Jon Stewart, Stephen Colbert e Jimmy Fallon abriram os seus talk shows televisivos desta quinta-feira, 18 de Setembro, com uma mistura de humor e solidariedade com o colega Jimmy Kimmel, que viu, na quarta-feira, o programa na estação norte-americana ABC ser suspenso com efeitos imediatos e sem data prevista para o regresso.
Stephen Colbert deu início ao The Late Show, na CBS, com uma paródia da música Para Jantar, do filme da Disney A Bela e o Monstro, mas substituiu parte do refrão pela expressão “shut your trap”, que, numa tradução livre, significa “fechem a matraca”, e chamou à suspensão “censura descarada”.
“Jimmy, estou 100% contigo e com a tua equipa”, disse Colbert, que em Maio de 2026 também perderá o seu programa de horário late-night depois de a CBS anunciar o seu cancelamento em Julho passado. É o programa mais visto em televisão linear nos Estados Unidos, e uma plataforma recorrente da sátira dirigida a Donald Trump, mas a CBS decidiu pôr-lhe um ponto final, falando em razões “puramente financeiras”, mas que muitos viram como uma decisão para agradar ao Presidente norte-americano.
Jon Stewart, que normalmente só apresenta o The Daily Show às segundas-feiras, disfarçou-se de “apresentador patrioticamente obediente” num programa “aprovado pelo Governo”, elogiando irónica e largamente o “grande pai” Trump.
“A visita ao Reino Unido não poderia ter sido melhor para o nosso Presidente”, disse Stewart sobre a visita de Estado de Trump. “Finalmente, um país que demonstra ao nosso grande líder o respeito e a deferência que qualquer deus-sol merece. Contemplem-no. Com um andar ainda mais majestoso do que o dos cavalos reais que desfilam diante dele”, disse.
O mais político de todos os apresentadores de programas nocturnos norte-americanos apareceu num cenário remodelado com gravuras douradas decorativas, uma paródia aos detalhes dourados que Trump adicionou à lareira, aos arcos das portas, às paredes e a outras áreas do Sala Oval. E continuou: “Se se sentiram um pouco mal nos últimos dias, provavelmente é porque o nosso grande Pai não esteve em casa. O Pai tem agraciado a Inglaterra com o seu lendário calor e esplendor… Ele impressionou os ingleses com charme, inteligência e um inegável carisma sexual que enchia o ar como uma névoa londrina repleta de feromonas.”
O apresentador exibiu a seguir um trecho de uma conferência de imprensa no Reino Unido, quando um jornalista perguntou a Trump sobre a suspensão de Kimmel e se “a liberdade de expressão está mais sob ataque no Reino Unido ou nos Estados Unidos”. “Como ousa, senhor, como ousa? De que grupo faz parte, senhor, o Antifa Herald Tribune?”, ironizou Stewart, numa referência ao movimento de extrema-esquerda Antifa, declarado nesta quarta-feira pelos EUA como organização terrorista.
No total, Stewart passou cerca de 23 minutos a “elogiar” Trump, um segmento que intitulou, de forma sarcástica, “Manual do Jon Stewart sobre a Liberdade de Expressão na Gloriosa Era Trump” e também teve como convidada Maria Ressa, jornalista filipina e vencedora do Prémio Nobel da Paz, que apresentou o livro Como Lutar Contra um Ditador.
“O nosso grande Governo estabeleceu regras muito claras sobre a liberdade de expressão. Agora, alguns pessimistas podem argumentar que as preocupações com a liberdade de expressão deste Governo são apenas uma manobra cínica, uma farsa rala, uma cortina de fumo para obscurecer uma consolidação de poder sem precedentes e uma intimidação unitária, sem princípios e friamente antitética a qualquer experiência de governação de uma república constitucional. Algumas pessoas poderiam dizer isso, mas eu não! Eu acho óptimo!”
Stewart elogiou ainda a capacidade de Trump de ver o futuro, citando um tweet que o Presidente escreveu há cerca de dois meses e que dizia: “Kimmel, és o próximo.” Também exibiu vários trechos de notícias falsas da Fox News, desde alegações sobre as alterações climáticas até declarações sobre o ataque ao Capitólio, a 6 de Janeiro de 2021, onde os invasores são descritos como “visitantes pacíficos, ordeiros e dóceis”. “Tudo verdade!”, gritou o apresentador.
O apresentador também mostrou vários vídeos de figuras do partido republicano — incluindo de Donald Trump Jr. — alegando que não é correcto criticar alguém utilizando palavras como “nazi” ou “fascista”. Segundos depois, Stewart exibiu um vídeo de Donald Trump a utilizar os mesmos termos e a chamar “animal” a Nancy Pelosi. “Tecnicamente, está correcto: não é um mineral”, referiu.
Colbert e Stewart não foram os únicos humoristas a abordar o assunto. Ainda que mais contido, Fallon, que também já foi ameaçado por Donald Trump, abriu o seu monólogo no Tonight Show dizendo: “Para ser sincero, não sei o que está a acontecer. E ninguém sabe. Mas conheço Jimmy Kimmel, é um homem bom, engraçado e carinhoso, e espero que volte.”
Seth Meyers também utilizou o humor para falar sobre Kimmel, dizendo que o Governo Trump “está a reprimir a liberdade de expressão”. “Antes de começar, quero dizer que sempre admirei e respeitei Trump”, brincou. “Sempre o considerei um visionário, um inovador, um grande Presidente e um jogador de golfe ainda melhor. E se já me viram a dizer algo negativo sobre ele era apenas inteligência artificial.”
David Letterman , antecessor de Colbert no The Late Show, lamentou as decisões das estações de televisão. “Sinto-me mal com tudo isto porque todos sabemos onde vai dar, certo? É o controlo dos meios de comunicação”, disse Letterman durante uma aparição na quinta-feira num festival em Nova Iorque, acrescentando que ninguém deveria ser demitido só porque não “bajula” um “Presidente autoritário”.
Trump aplaude, Obama critica
Donald Trump voltou a comemorar, na noite desta quinta-feira, a suspensão do programa de Jimmy Kimmel e disse que as emissoras deveriam perder as suas licenças devido à cobertura negativa do Governo, colocando mais lenha na fogueira que é, neste momento, o debate sobre a liberdade de expressão.
“Jimmy Kimmel foi despedido porque tinha audiências péssimas, mais do que qualquer outra coisa, e disse uma coisa horrível sobre um grande cavalheiro conhecido como Charlie Kirk”, disse Trump durante uma conferência de imprensa com o primeiro-ministro do Reino Unido, Keir Starmer.
O anúncio da suspensão de Kimmel surgiu poucas horas depois de o presidente da Comissão Federal de Comunicações (FCC), Brendan Carr, nomeado por Donald Trump e um dos autores do Projecto 2025, ter sinalizado que o órgão regulador ia agir contra o programa televisivo, acusando Kimmel de “uma das mais doentias condutas possíveis”. Em causa está um excerto do monólogo de abertura do episódio desta segunda-feira do Jimmy Kimmel Live!, no qual o humorista associou o presumível autor do assassinato de Charlie Kirk ao próprio movimento MAGA.
Várias figuras do partido republicano argumentam que a decisão de suspender Kimmel faz parte do combate ao “discurso de ódio”, que pode transformar-se em violência, e acusam alguns críticos de Kirk de tentarem justificar o seu assassinato.
Juntando-se ao coro de centenas de democratas que disseram que Trump estava a organizar um ataque aos direitos de liberdade de expressão garantidos pela Primeira Emenda da Constituição dos EUA, Barack Obama pediu às empresas de media que não capitulassem face à coerção do Governo.
“Depois de anos a reclamar da cultura do cancelamento, o actual Governo levou tudo isto a um novo e perigoso nível ao ameaçar rotineiramente empresas de media com acções regulatórias a menos que amordacem ou demitam jornalistas e comentadores de que não gostam”, disse o ex-Presidente num comunicado nesta quinta-feira.