A jogar pelo Beijing Guoan na China há pouco mais de um ano meio, Guga Rodrigues recordou os anos passados no Benfica, Famalicão e Rio Ave, os seus antigos clubes em Portugal, perspetivando este início de temporada, e enalteceu a importância de ter sido formado nas águias para chegar onde chegou na sua carreira profissional.

Além disso tentou eleger o melhor jogador com quem jogou, o melhor colega de equipa no balneário – sem surpresas um deles foi Ukra e partilhou mais algumas histórias -, falando também do seu antigo treinador nos vilacondenses, Luís Freire, novo selecionador sub-21, e de Hugo Oliveira, ex-treinador de guarda-redes no Benfica e atualmente o líder do seu ex-Famalicão.

Destino Aventura é a rubrica em que A BOLA dá a conhecer os jogadores espalhados pelos cantos mais remotos do mundo. Gonçalo Rosa Gonçalves Pereira Rodrigues, Guga no futebol, fala-nos desde a China, onde encontrou uma realidade que o surpreendeu.

– A diferença horária é um problema, mas continuas a acompanhar o futebol português, o Rio Ave também?

– Sim, eu por acaso até consegui acompanhar o primeiro jogo do Rio Ave em casa contra o Nacional (1-1), se não me engano, porque foi às 22h30 de cá, 15h30 de Portugal, e esses jogos eu ainda consigo acompanhar. Tudo o que é jogos de madrugada já fica complicado [risos].

– E como é que vês o Rio Ave esta temporada? Achas que consegue mais do que a manutenção?

– Não consigo estabelecer objetivos, porque a verdade é que há muitos jovens. Acaba por não haver assim muitas nacionalidades, mas são jogadores especialmente que vieram do estrangeiro, que não conhecem tão bem a nossa liga. O próprio treinador [Sotiris Silaidopoulos] também é a sua primeira passagem em Portugal e fora da Grécia, pelo que eu li. Pelo que eu vi há qualidade, claro que a nossa liga portuguesa não exige só qualidade, exige outras coisas, e vou estar com atenção, porque acho que há potencial para fazer coisas boas, mas o importante é conseguirem ganhar jogos e infelizmente ainda não conseguiram ganhar, mas estou aqui e sou mais um de fora a apoiar, porque é um clube que me diz muito.

– Como viste a mudança de Luís Freire, teu antigo treinador, de um panorama de clubes nacionais para o cargo de selecionador sub-21?

– Eu vou ser sincero. Foi algo que me apanhou de surpresa, porque é um passo importante para o mister Luís Freire, que lhe vai dar muita visibilidade, mas ao mesmo tempo foi uma surpresa, porque, do que eu conheço dele, é um treinador que vive muito o dia-a-dia, o treino, o jogo. E nas seleções infelizmente não há assim muito tempo para trabalhar e para pôr as ideias que ele quer em prática. É tudo num espaço curto de tempo, mas acredito que é um treinador bom para trabalhar com os sub-21, porque, do que eu pude ter vivido com o mister Luís Freire, ele é muito bom a trabalhar com jovens jogadores e antevejo um futuro muito bom para a Seleção sub-21. E claro que isso lhe vai dar também outro tipo de visibilidade, porque é um treinador que tem todas as capacidades para alvejar passos maiores na sua carreira.

– Então também ficaste surpreendido com a saída dele do Vitória de Guimarães?

– Sim, fiquei, porque, apesar de não ter conseguido o objetivo maior que era o 5.º lugar, na minha opinião, fez uma época espetacular. Até fez mais pontos do que o anterior treinador que tinha sido o Rui Borges, que foi para o Sporting, e foi algo que me surpreendeu como é óbvio, porque o Vitória é um clube muito bom a nível nacional, mesmo a nível europeu, e que acho que merece alguma estabilidade e o mister Luís Freire era uma pessoa que podia dar essa estabilidade ao clube.

– Passando agora para outro dos teus antigos clubes, o Famalicão. Neste início de temporada admitiram que o objetivo passa por chegar, pela primeira vez, à Europa. Acreditas que é possível?

– Eu acredito que é possível o Famalicão sonhar e estabelecer esse objetivo, porque eu estive lá dentro no primeiro ano de primeira liga e é um clube que tem todas as condições para se manter como um 6.º, 5.º clube em Portugal. Porque tem todas as condições, tem profissionais de excelência, neste momento tem condições a nível de treino incríveis para o nível nacional. Tem um treinador [Hugo Oliveira] que eu conheço bem como pessoa, e é uma excelente pessoa, e pelo que estou a ver também está a fazer um excelente trabalho a nível de treinador principal, que eu só conhecia como treinador de guarda-redes [risos]. Mas espero que consiga o seu objetivo porque também é um clube que foi importante na minha carreira e ainda guardo amizades com pessoas que estão lá dentro.

– Olhando para trás, quão boa era aquela equipa do Famalicão de 2019/20? E porque é que o apuramento europeu não aconteceu?

– A verdade é que se falássemos no primeiro dia que começou a época que o Famalicão ia estar a lutar pela Europa, se calhar ninguém acreditava, porque eram jogadores que nunca tinham jogado juntos, alguns também com algumas nacionalidades diferentes. Jogadores que estavam se calhar com um ponto de interrogação na sua carreira e a verdade é que a maior parte se conseguiu valorizar individualmente e também conseguiu valorizar o nome do Famalicão. E a verdade é que foi uma época estável, mas depois na última jornada na Madeira, a segundos ou minutos do fim, acabámos por conceder o empate e o Rio Ave é que conseguiu ir à Liga Europa.

– Partilhaste o balneário com grandes nomes, qual foi o melhor jogador com quem jogaste? Pedro Gonçalves ou há algum nome no Benfica, como Rúben Dias, João Félix, Renato Sanches

– O melhor jogador é difícil, porque havia, e há, ainda estão a jogar, mas havia muita qualidade. Mas se calhar o que se via que estava se calhar mais pronto para o rendimento imediato numa primeira equipa, se calhar era, pelo nível físico, era o Renato Sanches. Depois a ascensão também do Rúben Dias não me causou surpresa, porque já se via uma liderança diferenciada de todos nós e isso depois ajudou claramente na equipa principal do Benfica, mesmo passado um ano ou dois entregaram-lhe a braçadeira. Mas acredito que também houve outros jogadores que tinham também a mesma qualidade ou parecida, mas que não tiveram se calhar continuidade ou oportunidade de poder mostrar essa mesma qualidade. Mas a verdade é que todos da minha geração acabaram por fazer uma, e estão a fazer uma carreira boa, internacional, e fico muito contente, porque nem todos conseguiram chegar à primeira equipa do Benfica, mas fico contente por terem e estão a conseguir fazer uma carreira internacional que isso é muito importante.

Pedro Gonçalves e Guga a defrontarem-se num Rio Ave-Sporting. Foto – ASF/Paulo Santos

– E o melhor colega de equipa? Ukra tem de estar no topo da lista, não?

– Ah, o Ukra está certamente no top-3. Eu até agora, numa entrevista que acabei para a liga, até acabei por confessar que, quando o Ukra me começou a falar para o final de carreira, eu dizia-lhe: ‘Pá, tu mesmo que não jogues, pede ao clube para ficares no balneário’, porque é incrível e superimportante ter alguém como ele numa equipa. Porque ele mesmo não jogando consegue criar uma felicidade à volta do balneário que é contagiante, e acho que isso é superimportante. E foi claramente uma das pessoas que eu mais gostei de trabalhar e de poder partilhar o balneário.

– E ainda tens alguma história para contar dele ou já foram todas?

– Há muitas. Ele já contou, ele gosta de contar, mas ele tem várias, como às vezes… alguém ia urinar à casa de banho e ele punha película aderente à volta do urinol para que fizesse ricochete [risos]. Mais… às vezes punha creme quente, creme de aquecer as pernas de pré-jogo, pegava nesses cremes e punha dentro dos boxers dos fisioterapeutas ou dos colegas, e depois aquilo começava a aquecer lá dentro, e já sabiam que tinha sido o Ukra… [risos]. Mas tem várias, tem muitas, tem muitas, acho que todos os dias havia uma nova.

– Tens alguma mágoa por não te teres afirmado no Benfica ou é compreensível pela quantidade de lesões que tiveste no início da tua carreira?

– Sim, claro que as lesões acabaram por influenciar, mas da minha parte não há mágoa. Há sim um agradecimento, porque, já disse várias vezes, o Benfica dá todas as condições para tu teres uma carreira no futebol. Claro que depois há opções, há jogadores que fazem as suas estreias na equipa principal do Benfica, mas, mesmo aqueles que não fazem, o Benfica dá todas as condições para tu teres uma carreira. Eu até já disse: ‘só não dá jogador no Benfica quem não quer.’ Não é obrigatório ser na equipa principal, há outros caminhos para se fazer, e é isso que eu agradeço ao Benfica, porque o Benfica abriu-me as portas para eu, não tendo a oportunidade depois de jogar no Benfica, ter a oportunidade depois de fazer a carreira noutros clubes. E isso acho que é muito importante, e nem todos os clubes têm essa capacidade.

– No Rio Ave tiveste a oportunidade de jogar e marcar no Estádio da Luz. Isso também foi especial para ti?

– Sim, acho que é especial para todos os jogadores que estão em equipas ditas mais pequenas conseguirem marcar golos contra os ditos grandes. Não é mais especial marcar contra o Benfica do que se fosse contra o FC Porto ou o Sporting. Claro que são golos que, a nível individual, dão-nos mais visibilidade. A verdade é que eu tive a sorte de fazer alguns no Estádio da Luz e contra o Benfica, mas não digo que fosse especial porque era contra o Benfica. É especial porque era um golo, e sim, um golo que poderia ter mais visibilidade, apenas isso.

– Quem é que tem as melhores condições para conquistar o título? Benfica, FC Porto ou Sporting?

– Do que eu vi, ainda não tive a oportunidade de ver o Sporting a 100%, mas do que vi, neste momento a equipa que eu mais gostei foi o FC Porto. Acho que tem umas ideias diferentes do que se tinha visto nos últimos tempos. Claro que o campeonato é longo, acontecem muitas coisas, agora pelo que tenho acompanhado, tem tido algumas lesões, mas acho que vai ser muito renhido. Tanto FC Porto, Sporting e Benfica acabaram por fazer um investimento super, super alto. Já se está a contratar em Portugal jogadores de valores diferentes do que antigamente se contratava e isso, claro, vai trazer — ou não — mais qualidade na nossa liga e também mais responsabilidade, porque o investimento acaba por ser alto. Mas antevejo uma luta a três bastante renhida ainda.

– E, por fim, acreditas que Portugal pode vencer o Mundial 2026, e que Cristiano Ronaldo tenha um grande papel?

– Eu acho que, com a qualidade que há, tanto no onze inicial como no banco de suplentes, claro que se cria uma expectativa de se poder conquistar grandes coisas. Agora, claro que nós sabemos que se calhar Portugal é um dos favoritos, mas quando chega esse tipo de torneios, tem de correr tudo bem. Porque há a fase de grupos, depois as eliminatórias, e nem sempre as melhores equipas com qualidade individual ganham. É um torneio em que tens de chegar, depois de uma época desgastante, bem fisicamente, psicologicamente, mas claro que há essa expectativa de que Portugal possa ganhar e oxalá, porque vai fazer todos os portugueses felizes.