Depois da reunião informal no Vaticano, em abril, que o presidente ucraniano confessou que “pode ter sido [o encontro] mais curto, mas o mais substancial”, a esperança é que o mesmo aconteça agora, nesta que será a quinta vez que ambos os líderes se encontram pessoalmente. A última aconteceu na Casa Branca em agosto, quando Trump recebeu Zelensky, acompanhado de uma delegação de líderes europeus, logo após a cimeira no Alasca com Vladimir Putin

Cinco meses após aquela que foi para Volodymyr Zelensky “a melhor conversa” que alguma teve com Donald Trump, numa breve reunião de 15 minutos na Basílica de São Pedro, momentos antes do funeral do Papa Francisco, espera-se a mesma sorte na reunião bilateral entre ambos os líderes nesta terça-feira, à margem da 80.ª Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas.

“Sabemos que estas reuniões entre Trump e Zelensky, como a que aconteceu no Vaticano, por exemplo, costumam ser eficazes”, sublinha à CNN Portugal Diana Soller, especialista em Relações Internacionais, apostando que esta reunião em Nova Iorque, anunciada pelo secretário de Estado norte-americano Marco Rubio, será igualmente “rápida”.

Depois da reunião informal no Vaticano, em abril, que o presidente ucraniano confessou que “pode ter sido [o encontro] mais curto, mas o mais substancial”, a esperança é que o mesmo aconteça agora, nesta que será a quinta vez que ambos os líderes se encontram pessoalmente. A última aconteceu na Casa Branca em agosto, quando Trump recebeu Zelensky, acompanhado de uma delegação de líderes europeus, logo após a cimeira no Alasca com Vladimir Putin.

Donald Trump e Vladimir Putin falaram a sós durante 15 minutos na Basílica de São Pedro, momentos antes do funeral do Papa Francisco. Mais tarde, Zelensky confessou que esta foi “a melhor conversa” que teve com o presidente norte-americano (Gabinete de Imprensa da Presidência da Ucrânia via AP)

Diana Soller antecipa este encontro com “um otimismo moderado”, tendo em conta a aparente “aproximação entre Trump e Zelensky” e a “desilusão” do presidente norte-americano em relação a Vladimir Putin.

Numa conferência de imprensa conjunta com o primeiro-ministro britânico, no final da visita de Estado ao Reino Unido, Donald Trump admitiu que “pensava que a guerra entre a Rússia e a Ucrânia seria a mais fácil de resolver” tendo em conta a sua relação com o presidente russo. “Mas Putin desiludiu-me”, acrescentou.

Nuno Gouveia, especialista em política norte-americana, acredita que o presidente Donald Trump “já terá percebido que as suas boas intenções em favor do regime russo não têm sido bem-sucedidas”. Afinal, já se passaram oito meses desde o prazo de 24 horas que o próprio estabeleceu para pôr fim à guerra no início do seu novo mandato na Casa Branca. Entretanto, outros prazos foram-se acumulando: em maio, Trump deu duas semanas a Putin para aceitar negociar um acordo de paz. À medida que os prazos foram expirando, Trump acrescentava mais duas semanas. O prazo mais recente foi estabelecido em 22 de agosto, quando Trump ameaçou impor sanções à Rússia dentro de duas semanas. Entretanto, passou-se um mês.

O “dilema” que a Europa só quer resolver em 2027

Ainda assim, o presidente norte-americano resistiu aos apelos diretos do primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, que fez questão de assinalar na mesma conferência de imprensa que “só quando o presidente [Trump] pressionou Putin é que ele [o presidente russo] mostrou alguma inclinação para agir”. Por isso, completou, “temos de intensificar essa pressão”. Trump assentiu, mas não se comprometeu a ir além do que tem feito se a Europa não fizer a sua parte.

“Estou disposto a fazer outras coisas, mas não quando as pessoas pelas quais estou a lutar estão a comprar petróleo à Rússia”, declarou, repetindo as críticas à Europa por continuar a comprar energia russa. “Se o preço do petróleo baixar, a Rússia vai ceder”, assegurou.

É neste ponto que surge o “dilema” entre Donald Trump e os líderes europeus, explica Diana Soller. É que, no entender do presidente norte-americano, a chave para um acordo de paz com a Rússia está na pressão económica, nomeadamente impondo tarifas e sanções secundárias aos países que compram petróleo a Moscovo – uma das principais fontes de receita do Kremlin, fundamental para alimentar os seus esforços de guerra.

“Isto faria algum sentido e até ajudaria, de alguma maneira, os Estados Unidos na sua guerra comercial com a China, podendo impor tarifas à China justificadamente”, uma das maiores compradoras de petróleo russo, a par com a Índia, observa a investigadora. “Mas acontece que a Europa ainda é o quarto comprador de petróleo russo. Portanto, sanções consequentes teriam de sancionar a Europa também.”

A Rússia era o maior fornecedor de petróleo da União Europeia (UE) antes da invasão da Ucrânia, mas a proibição de importações marítimas de petróleo russo para o bloco comunitário resultou numa queda para 1,13 mil milhões de euros no primeiro trimestre de 2025, face aos 14,06 mil milhões de euros no mesmo trimestre de 2021, de acordo com dados do Eurostat.

Sendo certo que a compra de energia russa por parte da União Europeia (UE) “tem descido drasticamente” desde o início da invasão da Ucrânia, “a verdade é que os países europeus continuam a adquirir energia russa”, nota Nuno Gouveia. A Eslováquia e a Hungria são as responsáveis pela grande maioria das importações de petróleo russo, segundo o Centro de Investigação sobre Energia e Ar Limpo (CREA, na sigla original).

Sabendo disto, “Trump não quer que a economia russa continue a ser alimentada pelos aliados europeus”, teoriza Nuno Gouveia, que concorda que há aqui uma “contradição” da União Europeia em relação à Rússia. Além disso, acrescenta o especialista, Trump também tem aqui um interesse interno em jogo: “É evidente que estes países – a Índia e a China – quando estão a comprar petróleo e energia russa muito barata, estão também a ter uma vantagem competitiva em relação aos Estados Unidos, e isso certamente não agradará a Trump.”

Apesar da pressão de Donald Trump, a Eslováquia e a Hungria mantêm que não vão deixar de importar petróleo e gás russo sem que lhes seja garantida uma “rota alternativa” para o efeito. A ministra eslovaca da Economia explicou que um corte total das importações russas representaria um risco para o país, que está localizado no extremo ocidental das rotas de abastecimento da UE.

A avaliar pela resposta da União Europeia, este dilema só ficará resolvido em 2027. Na sexta-feira, a UE anunciou que os oito Estados-membros que ainda importam gás russo – o que inclui Portugal – têm até 1 de janeiro de 2027 para acabar com todas as importações de gás à Rússia. Ao abrigo desta medida, que está incluída no 19.º pacote de sanções contra Moscovo proposto pela Comissão Europeia, além de Portugal, outros países terão de encontrar alternativas às importações de gás russo, nomeadamente a Bélgica, Países Baixos, França, Espanha, Grécia, Eslováquia e Hungria.

Importa sublinhar que Portugal importou gás natural de quatro países este ano, designadamente Espanha, Nigéria, EUA e Rússia, de acordo com os dados da Direção-Geral da Energia e Geologia. A última vez que Portugal importou gás natural russo foi em maio deste ano, segundo os mesmos dados.

Tendo em conta a evolução dos acontecimentos, Diana Soller mantém o otimismo moderado: “Deste impasse, alguma coisa vai ter de acontecer e é isso que provavelmente se espera que aconteça nos próximos dias.”

Donald Trump recebe líderes europeus na Casa Branca, dias após a cimeira do Alasca com Vladimir Putin (AP)

Afinal, segundo a especialista, nota-se “efetivamente uma mudança na administração Trump” nas últimas semanas, sobretudo desde a reunião com os líderes europeus na Casa Branca, em que os aliados começaram a ponderar garantias de segurança à Ucrânia. Na quinta-feira, em entrevista à Fox News, Trump anunciou que os EUA vão “ajudar a garantir a paz” na Ucrânia assim que a guerra terminar.

Há ainda outro sinal de que Donald Trump está do lado da Ucrânia – nem que seja por interesse próprio. Na semana passada, a administração Trump aprovou o seu primeiro pacote militar para a Ucrânia, com armas norte-americanas financiadas pelos aliados da NATO através da iniciativa Prioritized Ukrainian Requirements List (PURL).

Esta iniciativa resulta de um acordo entre o secretário-geral da NATO, Mark Rutte, e o presidente Donald Trump e assenta numa lista de equipamentos e munições solicitadas pela Ucrânia e financiadas pelos aliados, que compram equipamento militar das reservas dos EUA.

Apesar de ser “um sinal positivo”, até porque permite à Ucrânia receber “armamento que se adequa o mais possível às suas necessidades no terreno”, este instrumento não vai ser um gamechanger para a Ucrânia, determina Diana Soller, sublinhando que a administração Trump limitou-se a aprovar um acordo que estabeleceu com aliados e que agora tem de cumprir, “até porque os EUA têm o retorno desse contrato”.

Ressalvando que “é muito difícil fazer previsões” em relação a Trump, “um presidente muito errático”, Diana Soller entende que há uma “certa consistência” do presidente norte-americano em relação a estas duas matérias – a pressão sobre a Rússia através da ameaça de sanções e a promessa de garantias de segurança -, que a levam a crer que as conversações entre Trump e Zelensky vão continuar a evoluir “de uma forma bastante positiva”.

Na mesma linha de otimismo moderado, Nuno Gouveia acredita que Trump está agora “mais próximo da Ucrânia do que da Rússia” e que, por isso, “podemos esperar desenvolvimentos, no mínimo, positivos para a Ucrânia”.