Num discurso que evitou cuidadosamente qualquer menção à geopolítica, a breve referência do rei Carlos III à Ucrânia na noite de quarta-feira — por mais pequena que fosse — destacou-se.
“Em duas guerras mundiais, lutámos juntos para derrotar as forças da tirania”, disse Carlos ao presidente Donald Trump num banquete de Estado sob os tetos abobadados do St. George’s Hall do Castelo de Windsor. “Hoje, com a tirania a ameaçar novamente a Europa, nós e os nossos aliados estamos juntos no apoio à Ucrânia, para deter a agressão e garantir a paz.”
Foi uma lembrança notável, embora gentil, ao seu convidado de que a participação americana no esforço ocidental para deter a guerra da Rússia continua a ser um imperativo necessário e urgente, mesmo que Trump pareça hesitar em aplicar novas sanções a Moscovo e pareça, mais uma vez, irritado com o líder da Ucrânia por não aceitar um acordo.
No meio da pompa e circunstância da visita de Estado desta semana, a questão da Ucrânia destaca-se como uma área que irá testar a capacidade do lendário poder suave da Grã-Bretanha para convencer Trump a aumentar a pressão sobre o presidente russo Vladimir Putin.
A esperança entre alguns funcionários europeus é que talvez a ofensiva de charme possa incutir em Trump uma nova apreciação pela longa história do papel dos EUA na segurança europeia e uma nova perspetiva sobre os apelos dos seus homólogos para novas ações contra a Rússia.
Alguns desses funcionários tentaram interpretar o vestido Carolina Herrera em tons de girassol usado pela primeira-dama Melania Trump no banquete de quarta-feira — que, quando combinado com o conjunto azul royal da rainha Camilla, fazia lembrar a bandeira ucraniana — como um apoio explícito ao país.
É quase certo que o tema surgirá quando Trump se reunir esta quinta-feira com o primeiro-ministro Keir Starmer, que tentou, até agora sem sucesso, persuadir Trump a adotar uma postura mais dura em relação a Moscovo.
Em Chequers, a casa de campo do primeiro-ministro em Buckinghamshire, os dois homens verão itens do arquivo de Winston Churchill, outra lembrança do papel que os Estados Unidos desempenharam na Europa durante a guerra.
No entanto, não está claro se a mensagem será compreendida. Trump não fez qualquer menção ao conflito em curso durante o seu brinde na quarta-feira à noite. E se ele discutiu o assunto com o rei durante o jantar, provavelmente nunca se saberá, a menos que Trump revele os detalhes.
A menção de Carlos à guerra não foi por acaso. As suas observações terão sido escritas com a contribuição do governo britânico. E o rei — que, segundo fontes, está a par das negociações de cessar-fogo — já demonstrou anteriormente a sua disposição em abraçar a causa ucraniana, incluindo em março, quando recebeu o presidente Volodymyr Zelensky em Sandringham, a sua residência privada, três dias após a explosiva discussão do líder ucraniano com Trump no Salão Oval.
Ao partir para o Reino Unido na terça-feira, Trump voltou a mostrar frustração com Zelensky, que, segundo ele, era um impedimento para se chegar a um acordo que pusesse fim à guerra.
“Ele vai ter que se mexer e chegar a um acordo. Ele vai ter que chegar a um acordo. Zelensky vai ter que chegar a um acordo”, afirmou Trump ao deixar a Casa Branca.
O presidente tem lutado para negociar o fim do conflito na Ucrânia, e uma série de cimeiras de alto nível no mês passado — com Putin no Alasca e com Zelensky e uma série de líderes europeus na Casa Branca — pareceu pouco contribuir para o avanço das negociações.
A Rússia manteve as suas exigências maximalistas para pôr fim à guerra, incluindo a tomada de toda a região de Donbas e a insistência de que a Ucrânia nunca adira à NATO. Mais recentemente, os seus drones sobrevoaram o espaço aéreo da Polónia — membro da NATO —, uma escalada do conflito que provocou indignação e promessas das nações europeias (mas não dos Estados Unidos) de reforçar a sua presença militar na região.
Ainda assim, Trump afirmou na terça-feira que é Zelensky quem deve concordar com um acordo para pôr fim à guerra. E foram as nações europeias — e não os Estados Unidos — que, segundo ele, devem intensificar os seus esforços para pressionar Putin.
“A Europa tem de parar de comprar petróleo à Rússia. Está bem? Eles falam, mas têm de parar de comprar petróleo à Rússia”, acrescentou Trump, renovando o seu apelo a mais esforços europeus para pôr fim à guerra.
Embora Trump tenha aplicado uma nova tarifa à Índia pelas suas compras de petróleo russo, os EUA não tomaram medidas contra o outro grande comprador — a China, com quem Trump está a tentar negociar um acordo comercial.
Trump falou na terça-feira com o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, e deve falar na sexta-feira com o líder da China, Xi Jinping. Não ficou claro o quanto ele pretendia abordar a guerra na Ucrânia com qualquer um dos dois.
Entretanto, os líderes europeus têm tido dificuldades em responder às exigências de Trump. Parecia pouco provável que concordassem com novas tarifas sobre a China ou a Índia, importantes parceiros comerciais. Os responsáveis europeus afirmaram que não pretendem utilizar as tarifas como tática de pressão, tal como Trump as utiliza.
E embora as nações europeias tenham tentado acelerar os esforços para acabar com as importações de petróleo e gás natural russos, alguns países – incluindo a Hungria, liderada pelo principal aliado de Trump, Viktor Orban – continuam a depender desses produtos.
Os funcionários europeus estão pouco otimistas quanto à possibilidade de Trump aprovar novas medidas, e muitos acreditam que as exigências que começou a apresentar no início deste mês são apenas mais uma tentativa de adiar novas ações.