Um novo ensaio clínico de fase 2, promovido pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP), demonstrou que combinar duas terapêuticas poderá melhorar o prognóstico de doentes com insuficiência cardíaca, em comparação com as terapêuticas separadas, como se faz atualmente.

Publicado no Journal of American College of Cardiology (JACC), uma das revistas científicas mais conceituadas a nível mundial, o ensaio SOGALDI-PEF deverá ter consequências no tratamento daquela patologia e nas guidelines internacionais, abrindo a porta ao desenvolvimento de uma nova terapêutica que junte as duas substâncias e que seja mais eficaz contra a mortalidade e as hospitalizações.

“Esta poderá ser uma nova fase no tratamento e na prevenção da insuficiência cardíaca”, explica João Pedro Ferreira, professor da FMUP, investigador do RISE-Health, coordenador e primeiro autor do estudo, cujas principais conclusões foram apresentadas na iniciativa intitulada “Ensaios Clínicos da Iniciativa do Investigador”, que se realizou no dia 13 de setembro, nesta Faculdade.

De acordo com o especialista em insuficiência cardíaca, estes dois fármacos estão atualmente recomendados para o tratamento desta doença, mas nenhum ensaio tinha ainda analisado a combinação destes fármacos, isto é, a toma em simultâneo, para saber se têm um efeito aditivo ou não.

Novo tratamento revela “um potencial efeito aditivo benéfico”

O objetivo do ensaio, que incluiu 108 doentes seguidos em dois hospitais portugueses – ULS São João e ULS Gaia/Espinho –, era analisar a eficácia e a segurança da combinação daqueles dois medicamentos na insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada.

Esta patologia afeta mais de 400 mil pessoas em Portugal, sobretudo pessoas acima dos 65 anos e com várias doenças, como hipertensão, diabetes e insuficiência renal. Atualmente, constitui a principal causa de hospitalização acima daquela faixa etária e os principais sintomas são falta de ar, cansaço excessivo e inchaço dos membros inferiores.

Um dos fármacos administrados (dapaglifozina) é um inibidor da SGLT-2, conhecido pela sua ampla utilização no tratamento da diabetes tipo 2, sendo em geral muito bem tolerado. O outro fármaco (espironolactona) é da classe dos antagonistas da aldosterona, uma hormona que está hiperativada em situações de doença crónica, com repercussões nefastas para o organismo.

Os resultados do SOGALDI-PEF mostram que a combinação dos dois fármacos ao longo de 12 semanas terá “um potencial efeito aditivo benéfico”, conseguindo uma maior diminuição de um biomarcador de stress cardíaco, o NT-proBNP, uma proteína medida em amostras de sangue.

“Este um marcador de pressão cardíaca é robusto e validado na prática clínica para prognóstico da doença. Quanto mais baixo, melhor. Quando sobe, significa que o coração dos doentes está a esforçar-se mais para bombear o sangue para o corpo”, indica João Pedro Ferreira.

Além da eficácia, o estudo avaliou a segurança da combinação, tendo concluído que deve ser feita monitorização do potássio (o aumento pode provocar complicações, como arritmias) e da função renal.

Os próximos passos

O próximo passo do SODALDI-PEF passará pela avaliação do efeito da combinação em outros marcadores moleculares com amostras de sangue dos mesmos doentes, bem como em imagens de ecocardiogramas realizados, devendo prolongar-se por mais dois anos (até 2027).

A nível internacional, o estudo coordenado pelo professor da FMUP permitirá a realização de ensaios de fase 3, de larga escala, para testar o impacto da combinação em aspetos como a sobrevivência e qualidade de vida dos doentes.

O ensaio clínico SOdium-Glucose cotransporter 2 inhibitor with and without an ALDosterone AntagonIst for heart failure with Preserved Ejection Fraction: the SOGALDI-PEF Trial é um estudo da iniciativa do investigador, tendo contado com a participação de vários professores da FMUP e RISE-Health, bem como do Instituto Politécnico do Porto, da Université de Lorraine e INSERM, em França, e do Research Institute of the McGill University Health Centre, no Canadá.