A Embaixada de Portugal em Islamabad tem recusado a emissão de vistos de reagrupamento familiar, mesmo em processos já aprovados pela Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA). O jornal Expresso teve acesso a vários casos em que a missão diplomática travou pedidos, reavaliando critérios já validados por aquela agência, como habitação ou meios de subsistência, e recusando vistos a familiares de imigrantes com autorização de residência em Portugal.
Um dos casos é o de Hammed, cidadão paquistanês de 38 anos, residente na Covilhã, onde trabalha como operador numa empresa de lanifícios. Em 2023, deixou no Paquistão a mulher e duas filhas pequenas, de 2 e 4 anos, com quem esperava reunir-se após obter autorização de residência em Portugal e ver aprovado, em junho deste ano, o pedido de reagrupamento familiar. Apesar da decisão favorável da AIMA, a embaixada recusou a emissão do visto, mesmo após recurso, inviabilizando a viagem da família. “Existe um pedido de reagrupamento autorizado, mas que não pode ser efetivado porque o consulado não autoriza os vistos, numa ação de anulação da própria AIMA”, critica a advogada Érica Acosta, que acompanha o caso.
Segundo a mesma jurista, especialista em Direitos Humanos e migrações, este é o segundo processo indeferido em Islamabad só neste mês. “O papel da embaixada deve ser puramente executório da decisão da AIMA, e de emissão do visto, não de órgão de reapreciação do mérito já decidido”, defende, sublinhando que a recusa impede a reunião das famílias e deixa os requerentes “desesperados” e “desamparados”.
O Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) confirma a existência de casos semelhantes. Fonte oficial explica que as recusas visam “acautelar eventuais dúvidas sobre a idoneidade dos requerentes”, acrescentando que Islamabad é uma jurisdição com “elevado risco migratório, fraude documental e usurpação de identidade”. Contudo, nos processos consultados pelo Expresso, os requerentes nunca foram informados de suspeitas quanto à sua identidade ou à veracidade da documentação apresentada, parâmetros também verificados pela AIMA antes da aprovação. “Recusar o que a AIMA validou é acreditar que a AIMA falhou no seu trabalho”, contrapõe Érica Acosta.
O Ministério da Presidência, por seu lado, clarifica que a AIMA “não concede vistos”, apenas avalia requisitos para o reagrupamento familiar, cabendo aos consulados a decisão final. Mas as recusas levantam dúvidas sobre uma eventual sobreposição de competências. Num dos processos analisados, o de Saddique, residente no Entroncamento, o pedido para a vinda da mulher foi indeferido apesar de os extratos bancários mostrarem rendimentos superiores a 2 mil euros mensais, acima do valor exigido pela lei (1305 euros para o casal). Ainda assim, a embaixada considerou insuficientes os meios de subsistência e recusou o visto.
Além das recusas, a cobrança de uma taxa de 75 euros em recurso tem gerado contestação. Os requerentes são instruídos a apresentar o pedido num centro externo ao consulado, o Gerry’s Visa Center, pagando o valor no ato. “É um pagamento ilícito, é enriquecimento indevido do Estado. Os recursos contra pedidos de vistos pagam taxa, exceto os de reagrupamento familiar. É o que diz a lei e mesmo assim está a ser exigido pela embaixada”, denuncia a advogada. Questionado sobre esta prática, o MNE não respondeu.