Já sem o fato de comentador, mas falando num tom pedagógico semelhante ao que costumava usar, Luís Marques Mendes voltou à SIC para dar uma entrevista no papel de candidato “experiente” e “independente” à Presidência da República. A pedagogia serviu-lhe, de resto, tanto para explicar as vantagens dessa experiência como para detalhar porque é que a ausência de experiência de Henrique Gouveia e Melo é um problema — tendo mesmo chegado a dizer que fica “mais preocupado” cada vez que o rival abre a boca para falar.

De baterias apontadas a Gouveia e Melo — começou, aliás, a entrevista por frisar que as sondagens começaram por colocá-lo 21 pontos atrás do almirante, e que agora está a apenas dois — Marques Mendes colocou-se, sempre que possível, em contraste com o candidato mais bem colocado nos estudos de opinião.

Por isso, pegou na ideia de Gouveia e Melo, que diz que seria possível dissolver o Parlamento se o Governo incumprisse gravemente uma promessa de base do seu programa, para dizer que este é um erro “político e constitucional” sério. “Alguém que admita essa hipótese já está a criar instabilidade. O PR deve ser fator de estabilidade, nunca de instabilidade”, disparou.

Pelo meio, aproveitou para deixar uma farpa educativa a Gouveia e Melo, lembrando que desde a revisão constitucional de 1982 que o Governo depende do Parlamento, e não do Presidente, e que se deve “estudar” as matérias.

E acrescentou que um dos possíveis exemplos em que Gouveia e Melo “admitiu” que poderia haver caso para dissolver — a subida dos impostos do Governo de Pedro Passos Coelho, depois de ter prometido que não o faria — traria ao país uma crise e provavelmente um segundo resgate financeiro. Depois, o remate: “Isto é uma irresponsabilidade. É por isso que sempre que Gouveia e Melo fala fico mais preocupado. Isto só acontece porque lhe falta experiência”.

Voltando várias vezes por iniciativa própria ao tema dos perigos de uma Presidência do militar, Marques Mendes chegou mesmo a considerar que o candidato, só por admitir situações destas, já é um “fator de instabilidade”. “Já tivemos dissoluções a mais. Um Presidente não deve inventar mais instrumentos para dissoluções. As crises evitam-se. Ou pelo menos tenta-se evitar. Quando não se evita, a solução é a bomba atómica. Mas é importante um Presidente experiente e independente para evitar as crises”.

Haveria ainda mais uma farpa guardada para Gouveia e Melo: aproveitando a polémica sobre o almoço entre André Ventura e Gouveia e Melo, na quinta de Mário Ferreira, Marques Mendes fez questão de associar os dois ao campo do populismo, dizendo que não teria “nada a conversar” com André Ventura e de desmentir que tenha, como Gouveia e Melo disse, almoçado com o militar — exceto num almoço alargado no São João, a convite de Rui Moreira, “com mais trezentas pessoas”. “Muito convenientemente ele omitiu esta parte” quando disse numa entrevista já ter almoçado com Marques Mendes, atirou.

Por isso, Marques Mendes arrumou desde logo André Ventura num campo à parte, não diretamente seu concorrente — “Entre Ventura e eu próprio há modelos completamente diferentes. Toda a gente percebeu que é uma jogada meramente tática. Ele assumiu que não quer ser Presidente, quer criar confusão, ruído, provocação. Ele quer destruir o sistema, eu quero reformá-lo. Ele é o candidato do radicalismo, eu da moderação. Ele quer representar parte dos portugueses, eu todos. Portanto são campos diferentes” — para atingir Gouveia e Melo: só um candidato que tivesse características em comum com Ventura poderia querer conversar com ele.

Quanto à pergunta mais colocada aos candidatos nos últimos tempos, sobre se daria posse a um Governo do Chega caso seja o partido mais votado, Marques Mendes disse que “claro” que o faria — fazer algo diferente seria um “golpe de Estado constitucional” — mas com uma nuance: poderia exigir um documento escrito de garantias constitucionais, se visse que do programa eleitoral resultavam “medidas manifestamente contrárias à Constituição”, explica. Por exemplo: se o programa incluir a prisão perpétua ou pena de morte, a Constituição não o permite.

Se o documento não for respeitado, “não há posse”, frisou. “Um Presidente e um primeiro-ministro são as primeiras pessoas interessadas em cumprir a Constituição”.

Marques Mendes deu, de resto, vários exemplos concretos sobre a forma como quer exercer o papel de Presidente, o cargo “mais político de Portugal”. Por um lado, aproveitando a sua experiência para negociar, colocar temas na agenda e fazer “pontes” entre partidos; por outro, deixando clara a sua independência, que disse ter ficado provada nas críticas que foi fazendo ao longo dos anos a elementos do seu partido (como Rui Rio, hoje mandatário nacional de Gouveia e Melo) ou na retirada do apoio a Isaltino Morais quando era presidente do PSD (decisão que hoje voltaria a tomar, ao contrário do próprio partido, frisou).

A ética voltou, assim, a ser apontada como uma das suas principais bandeiras: apesar de um Presidente não governar — como alguns dos seus adversários parecem pensar, sugeriu repetidamente — deve promover causas e a ética seria uma delas, com Marques Mendes a recuperar a sua antiga proposta de compor uma comissão de ética recheada de senadores no Parlamento ou comissões de ética dentro dos partidos.

Há outras bandeiras que tentaria, com a sua magistratura de influência, colocar na agenda, como o Ensino Superior — está preocupado porque, como os últimos dados mostram, há mais vagas do que candidatos e quem perde mais são as universidades e politécnicos do interior. Também usaria a sua influência para resolver impasses como o da sempre adiada reforma da Justiça. E a prioridade atual, defendeu, é resolver os problemas da Saúde, Educação e Habitação e pôr a economia a crescer.

A este propósito, pronunciou-se sobre as medidas para promover o arrendamento a preços moderadas anunciadas por Luís Montenegro no Parlamento: “Fico contente de hoje serem apresentadas finalmente algumas medidas para o arrendamento, mas faz falta dar garantias de que durante dez anos os benefícios não são revogados, porque sem previsibilidade não há arrendamento”.

Também disse ansiar por medidas na reforma do Estado, mais do que “proclamações”, mesmo que o ministro seja “muito bem intencionado”. E é preciso “mais exigência e firmeza no combate à corrupção”. Tudo exemplos da sua vontade de “reformar” e não “destruir” o sistema.

Outra questão atual que Marques Mendes comentou foi a lei dos estrangeiros, dizendo acreditar que a nova versão, alterada perante o chumbo do Tribunal Constitucional, é “mais digna” e que o chumbo até acabou por ser bom para o Governo, apesar de este ter inicialmente “reagido um pouco mal disposto”.

Quanto ao Chega, atribuiu-lhe o “mérito” de ter introduzido o tema da imigração na agenda — “mas o seu mérito fica por aqui, porque tem a perspetiva menos construtiva que é possível ter, porque usa imigrantes para obter votos”, acusou. “Perante um problema na Saúde, Educação e Habitação a culpa é sempre dos imigrantes? Não é verdadeiro nem justo”.

Marques Mendes foi ainda questionado sobre temas internacionais, considerando o reconhecimento do Estado da Palestina uma medida “simbólica mas importante” e recusando dizer, como jurista, se está a acontecer um genocídio em Gaza — mas há um “massacre intolerável”. Quanto ao prometido investimento de 5% em Defesa no âmbito da NATO, considerou que o acordo será difícil de cumprir mas é de “importância capital” que tenha existido, se não ia-se discutir “a implosão da NATO, uma catástrofe” — e o Kremlin iria “abrir garrafas de champanhe”.

Com a candidatura apresentada e apoios recolhidos no PSD, PS e CDS, falta ainda perceber se terá o apoio de algumas das figuras maiores do próprio partido — e o candidato assegurou não estar preocupado com isso. Por um lado, Cavaco Silva veio defender a eleição de alguém experiente mas sem apontar diretamente a Marques Mendes — que elogiou o artigo do “amigo”, cujo apoio gostará de ter, mas estará “confortável” se não tiver. Quanto a Passos Coelho, que elogiou profusamente (“digno de estima e admiração, patriótico, corajoso” e mencionado por Ventura por “jogada política”), se acabar por não o apoiar será apenas por estar afastado da política, sugeriu.

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