“A comissão conclui que as autoridades israelitas e as forças de segurança israelitas têm a intenção genocida de destruir, totalmente ou em parte, os palestinianos na Faixa de Gaza”. Foi com estas palavras que um órgão das Nações Unidas declarou pela primeira vez que Israel está a cometer genocídio em Gaza. Num relatório de 72 páginas, publicado esta terça-feira, a Comissão de Inquérito Internacional Independente para os Territórios Palestinianos Ocupados identificou a existência de “quatro das cinco ações genocidas”, definidas pelo Direito Internacional.
A primeira ação, de matar os membros de um grupo, é identificada na morte de civis, incluindo crianças, jornalistas e profissionais de saúde palestinianos, que o relatório diz terem sido “diretamente visados e mortos”. “[As forças israelitas] dispararam contra e mataram civis, alguns dos quais (incluindo crianças) seguravam bandeiras brancas improvisadas. Algumas crianças, incluindo bebés, foram alvejadas na cabeça por atiradores”, pode ler-se no relatório, que nota ainda que estas pessoas não foram visadas como “civis individuais”, mas de “forma coletiva devido à sua identidade como palestinianos”.
A comissão cita diretamente Hind Rajab, a menina de 5 anos morta em janeiro de 2024 dentro do carro quando a sua família tentava abandonar uma zona sob alerta de evacuação.
Mantendo o foco nas crianças, o relatório escreve que a “essência da infância foi destruída em Gaza”, citando um médico que trabalhou no local. Confirma-se assim a “inflição de danos corporais e mentais“, neste caso às crianças. O facto de os palestinianos terem sido forçados a deslocar-se repetidamente, os maus-tratos (incluindo através de “violações, tortura sexualizada e outras formas de violência sexual”) a prisioneiros e detidos e ainda a “desumanização de palestinianos” (visível nas publicações de soldados israelitas nas redes sociais) confirma a existência deste segundo ato genocida.
A estas condições soma-se o bloqueio da ajuda humanitária que “impõe a fome e condições inumanas” — a entrada de uma pequena quantidade nos últimos tempos é apenas uma “fachada” destinada a enganar a comunidade internacional, conclui mesmo a comissão. Isto configura, concluiu, “a inflição deliberada de condições de vida calculadas para provocar a destruição dos palestinianos”. A última ação identificada é a “imposição de medidas destinadas a prevenir nascimentos“, visível na destruição da maior clínica de fertilidade de Gaza, que destruiu 4 mil embriões.
O relatório apenas não identifica a quinta ação genocida, a de “transferir crianças de um grupo para outro grupo”. No entanto, a comissão considera que se verifica um dos requisitos legais essenciais para provar a existência de genocídio: a intenção do perpetrador. “Já em 7 de outubro de 2023, responsáveis israelitas fizeram declarações que indicavam a sua intenção de destruir os palestinianos em Gaza como um grupo”, pode ler-se.
A comissão, composta por três especialistas, foi fundada em 2021 e é presidida por Navi Pillay, sul-africana que já presidiu ao tribunal internacional criado para julgar o genocídio no Ruanda. Pillay identificou nas palavras do Presidente israelita, Isaac Herzog, do primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, e do antigo ministro da Defesa, Yoav Gallant, esta intenção. “Como estes três indivíduos são agentes do Estado, à luz do Direito, o Estado é responsabilizado. Assim, dizemos que é o Estado de Israel que cometeu genocídio”, explicou à Al Jazeera.
Tendo em conta as palavras da liderança israelita e os atos identificados na Faixa de Gaza, a comissão conclui que a “única inferência razoável que pode ser retirada da totalidade das provas” é a intenção genocida. A confirmação de genocídio das Nações Unidas acompanha declarações semelhantes de organismos independentes internacionais e israelitas.