Em menos de uma semana, dois países da NATO denunciaram a entrada de drones russos nos respetivos espaços aéreos, num “ataque direto” à sua soberania territorial. Especialistas militares ouvidos pela CNN Portugal acreditam que estes incidentes não irão ficar por aqui e que “é só uma questão de tempo” até que a Europa entre em confronto direto com a Rússia

A violação do espaço aéreo da Polónia e da Roménia em menos de uma semana não foi mais do que “uma aula prática” para a Rússia para “medir a capacidade de resposta operacional da NATO” num eventual ataque com drones, sugerem especialistas militares ouvidos pela CNN Portugal. O “teste” serviu para confirmar o que já se temia. “A Europa não está preparada para uma guerra desta natureza” com a Rússia, conclui o tenente-general Marco Serronha.

Na quarta-feira passada, 19 drones, que se acredita terem sido lançados pela Rússia, invadiram os céus da Polónia. Numa operação conjunta, que envolveu a mobilização de caças F-16 polacos e F-35 neerlandeses, um avião de vigilância italiano, um sistema Patriot alemão e um avião de reabaestecimento da NATO, foi possível abater três desses drones.

Todo este equipamento, estimado em “milhares de milhões de dólares”, foi mobilizado para combater “drones russos baratos feitos de madeira e espuma”, como descreve o POLITICO, referindo-se assim aos drones Gerbera, uma “imitação” dos drones Shahed iranianos que, segundo os serviços secretos ucranianos, são construídos em Yelabuga, na Rússia, com materiais como contraplacado e espuma. 

Segundo o POLITICO, estima-se que cada um destes drones tenha um custo de fabrico de 10 mil dólares (cerca de 8.500 euros). Ou seja, mesmo empenhando todo aquele arsenal, a capacidade de neutralização de drones por parte da NATO foi muito menos eficaz do que a resposta habitual demonstrada pela Ucrânia, que, segundo a mesma fonte, “costuma apresentar uma taxa de interceção de 80% a 90%”, apesar de enfrentar ataques com drones de maior dimensão.

“A capacidade de defesa aérea da Aliança Atlântica na região está nitidamente sobredimensionada para este tipo de alvos”, conclui o tenente-general Marco Serronha, explicando que, para destruir um drone barato como os Gerbera, “foram gastos mísseis que custam cerca de 700 mil euros cada um”. “Isto torna o combate ineficiente”, sublinha o especialista militar, ressalvando que “nem é só o facto de ser caro”, mas sim a questão dos recursos limitados da NATO, como mísseis ar-ar usados com os caças F-16, que “não são facilmente substituíveis”.

Segundo o Instituto para o Estudo da Guerra, muitos dos drones estavam equipados com depósitos de combustíveis adicionais, que lhes permitiram aumentar o alcance de 600 quilómetros para 900 quilómetros. Além disso, de acordo com os especialistas militares, sabe-se agora que os drones tinham cartões SIM polacos e lituanos. O tenente-general Marco Serronha explica que a condução e a transmissão de informação destes drones para a base é feito através de redes de telemóveis locais, o que sugere que a Rússia poderá ter usado cartões polacos e lituanos de modo a não ser detetada no espaço aéreo polaco.

Para o major-general Jorge Saramago, o que aconteceu na Polónia e na Roménia foi “um belíssimo exemplo de uma nova face da guerra a que não estamos habituados” no campo de batalha – a guerra híbrida, em que é “difícil determinar, de forma imediata, com rigor e exatidão, se estamos efetivamente perante uma ação militar direta ou não”.

Nesta nova tipologia de guerra, o combate assenta sobretudo no lançamento diário de “milhares” de “drones pequenos” na linha da frente – como, aliás, acontece diariamente na Ucrânia, lembram os especialistas militares. A avaliar pela resposta a estes “testes” russos, “a Europa não está preparada, neste momento, para uma guerra desta natureza”, avisa o tenente-general Marco Serronha.

“A Europa não tem sistemas anti-drone que sejam minimamente eficientes e que possam fazer face a eventuais ataques na ordem daqueles que a Rússia faz à Ucrânia, que andam à volta dos 800 drones por noite”, sublinha o tenente-general.

Além de querer “testar a forma como reagimos e preparamos a nossa defesa” na Europa, a Federação Russa procurou “criar divisões” na NATO com estas violações do espaço aéreo polaco e romeno, teorizam os especialistas militares. As fissuras tornaram-se evidentes logo à partida, com o presidente dos EUA, Donald Trump, a admitir que o que aconteceu “pode ter sido um erro” por parte da Rússia, ecoando as palavras do Kremlin, que garante que não tencionava visar a Polónia com drones.

“Isto para a Rússia significa que, no caso de haver uma situação mais séria [com a Rússia], muito provavelmente não haverá acionamento do artigo 5.º porque os EUA poderão ter dúvidas sobre a intencionalidade” das ações da Federação Russa, pressupõe o tenente-general Marco Serronha.

Neste caso, o artigo 5.º não se aplica, porque o que aconteceu “não é configurável como uma violação ou uma invasão do território polaco ou romeno”, uma vez que “não há provas de que a Rússia tivesse intenção de atingir alvos” dentro dos respectivos territórios. “Não é, nesse sentido, um ataque armado que permitisse aos Estados-membros da NATO invocarem o direito de legítima defesa coletiva”, explica o comentador da CNN Portugal José Azeredo Lopes. É, no entanto, “um ataque direto à soberania territorial da Polónia e da Roménia”, complementa.

Neste cenário, e na sequência da violação do espaço aéreo polaco, o primeiro-ministro Donald Tusk invocou o artigo 4.º do Tratado da NATO, que prevê consultas entre todos os Estados-membros perante ameaças à segurança e integridade territorial de um dos países que a integram. Os líderes europeus e da NATO consideraram o ataque como uma “provocação” das forças armadas russas e decidiram reforçar a prontidão no flanco leste da Aliança Atlântica, que faz fronteira com a Rússia.

Apesar da “reação muito vocal e agressiva” dos países da UE e da NATO,  como descreve Azeredo Lopes, quatro dias depois desse incidente ocorreu um outro, desta vez na Roménia, que denunciou a entrada de um drone russo no seu espaço aéreo. 

A força aérea romena enviou dois caças F-16 para monitorizar a situação, que seguiram o drone até este “desaparecer do radar” perto da aldeia de Chilia Veche, antes de seguir em direção à Ucrânia. A Rússia nega estar envolvida neste incidente, responsabilizando Kiev pelo lançamento do respetivo drone. “Todos os factos sugerem que se tratou de uma provocação deliberada do regime de Kiev”, declarou a embaixada de Moscovo em Bucareste. 

As palavras do Kremlin não convencem os líderes europeus nem os especialistas militares. “Esta sucessão de episódios, principalmente o que aconteceu na Polónia não pode ser apresentada como um azar”, observa José Azeredo Lopes, que não tem dúvidas de que estes incidentes resultam de uma “ação deliberada” por parte da Federação Russa, numa “aula prática” para tirar notas sobre os próximos passos.

“Guerra com a Rússia é só uma questão de tempo”

Não é a primeira vez que drones russos atravessam os espaços aéreos da Polónia e da Roménia. Segundo o ministério romeno da Defesa, foi a 11.ª vez que a força aérea detetou drones russos no espaço aéreo de Bucareste desde o início da invasão russa da Ucrânia. As estatísticas são iguais na Polónia. A diferença é que “a Rússia não entrou tão dentro do território polaco como desta vez”, explica Marco Serronha, quando ainda não se sabia de nova intrusão, essa com um drone a rondar o palácio presidencial, em Varsóvia.

O tenente-general Marco Serronha não tem dúvidas de que estes incidentes com drones russos no espaço aéreo europeu “não se ficam por aqui”. “O que os sistemas de informações europeus e os próprios líderes políticos nos dizem é que uma eventual guerra com a Rússia é só uma questão de tempo”, observa.

Uma vez que “os europeus não estão preparados para essa guerra”, já que, “neste momento, não têm drones suficientes” para travar a Federação Russa, o tenente-general Marco Serronha sugere que Vladimir Putin pode “optar por lançar uma operação militar [na Europa] mais cedo, mesmo que seja limitada, do que esperar pelo fim da guerra na Ucrânia”.

“Nós fomo-nos habituando a pensar que a Ucrânia nos é muito útil porque enquanto a Ucrânia estiver a defender-se não há nada que chegue para o nosso lado”, começa por dizer Azeredo Lopes. “Isto se calhar é a demonstração de que não podemos continuar a apostar tudo na Ucrânia e que temos nós próprios de construir a nossa própria defesa no flanco leste.”

O reforço da prontidão no flanco leste da Aliança Atlântica “é um bom sinal”, admite Marco Serronha. “Mas não é isso que vai atemorizar Putin”, avisa o tenente-general, que considera que a solução, no imediato, passa por “criar uma buffer zone”, ou seja, uma zona de exclusão aérea, sobre a Ucrânia de modo a proteger o território da NATO dos drones russos – uma ideia proposta esta segunda-feira pelo ministro polaco dos Negócios Estrangeiros, Radoslaw Sikorski’s.

“A NATO poderia criar uma linha fora da sua fronteira na Ucrânia, a 10, 15, 20 quilómetros da fronteira, de modo a garantir que tudo o que entra dentro dessa zona é considerado uma ameaça e é destruído nessa área, sem entrar no território da NATO”, explica o tenente-general.

Esta ideia foi inicialmente sugerida pelo presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, logo após a invasão russa da Ucrânia e chegou a ser discutida pelos países da NATO, mas acabou por ser rejeitada por receios de que um confronto direto com aviões e drones russos pudesse fazer escalar a guerra.

A proposta do ministro polaco dos Negócios Estrangeiros parece limitar a atuação da NATO aos drones russos que se aproximam das fronteiras da Ucrânia com países da Aliança Atlântica.

“A proteção da nossa população – por exemplo, contra a queda de destroços – seria naturalmente maior se pudéssemos combater os drones e outros objetos voadores fora do nosso território nacional. Se a Ucrânia nos pedisse para abater os drones sobre o seu território, isso seria vantajoso para nós. Se me perguntarem pessoalmente, deveríamos considerar”, declarou Sikorski.

Além disso, os especialistas militares avisam para a urgência de investimento nas capacidades anti-drone na NATO – “muito provavelmente com o apoio da tecnologia e conhecimento da Ucrânia”, assume Marco Serronha, sublinhando que Moscovo e Kiev “são as duas únicas forças armadas do mundo que estão preparadas para este novo tipo de guerra”.

“Nós não podemos ter aviões f-35 preparados de cada vez que aparecem 10 ou 20 drones”, adverte Azeredo Lopes. “Precisamos de demonstrar à Rússia que temos pelo menos capacidade de nos defendermos e que, no futuro, se for necessário, também temos uma capacidade de dissuasão que dependa de nós”, completa, avisando que “hoje, infelizmente, se há coisa de que não podemos ter a certeza, é de que, se precisarmos, os EUA virão longo” ajudar-nos.