão de inquérito da ONU considerou que ocorreram quatro em Gaza: mortes, a inflicção de danos físicos ou mentais graves, a inflicção deliberada de condições de vida em vista à destruição total ou em parte dos palestinianos, e a imposição de medidas destinadas a evitar nascimentos. O relatório cita entrevistas com vítimas, testemunhas e médicos, documentos de veracidade confirmada e imagens de satélite para sustentar as acusações.
O documento também conclui que várias afirmações de Netanyahu e de outros responsáveis israelitas são “prova directa de intenção genocida”. Cita, por exemplo, uma carta do primeiro-ministro aos soldados israelitas, redigida em Novembro de 2023, em que descreve a guerra em Gaza como uma “guerra santa de aniquilação total”, citando o Velho Testamento. O Presidente israelita Isaac Herzog e o ex-ministro da Defesa, Yoav Gallant, também são visados pela acusação.
Pillay, hoje com 83 anos, presidiu a um tribunal das Nações Unidas para o genocídio do Ruanda, em que morreram mais de um milhão de pessoas em 1994, e considerou que ambas as situações são comparáveis: “Desumanizas as vítimas. Dizes que são animais, e então, sem consciência, podes matá-las.”