Há 200 anos, chegava a Macau George Chinnery (1774-1852), um dos expoentes máximos da arte britânica na primeira metade do século XIX. O pintor tinha, então, 51 anos e estava no auge da carreira, iniciada no Reino Unido, onde nasceu e de onde partiu em 1802, em busca de fortuna – nunca mais regressaria. Depois de cerca de duas décadas na Índia, rumou a Macau em meados de 1825, fugindo dos credores. Foi na cidade no Delta do Rio das Pérolas da China que viveu até à morte, em maio de 1852, com brevíssimas estadias em Cantão e Hong Kong.
No meio século que residiu no Oriente, produziu algumas das suas mais marcantes pinturas e desenhos. Destaca-se a obra criada em Macau, onde viveu 27 anos, o seu período artístico mais prolífico.
Quando a fotografia ainda estava a dar os primeiros passos, foi o lápis e o pincel de Chinnery que captaram a realidade de Macau, como se o artista de um fotojornalista se tratasse, deixando para a posteridade registos únicos em termos artísticos e históricos. Da icónica baía da Praia Grande às igrejas de S. Domingos ou S. Lourenço, passando pelo Largo do Senado e pelo pelourinho – que ficava junto à antiga Igreja da Misericórdia e cuja única referência visual que se conhece foi produzida por Chinnery em 1838 -, o artista britânico é autor de um legado ímpar.
Os seus trabalhos ganham significado adicional pelo facto de muitos dos edifícios e paisagens que desenhou em Macau terem hoje desaparecido. Por exemplo, é autor de uma representação da torre sineira da igreja do Colégio da Madre de Deus da Companhia de Jesus, conhecida por Igreja de S. Paulo – um registo raríssimo feito em 1834.
A 31 de Janeiro de 1835, poucos dias depois do fatídico incêndio que destruiu o complexo, Chinnery registou em desenho os efeitos do fogo. O próprio escreveu a data no esboço, como era seu hábito. Para além da fachada das agora denominadas Ruínas de S. Paulo, os seus traços revelam que ainda ficaram de pé algumas estruturas edificadas em pedra, podendo ver-se parte do altar da igreja.
Talento nato
Chinnery nasceu em Londres a 5 de janeiro de 1774, no seio de uma família abastada, e cedo revelou a sua paixão pela arte. Matriculou-se nas Escolas da Academia Real, ou Royal Academy Schools, em 1791, e, passados três anos, já tinha obras em exposição na conceituada instituição. Em 1797, foi convidado para se fixar na Irlanda, fazendo sobretudo retratos. Em Dublin, participou em inúmeras exposições, incluindo nas salas do parlamento local.