O projeto de criação de uma força militar conjunta árabe (ou até mesmo islâmica) semelhante à NATO não é novo. Mas o ataque israelita de há duas semanas ao Qatar pode fazer o projeto avançar.
Segundo avançam algumas fontes citadas por vários órgãos de comunicação, o Egipto está a pressionar os países árabes para a criação de uma força militar conjunta que, numa ‘cópia’ da NATO, possa ser usada em situações de necessidade de defesa rápida. A proposta está, segundo as mesmas forças, a ganhar força no contexto do recente ataque de Israel a pretensas forças do Hamas instaladas em Doha, no Qatar.
Depois desse ataque, os países árabes e, mais genericamente, o mundo islâmico, organizou uma cimeira para reagir ao ataque israelita. No documento final de síntese, aqueles países afirmavam a necessidade de encontrarem uma forma de se defenderem daquilo que caraterizaram como iniciativas militares unilaterais de Israel, que vêm deixando todo o Médio Oriente em crescente tensão. Mas não indicavam que tivesse sido concluída qualquer intenção concreta de avançarem para essa solução.
O jornal libanês pró-Hezbollah ‘Al-Akhbar’, que cita uma fonte do governo no Cairo, refere que o governo daquele país está a pressionar os Estados árabes para que sejam rapidamente tomadas decisões sobre a matéria. Também o ‘Al-Quds Al-Arabi’, sediada em Londres, informou que o presidente egípcio, Abdel Fattah al-Sisi, está a trabalhar para agregar o apoio árabe a uma força de reação rápida que pudesse ser mobilizada para defender qualquer Estado árabe sob ataque. O jornal palestiniano ‘Ma’na’ publicou detalhes semelhantes e disse mesmo que o Cairo está a discutir a criação de um corpo militar de cerca de 20 mil soldados egípcios para o efeito.
A ideia da criação de uma organização militar comum semelhante à NATO – e ao entretanto desaparecido Pacto de Varsóvia para os regimes comunistas – tem quase uma década.
Vale a pena recordar que as relações entre o Egipto e Israel são historicamente tensas desde 1948, o ano da criação do Estado hebraico. Em 1948, o exército egípcio participou da primeira guerra árabe-israelita, que teve início no primeiro dia de existência do Estado de Israel.
Em 1956, os dois países voltaram à guerra, quando forças israelitas ocuparam a península do Sinai e a Faixa de Gaza em quatro dias; Israel foi forçado a retirar as suas tropas sob pressão internacional. A chamada Guerra de Suez (ou do Sinai), teve início em finais de outubro desse ano, quando Israel, com o apoio da França e do Reino Unido, declarou guerra ao Egipto. Israel utilizou o facto de o ocidente ter mostrado grande preocupação quando, meses antes, em julho, o então presidente egípcio Gamal Abdel Nasser nacionalizou o canal de Suez, cujo controlo ainda pertencia à Inglaterra. Em consequência, o porto israelita de Eilat ficaria bloqueado, assim como o acesso de Israel ao mar Vermelho, através do estreito de Tiran, no golfo de Acaba.
Mas as relações entre os Estados Unidos e a União Soviética não contemplavam o apoio a qualquer iniciativa militar que pudesse romper o instável equilíbrio da Guerra Fria – e ambas as potências mostraram que não tolerariam qualquer ‘aventura’ na região. França e Reino Unido acabaram por aceitar a imposição do cessar-fogo por parte dos Estados Unidos – o que foi essencial para, três anos depois, o presidente francês, Charles de Gaulle, ter decidido retirar a França da NATO. O Egipto, que por essa altura ‘navegava’ para a proximidade estratégica de Moscovo, também aceitou não levar por diante qualquer ‘vingança’.
Mas, em 1967, a Guerra dos Seis Dias terminou com a ocupação israelita de parte do Sinai e da Faixa de Gaza. Em junho, Israel lançou uma série de ataques aéreos contra bases egípcias, destruindo a quase totalidade da aviação de guerra do país; ao mesmo tempo, o exército israelita lançava uma ofensiva terrestre na Península do Sinai e na Faixa de Gaza, então ocupada pelo Egipto. Abdel Nasser acabou mesmo por ter de assinar um cessar-fogo – com Israel a ‘ganhar’ as Colinas de Golã (Síria), a Cisjordânia e Jerusalém Oriental (Jordânia), e a Península do Sinai e a Faixa de Gaza (Egipto).
A paz estável foi finalmente alcançada em 1979, um ano após os Acordos de Camp David, mediados pelo então presidente dos Estados Unidos, Jimmy Carter. As relações diplomáticas foram estabelecidas em janeiro de 1980 e a troca formal de embaixadores ocorreu um mês depois. Mas é voz corrente que os egípcios nunca mostraram grande adesão à decisão. Além disso, vários países muçulmanos – além de várias organizações islâmicas egípcias mais radicais – consideraram sempre a paz assinada com Israel como uma traição ao Islão. E mais particularmente uma traição aos palestinianos – num contexto em que Israel continuou a nada fazer, antes pelo contrário, para a criação do Estado da Palestina.