Desta vez, a história de pescador foi longe demais. Entre causos e proezas do fundo do mar, nem sempre dá para levar tudo a sério. Mas desta vez, deu, e de um jeito que a ciência precisou explicar. A pesquisadora venezuelana Marioxis Macías-Cuyare, doutoranda em Oceanografia Biológica pela Universidade do Rio Grande (FURG) e especialista em raias, ainda se impressiona ao falar sobre o tubarão alaranjado encontrado na Costa Rica e divulgado em um estudo na revista Springer Nature, em agosto de 2025.

— É até assustador o animal ainda estar vivo. Por conta da cor e do tamanho, seria de se esperar que ele já estivesse morto, por ser uma presa fácil — afirmou.

Em condições normais, os tubarões-lixa apresentam coloração marrom clara a escura, que garante camuflagem natural nos recifes e fundos rochosos. Uma pigmentação tão chamativa como a do exemplar alaranjado dificulta a sobrevivência, tornando-o mais visível para predadores e presas. O fato de ter atingido a idade adulta sem aparentes prejuízos surpreendeu os pesquisadores.

A coloração do tubarão- lixa varia do marrom amarelado ao marrom acinzentado, e pode apresentar manchas escuras na superfície dorsal — Foto: Reprodução A coloração do tubarão- lixa varia do marrom amarelado ao marrom acinzentado, e pode apresentar manchas escuras na superfície dorsal — Foto: Reprodução

O tubarão foi encontrado em agosto de 2024, quando pescadores do grupo Parismina Domus Dei, na Costa Rica, publicaram fotos de um exemplar com cerca de dois metros, vivo e adulto, perguntando se alguém já tinha visto algo assim. A postagem viralizou, mas a confirmação científica só veio com o estudo publicado em 2025, em colaboração de Marioxis Macías-Cuyare, Gilberto Rafael Borges Guzmán, da Universidade Nacional Experimental Rómulo Gallego, na Venezuela, e Daniel Arauz-Naranjo, veterinário do Centro de Resgate de Espécies Marinhas Ameaçadas de Extinção, na Costa Rica.

Captura de tela da publicação no FaceBook — Foto: Reprodução/Redes sociais Captura de tela da publicação no FaceBook — Foto: Reprodução/Redes sociais

O que mais chamou atenção de Marioxis foi a combinação rara de xantismo – condição genética rara que afeta a produção de melanina na pele, resultando em uma coloração amarelada ou alaranjada – e albinismo.

— O xantismo já me espantaria sozinho, mas ele ainda tem a íris completamente branca, algo extremamente raro. Não podemos afirmar que seja cego, mas é uma característica que precisa ser estudada a fundo — disse a bióloga.

Olhos brancos do tubarão — Foto: Reprodução Olhos brancos do tubarão — Foto: Reprodução

Animais albinos normalmente apresentam a íris rosada ou vermelha, devido aos vasos sanguíneos visíveis na retina. Uma íris branca indica uma condição ainda mais rara, possivelmente catarata, de acordo com outros especialistas, como os do Serviço da Parque Nacionais dos Estados Unidos (NPS). Além disso, a ausência de melanina aumenta a sensibilidade à luz solar e torna o animal mais vulnerável, enquanto o xantismo não oferece vantagens adaptativas, explicando por que observar indivíduos adultos com essas características é tão incomum.

Olhos em animais albinos — Foto: Reprodução Olhos em animais albinos — Foto: Reprodução

Não é história de pescador!

“A descoberta de um tubarão-lixa laranja levanta questões importantes sobre genética e adaptabilidade. Seria um caso isolado ou um indicativo de uma nova tendência na população local?”, questiona o estudo. Até hoje, registros de xantismo eram extremamente limitados, e agora, com esse achado, a comunidade científica tem a oportunidade de compreender melhor a diversidade genética das populações marinhas.

Gilberto Guzmán contou que foi procurado pelos pescadores assim que o tubarão foi encontrado:

— Existe muito estigma em torno dos pescadores, mas os profissionais da Parismina são extremamente responsáveis e comprometidos com o meio ambiente. Eles se preocupam com o bem-estar dos animais e fazem questão de devolvê-los à natureza — afirmou.

Imagens do tubarão alaranjado visto na Costa Rica

Registros do animal foram publicadas no Facebook por pescadores em agosto de 2024

Graças aos equipamentos adequados, os pescadores registraram dados essenciais, como data, horário, temperatura da água e profundidade, que permitiram entender melhor as condições em que o tubarão foi avistado. O exemplar foi capturado durante uma pescaria esportiva próxima ao Parque Nacional Tortuguero, a 37 metros de profundidade, em águas de 31,2 °C, antes de ser devolvido ao mar.

Marioxis ressaltou que, devido à raridade do achado, a pesquisa precisou ser concluída rapidamente. Ainda assim, muitas perguntas permanecem: trata-se de um caso isolado ou de uma característica emergente na população de tubarões-lixa da região?

— A repercussão abriu portas para novos projetos. Queremos rastrear o tubarão e continuar nossa pesquisa. A ciência é necessária, e estamos fazendo a coisa certa — afirmou a bióloga, deixando claro que a história de pescador desta vez ultrapassou a imaginação e se tornou um marco científico.