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“Vista da janela em Le Gras”
A imagem não ganharia qualquer prémio hoje, mas nos anos 1820 era absolutamente especial.
Há dois séculos, um inventor francês olhou pela janela da sua casa em Saint-Loup-de-Varennes e captou um momento decisivo na história da ciência — e também da arte.
Sob a luz intensa do sol que iluminava os telhados à frente, Nicéphore Niépce colocou no parapeito um engenho insólito: uma caixa escura com uma placa de estanho coberta por uma substância sensível à luz. Limitou-se então a deixá-la ali.
Depois de abrir um pequeno orifício na caixa e expor a placa ao exterior durante oito horas, começou a formar-se lentamente uma imagem fantasmagórica da vista diante de si.
Pela primeira vez, a luz gravava de forma clara e permanente uma imagem numa superfície. O resultado, “Vista da Janela em Le Gras“, é atualmente considerado a primeira fotografia que chegou até nós.
Embora Niépce não se visse como um verdadeiro artista, as experiências que desenvolveu para alcançar este processo revelaram uma criatividade notável, conta o IFLS.
Revestiu a placa com betume da Judeia, uma substância semelhante a alcatrão que endurecia quando exposta à luz. Após a longa exposição, lavou a placa com óleo de alfazema e petróleo, eliminando as zonas não endurecidas e revelando os contornos etéreos de telhados, árvores e chaminés.
A descoberta nasceu do seu interesse pela litografia, uma técnica de impressão que gozava de grande popularidade na França do início do século XIX.
Ao experimentar impressões sobre vernizes sensíveis à luz, Niépce começou a refletir profundamente sobre a possibilidade de usar a luz para fixar informação visual no seu estado mais puro e vívido.
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A placa original utilizada para criar a primeira fotografia de sempre, intitulada “Vista da janela em Le Gras” ( Nicéphore Niépce, c.1820)
Niépce chamou ao processo final “heliografia”, de helios, “Sol” em grego, e graphy, derivado do latim “gravar” ou “desenhar”. Em suma, heliografia era “desenhar com o Sol”.
Não se sabe ao certo quando Niépce captou a sua primeira imagem através desta técnica, mas a proeza foi pela primeira vez revelada em 1826, quando mostrou o resultado ao ilustrador botânico Francis Bauer.
Profundamente impressionado, Bauer incentivou-o a viajar até Londres para apresentar o processo à comunidade científica britânica.
Em 1827, Niépce atravessou o Canal da Mancha numa viagem para visitar o irmão, que sofria de doença mental, levando consigo seis placas heliográficas. Pretendia apresentá-las à Royal Society, mas a instituição estava então “praticamente paralisada” por disputas internas.
O projeto suscitou pouco interesse, para desgosto de alguns membros, e Niépce regressou a França sem qualquer reconhecimento.
No regresso, porém, iniciou uma colaboração e troca de ideias com o artista francês Louis Daguerre, que viria a desenvolver o célebre “processo daguerreótipo”. Esse, sim, conseguiu conquistar a Royal Society em 1839, já então pacificada, dando origem à explosão da fotografia como nova arte e ciência.
Tragicamente, Niépce morreu em 1833, sem testemunhar o devido reconhecimento da sua invenção.
Daguerre e Niépce são hoje considerados pais fundadores da fotografia, embora tenham passado muitas décadas até que o contributo pioneiro de Niépce fosse plenamente reconhecido — como tantas vezes acontece com os visionários.