Um navio que simboliza a História russa — inspirado pela primeira fragata de Pedro, o Grande — está a ser impedido de atracar em portos portugueses. Apesar de usar desde o ano passado uma bandeira das ilhas Cook, no Oceano Pacífico, a sua entrada não foi autorizada no porto do Douro ao abrigo das sanções aplicadas à Rússia e aos navios russos.

O comentador da SIC Nuno Rogeiro tinha adiantado, no seu comentário de domingo, que a embarcação estaria a ser impedida de atracar em portos portugueses. Agora, a Marinha confirma ao Observador que a entrada do navio não foi autorizada no porto do Douro, ao abrigo do Regulamento da UE 2022/576 do Conselho de 8 de abril de 2022. O regulamento prevê, no seu artigo 3º, que a partir de 16 de abril de 2022 seja proibido “facultar o acesso aos portos situados no território da União de qualquer navio que arvore o pavilhão da Rússia”. A proibição também se aplica aos “navios que tenham alterado o seu pavilhão ou registo russo, passando para o pavilhão ou registo de qualquer outro Estado após 24 de fevereiro de 2022”.

Ora este é o caso do “TS Shtandart”, confirma a Marinha portuguesa, uma vez que o navio em questão — “uma réplica, construída em S. Petersburgo, na Rússia, no ano de 1999, por Vladimir Marcus, de nacionalidade russa” — alterou a 6 de junho de 2024 o estado de bandeira, passando da Federação Russa para as ilhas Cook, no Oceano Pacífico.

Esta segunda-feira à tarde, refere resposta enviada ao Observador, a embarcação estava a navegar ao largo da Ericeira-Sul, rumo a Sul, com destino declarado em Gibraltar, “conforme informação pública, disponível nos sites de monitorização de tráfego marítimo”. Entretanto, a Marinha está a “apoiar a Autoridade Marítima Nacional” no cumprimento das sanções europeias e a monitorizar o navio através do sistema de informação marítima “OVERSEE”, do Centro de Operações Marítimas, da Marinha Portuguesa e “acompanhado, ao longo da costa, por lanchas dos Comandos Locais da Polícia Marítima”.

Não estando o navio “autorizado a praticar portos nacionais”, o “TS Shtandart” também não reportou nenhuma “situação de emergência”, tendo comunicado apenas um problema técnico no mastro principal e precisado de 30 a 60 minutos para o reparar, “em águas interiores”. “Não se comprovando qualquer anomalia que coloque em causa a segurança da navegação, tem mantido uma velocidade constante de aproximadamente oito nós”, frisa a Marinha.

O site do Shtandart indica que o barco foi construído em São Petersburgo em 1999, por voluntários inspirados na herança de Pedro, o Grande e na sua primeira fragata, em 1703. O barco apresenta-se assim como um “pedaço de História vivo”, sendo que pode ser usado “por qualquer pessoa com um sentido de aventura” que queira aprender a navegar e receber treino por parte da equipa. “Durante os últimos 15 anos, o Shtandart tem sido um nómada dos mares, criando uma presença única pela Europa, do Mediterrâneo ao Báltico”, e participado regularmente em festivais marítimos enquanto “legado flutuante”.

A história complica-se: no site do barco alega-se que o Shtandart tem sido alvo de “assédio”, tendo abandonado as águas russas em 2009 por “razões políticas” com o seu capitão, Vladimir Martus, “um residente da UE desde 2011”, a operar o barco a partir da Europa “sem ligações ao estado russo”. Por isso, o site remete mesmo para uma petição em que se queixa de enfrentar “proibições injustificadas” que o impedem de entrar em portos europeus, como resultado da “má interpretação” das sanções europeias e da “campanha agressiva” de um grupo de ativistas chamado “No Shtandart in Europe”, que vai alertando no seu site para os movimentos do barco, numa série de, segundo a equipa do Shtandart, “publicações difamatórias”.

O mesmo site argumenta que é operado e detido por um residente europeu e tem uma nova bandeira, pelo que as sanções não devem aplicar-se à embarcação, que deve beneficiar do estatuto especial das embarcações históricas.

Ao Observador, a Marinha portuguesa acrescenta que “o navio russo Ro-Ro “ADLER” — um cargueiro que tinha sido intercetado ao largo da Póvoa de Varzim no final de agosto — “de acordo com a informação em fontes abertas, encontra-se presentemente fundeado no Porto de Orão, na Argélia”.