Antes da pandemia da Covid-19 em 2020, especialistas em saúde pública costumavam dizer que as vacinas eram vítimas do próprio sucesso. As pessoas simplesmente haviam esquecido como a poliomielite e o sarampo podiam devastar a vida cotidiana dos americanos. Se essas doenças voltassem a se espalhar, diziam os especialistas, os pais ficariam assustados e mudariam de atitude.

Neste ano, essa previsão se mostrou errada. Poucas opiniões mudaram, mesmo após o maior surto de sarampo nos Estados Unidos desde 2000 ter se espalhado por comunidades não vacinadas, infectando centenas de pessoas e matando duas meninas no Texas, nos Estados Unidos.

O Texas não foi um epicentro aleatório para esse tipo de surto. A proporção de crianças do jardim de infância que receberam a vacina contra o sarampo caiu no estado para 93,2% no ano letivo de 2024-2025, em comparação com 96,9% em 2019, ficando abaixo do limite de 95% necessário para garantir imunidade coletiva.

Com leis de vacinação infantil mais flexíveis, a parcela de crianças sem todas as imunizações recomendadas quase dobrou nos últimos cinco anos. Cerca de 25 mil crianças do jardim de infância ——mais do que em qualquer outro estado— não haviam recebido pelo menos uma dose da vacina contra o sarampo no início de 2025, quando o vírus começou a se espalhar.

Em entrevistas com pais de várias regiões do Texas contrários à vacinação, praticamente todos se mostraram firmes em suas opiniões. Para eles, a oposição às vacinas é frequentemente uma prioridade, com algumas famílias até se mudando para o estado por causa de suas políticas mais brandas.

“Minhas mais profundas condolências, mas não vou parar de dirigir só porque acontecem acidentes”, diz Cee Rose del Castillo, que mora na região de Dallas-Fort Worth. Seus três filhos mais novos não receberam nenhuma vacina. “Não vou me deixar levar pelo pânico em relação ao sarampo.”

Cuide-se

Em entrevistas, pais disseram que chegaram a essas convicções por meio de podcasts, vídeos e artigos na internet, materiais que, segundo especialistas, espalham desinformação sobre a segurança das vacinas. Alguns já eram contrários antes de terem filhos, outros depois. Mas quase todos afirmaram que a pandemia da Covid-19 reforçou suas visões.

Para muitas famílias, a postura antivacina faz parte da vida religiosa. Mas talvez nada seja mais validante do que uma mudança na política governamental. Robert F. Kennedy Jr. agora lidera o Departamento de Saúde e Serviços Humanos, de onde semeia ainda mais desconfiança em relação às vacinas.

O Partido Republicano do Texas também abraçou de bom grado esses pais e correu para flexibilizar regras, incluindo a proibição de exigência da vacina contra a Covid-19 em locais de trabalho e a proposta de banir todas as vacinas de mRNA.

Neste mês, a Flórida anunciou que se tornaria o primeiro estado a acabar com todas as exigências de vacinação, inclusive a lista de imunizações infantis obrigatórias há décadas em todo o país.

Qualquer campanha de saúde pública para incentivar a vacinação agora enfrenta não apenas o desafio de combater a avalanche de desinformação, mas também, segundo especialistas, o problema ainda mais difícil de frear um movimento com força política.

“Antes, éramos poucos”, diz Adan Renteria, 54, morador do oeste do Texas, onde ocorreu o surto de sarampo. “Agora, muito mais gente está disposta a admitir que não apoia vacinas. Mais pessoas estão se juntando.”

Encontrando seu grupo

Abdiel Ruiz, 47, que vive perto de Odessa, sempre teve cautela em relação às vacinas, uma visão que, segundo ele, não foi influenciada pela política. Mas passou a acreditar fervorosamente que elas explicam por que seu filho, hoje com oito anos, recebeu diagnóstico de autismo. Embora especialistas médicos afirmem que não há vínculo comprovado entre vacinas e autismo, Ruiz é assombrado pela decisão de ter vacinado seu filho.

“Meu filho não está doente; meu filho está machucado”, diz Ruiz.

Muitos pais chegam ao ceticismo em relação às vacinas como Ruiz, desesperadamente em busca de respostas, querendo que seus filhos fiquem bem.

Esses céticos já existiam em igual número em ambos os espectros políticos, impulsionados em parte por um artigo científico desacreditado de 1998 que associava a vacina contra o sarampo ao autismo.

Mas depois de 2015, o movimento antivacina nos Estados Unidos ganhou uma conotação política, quando um surto de sarampo se espalhou pela Califórnia, chamando a atenção para a queda alarmante nas taxas de vacinação em redutos liberais como Santa Monica e Marin County.

O surto levou a Califórnia a aprovar, naquele ano, uma lei que proibia pais de recusarem vacinas por crenças pessoais ou religiosas. Apenas uma condição médica poderia isentar a criança das doses.

Para alguns, a vacinação passou a parecer um assunto político, e não algo monitorado por um departamento neutro de saúde pública, afirma David Jones, professor da City University of New York que estuda a politização das vacinas.

Em 2024, uma clara divisão partidária havia surgido: 63% dos democratas acreditavam que as vacinas eram extremamente importantes, em comparação com 26% dos republicanos, segundo o instituto Gallup.

Especialistas dizem estar preocupados de que as taxas de imunização para doenças infantis outrora comuns, que vêm caindo desde a pandemia, só piorem agora que Kennedy defende pontos de vista semelhantes.

Médicos têm a responsabilidade ética de encorajar pacientes a aceitar a imunização quando isso pode ser feito com segurança, de acordo com o código de ética da Associação Médica Americana. Outras organizações médicas, como a Academia Americana de Pediatria, também apoiam o uso oportuno de todas as vacinas.

Mas essas diretrizes podem ser abafadas pela desinformação que circula nos celulares e computadores das pessoas, sem falar na crescente politização em torno das vacinas.

Este artigo foi originalmente publicado no The New York Times.