“Já foi vista como um ativo tóxico mas, felizmente, hoje não tem nada de tóxico. É, pelo contrário, um ativo apetecido e com projetos para o futuro”. É a descrição da Lisnave feita pelo seu administrador-delegado, Nuno Santos, durante a apresentação da biografia de José Sardinha, engenheiro histórico na vida dos estaleiros navais, que foi um dos arquitetos da Margueira, em Almada, e da Mitrena, em Setúbal, e desde o final do século passado a casa da Lisnave.
A 11 de setembro, a Lisnave celebrou 64 anos de vida e passaram cerca de 25 desde que mudou de mãos. A empresa dos históricos estaleiros do grupo José de Mello resistiu às nacionalizações, mas foi abalada pela crise europeia da indústria naval e por uma constante tensão laboral. Em 1993, o grupo Mello fez um acordo para a reestruturação da empresa com o segundo Governo de Cavaco Silva. O Estado assumia uma fatura elevada para salvar a empresa e os mais de 5.000 postos de trabalho diretos, para além de muitos outros indiretos. Mas a instabilidade laboral e a enorme pressão política à esquerda sacudiam a Lisnave e o acionista histórico saiu de cena.
A Lisnave foi vendida a um preço simbólico na viragem do milénio. A venda foi feita por um dólar (em julho de 2000 ainda não estava a circular o euro) a dois quadros da empresa. Na verdade, José Rodrigues e Nélson Rodrigues, que não são familiares apesar do mesmo apelido, pagaram cada um dólar: no total de 2 dólares. Ainda controlam a Lisnave através da Navivessel.
Em julho de 2000, José Manuel de Mello, explicou assim porque vendia: “Enquanto o meu nome estiver associado à Lisnave, nem o poder político nem poder sindical seriam capazes de estabelecer as condições necessárias à sua viabilidade continuada”. Há quem pense que não bastava sair o grupo Mello, também o Estado tinha de se desligar da empresa que à data era politicamente tão tóxica como a TAP foi em tempos mais recentes.
Como ex-comunista Pina Moura defendeu o acordo com os Mello ao PCP
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O ministro da Economia de António Guterres foi fundamental para desatar o nó da Lisnave. A 30 de abril de 1998, Pina Moura, ele próprio um ex-dirigente do PCP, respondia no Parlamento ao partido.
“Já agora, Sr. Deputado Lino de Carvalho, quero dizer-lhe que se tivéssemos deixado ir a Lisnave para a falência, o Estado teria, em subsídios de desemprego, de disponibilizar imediatamente uma verba superior a 40 milhões de contos (200 milhões de euros). Ora, creio que o Sr. Deputado Lino de Carvalho não defenderia que deixássemos os trabalhadores da Lisnave abandonados à sua sorte. Teria o país perdido uma indústria de reparação naval que é responsável por uma faturação anual superior a 30 milhões de contos”.
Segundo Pina Moura, o Governo “obrigou o Grupo José de Mello a comparticipar em termos financeiros, e fortemente, no plano de reestruturação” assinado.
“Portanto, Srs. Deputados Lino de Carvalho e Octávio Teixeira, não apresentem o plano de reestruturação da Lisnave como um favor, um frete, do Governo aos grupos económicos. O Governo cumpriu, na reestruturação da Lisnave, um aspecto essencial da sua política industrial, o de salvaguardar, modernizar e tornar mais competitiva a indústria de reparação naval, que é, aliás, uma indústria com tradição e futuro em Portugal.”
O tempo veio a dar razão a José de Mello. A Lisnave saiu das primeiras páginas dos jornais e depois de um renascimento tremido tornou-se numa empresa lucrativa. Muito mais pequena, mas apetecida. Os atuais acionistas fizeram uma proposta para estender a atual concessão por mais 30 anos para amortizar investimentos em novas áreas viradas para a eólica offshore e para a reciclagem de navios, mas a proposta foi recusada num parecer emitido pela Procuradoria Geral da República.
Ainda assim, a Lisnve não desistiu e fez uma proposta formal de prorrogação por mais 15 anos em julho do ano passado. O Governo formalmente ainda não de uma resposta, mas publicamente já anunciou a intenção de lançar um concurso.
“O atual contrato de concessão tem uma cláusula de prorrogação, pelo que a Lisnave não pode afastar essa expectativa”, afirma fonte oficial da Lisnave ao Observador. O “parecer da PGR foi feito sobre um memorando de intenções da Lisnave, que tinha por objetivo apenas iniciar as conversas sobre a concessão, não era um pedido formal de prorrogação. Tal pedido só foi feito posteriormente, nos termos contratuais”, acrescenta.