Steve Jobs ou Giorgio Armani nunca disseram que queriam ter marcas de luxo. “Quem criou marcas de luxo nunca disse que queria uma marca de luxo. Disse apenas: vou criar algo de muita qualidade, não vou comprometer a excelência”, diz António Paraíso, professor da Porto Business School, mentor do programa Leading the Luxury Business, na apresentação do estudo EY Luxury Client Index 2025, o primeiro da consultora para esta área, num momento em que o sector enfrenta perdas. “Esqueçam que querem ter uma marca de luxo”.

É a resposta do consultor na área do luxo aos muitos que, “todas as semanas”, lhe fazem a pergunta do milhão de euros: como ter uma marca de elevado reconhecimento e valor. “Com o tempo, talvez se torne luxo, mas não são vocês que ditam isso”.

O conselho, repetido esta quinta-feira, durante a apresentação do primeiro EY Luxury Client Index, na Porto Business School, surge no momento em que o setor se vê numa “encruzilhada”, distante do crescimento de dois dígitos pré-pandemia covid-19, como explica Sérgio Ferreira, partner da consultora, diante dos resultados. “Foram 240 milhões de dólares que desapareceram da valorização bolsista das grandes maisons”. Sérgio Ferreira salientou que os clientes mais ricos não alteraram hábitos de compra, mas “os aspiracionais — como todos nós, como eu próprio, que também gostamos de ter estas peças — estão a desaparecer”.

O preço subiu, mas a qualidade não acompanhou. O cliente deixou de aceitar”, resume Sérgio Ferreira sobre as conclusões do estudo, realizado entre 1600 clientes do setor, a partir de França e Itália e com a participação de 10 outros países, centrado na reação dos consumidores aos personal luxury goods — moda, marroquinaria, joalharia, relojoaria, perfumaria e cosmética — que são a porta de entrada para o mercado e permitem extrapolações para áreas como carros, hospitality, vinhos e bebidas espirituosas, fine dining, decoração, arte, aviação e barcos, cruzeiros.

Qualidade é mais importante do que nunca

O estudo confirma a viragem: 71% dos consumidores dizem comprar pela qualidade, enquanto apenas 32% ainda o fazem por status. Também mostra que o chamado “luxo discreto” é um mito. “26% só compram com logótipo visível, o dobro dos que dispensam o logo”, explicou o responsável.

Outra tendência em destaque é a valorização da experiência. De acordo com o estudo, 70% dos clientes estão dispostos a pagar por experiências, mesmo os que gastam menos de cinco mil euros por ano. Para Hermano Rodrigues, diretor da EY-Parthenon, a explicação está na vivência diferenciada. “O canal físico continua a ser o preferido dos consumidores. A satisfação é muito mais alta em lojas de marca, pela personalização e contacto humano”. Mas o digital está a crescer pela conveniência, pela variedade e pelo acesso a coleções exclusivas. “O futuro será omnicanal.”

Hoje, não é só ter. É também o que experienciamos. E isso precisa de ser melhor comunicado pelas marcas”, reforça António Paraíso, notando que é que o já fazem várias marcas quando abrem hotéis (Armani) ou cafés (Bulgari, Tiffany) ou restaurantes (Gucci). “Numa entrevista, o anterior CEO da Gucci disse a Gucci está no negócio da moda e continuará. Os restaurantes são ferramentas de marketing. O nosso objetivo não é ganhar dinheiro com eles, é o breakeven. O objetivo é comunicar o estilo de vida da marca e que as pessoas no dia seguinte vão comprar à loja”.

António Paraíso nota, porém, que as experiências podem ir além disso – “O Four Seasons tem barco e avião privados, oferece um serviço de hotelaria no oceano e a 10 mil metros, há marcas a alugar villas privadas para clientes que compram o suficiente para isso” – mas o serviço tem de acompanhar. “Uma americana que desenha experiências para milionários norte-americanos diz que não encontra hotéis com serviço de mordomo em Portugal e que isso é um problema”.

Financiamento: a solução polémica

O estudo refere ainda a possibilidade de financiamento como modelo de negócio a considerar, António Paraíso discorda. “A flexibilidade de pagamento num sector de nicho como este pode atrair a classe média que quer mas não pode e afastamos quem pode”, diz.

“Será lenda urbana, mas conta-se que a Jaguar quando comprou a Rover e começou a fazer carros para classe média mais acessíveis, um conjunto de lordes combinaram vestir-se de fraque e cartola entregarem as chaves das suas limousines para dizer ‘não queremos mais ter jaguares’”, conta, e frisa: “As marcas têm de saber se querem ter classe média ou ricos educados. Não concordo em mostrar flexibilidade, o único que permite isso é o Brasil, onde até quem pode não tem pejo em comprar parcelado. Aconselharia a que não se fizesse”.

Novos modelos de negócio

O estudo aponta novas avenidas de negócio: artigos de segunda mão, aluguer e subscrições. “Durante anos as marcas tiveram medo de destruir valor, mas os clientes querem que sejam as próprias maisons a certificar. Mais de metade dos inquiridos compraria artigos de segunda mão se fossem certificados pelas marcas”, diz Sérgio Ferreira.

Também a sustentabilidade surge como imperativo. “Hoje é tão importante como o preço”, sublinhou. Paraíso acrescenta: “O cliente de luxo valoriza qualidade, e esta está ligada à longevidade. É uma oportunidade para comunicação e diferenciação”.