O Governo já fechou o novo desenho da Lei de Estrangeiros, diploma que tinha sido fiscalizado a pedido de Marcelo Rebelo de Sousa e chumbado pelo Tribunal Constitucional. No essencial, e para tentar superar a principal objeção levantada pela maioria dos juízes do Palácio Ratton, o Executivo liderado por Luís Montenegro admite agora que o reagrupamento familiar possa acontecer num prazo inferior a dois anos desde que — e este é um aspeto relevante — o requerente tenha comprovadamente coabitado com o respetivo cônjuge durante, pelo menos, um ano no período imediatamente anterior à entrada em território nacional.

Exemplo prático: com a anterior lei, um imigrante em Portugal só poderia requerer a entrada da sua mulher ou marido depois de estar há dois anos no país. Se este diploma entrar em vigor, o mesmo imigrante poderá fazê-lo um ano depois de estar em território nacional desde que comprove o seguinte: imediatamente antes de ter vindo para Portugal já vivia com o ou a cônjuge no país de origem há pelo menos um ano.

Existe outra exceção importante: se o cônjuge que tiver ficado no país de origem tiver a seu cargo um menor ou alguém dado como incapaz , o prazo de 12 meses deixa de ser aplicado — o reagrupamento familiar pode ser pedido a partir da entrada (legal) do imigrante em território nacional. Para todos os outros casos mantém-se o período de dois anos de residência em território nacional para o recurso à figura de reagrupamento familiar.

Ainda no que respeita aos cônjuges, e tal como o Observador tinha antecipado a 3 de setembro, o requerente de reagrupamento familiar terá de comprovar que o casamento ou união de facto foi celebrado de livre vontade e que respeita a lei portuguesa — não pode ser um casamento com menores de idade ou poligâmico.

Recorde-se que o Tribunal Constitucional considerou incompatível com a proteção constitucionalmente devida à família a imposição de um “prazo absoluto” de dois anos até à apresentação do pedido de reagrupamento familiar. Foi para ultrapassar o entendimento da maioria dos juízes do Palácio Ratton que o Governo encontrou este conjunto de mecanismos de salvaguarda. O objetivo declarado foi provar junto do Tribunal Constitucional que o regime de dois anos, mesmo continuando a ser o regime geral, não será absoluto, nem cego.

Aliás, no diploma que os grupos parlamentares do PSD e do CDS entregaram no Parlamento na noite de terça-feira, e a que o Observador teve acesso, o Executivo aponta exatamente nesse sentido e ainda foram mais longe: “Para que dúvidas não restassem, o Governo e a maioria política que o suporta introduziram uma cláusula geral de ponderação, que habilita o membro do Governo responsável pela área das migrações a dispensar, em casos excecionais devidamente fundamentados, o cumprimento do prazo de dois anos para acesso ao reagrupamento familiar, atendendo à natureza e solidez dos laços familiares da pessoa e a efetividade da sua integração em Portugal”.

Os imigrantes que cá residam e que queiram receber o cônjuge precisam de garantir igualmente que têm “alojamento, comprovadamente próprio ou arrendado, considerado normal para uma família comparável na mesma região e que satisfaça as normas gerais de segurança e salubridade”; e têm também de ter “meios de subsistência suficientes para sustentar todos os membros do agrupamento familiar, sem recurso a apoios sociais“.

Outro aspeto que motivou a objeção do Tribunal Constitucional foi a questão das medidas de integração. Alegaram os juízes do Palácio Ratton que o diploma original não era suficientemente claro sobre se estas exigências (“formação em língua portuguesa e formação relativa a princípios e valores constitucionais portugueses”) se aplicavam antes ou depois do pedido de reagrupamento familiar.

Isto é, num exemplo prático, se a frequência prévia num curso de português era condição para uma mulher receber autorização para se juntar ao marido em Portugal; ou se essa obrigação se colocava apenas depois de chegar ao país. Vem agora o Governo liderado por Luís Montenegro esclarecer que estas “medidas de integração” são exigidas depois da entrada em território nacional.

Entendeu também o Tribunal Constitucional que a utilização do advérbio de modo “designadamente” nesta questão relacionada com as medidas de integração dava a possibilidade prática ao Governo de definir por portaria outro tipo de “medidas de integração” — quando matérias relacionadas com direitos, liberdades e garantias são da exclusiva competência da Assembleia da República.

Neste novo diploma, a expressão “designadamente” cai e passa a ficar claro que os familiares do requerente devem, “após concessão de autorização de residência para reagrupamento familiar, cumprir medidas de integração correspondentes à frequência de formação em língua portuguesa e de formação relativa a princípios e valores constitucionais portugueses, bem como [estão obrigados] à frequência do ensino obrigatório, no caso de menores”.

Também se colocou a questão do prazo de decisão para pedidos de reagrupamento familiar. No anterior diploma, admitia-se que a decisão poderia ser tomada num prazo de 18 meses (nove mais nove) contra os atuais dois meses. Queria isto dizer, por exemplo, que um imigrante tinha de esperar dois anos até poder pedir autorização para que a mulher viesse para Portugal e ainda tinha de somar a isso, no limite, mais 18 meses, totalizando três anos e meio até ver tomada uma decisão — tempo de espera que o Tribunal Constitucional considerou não ser “compatível com os deveres de proteção da família a que o Estado se encontra vinculado”.

Com o novo diploma, mantém-se que o pedido de reagrupamento familiar deve ser decidido no prazo de nove meses e que pode ser prorrogado por mais nove em “circunstâncias excecionais associadas à complexidade da análise do pedido”, mas encontra-se mais uma vez uma válvula de salvaguarda: nos casos descritos acima, em que o casal partilhou casa pelo menos durante um ano no país de origem ou em que exista um menor a cargo, esta possibilidade de prorrogação por mais nove meses não se coloca, mantendo um regime de tratamento diferenciado.

Os juízes do Tribunal Constitucional chumbaram também a intenção do Governo de reduzir o recurso aos tribunais para quem tivesse decisões administrativas por parte da AIMA. O diploma original definia que “” seria admissível o recurso a este mecanismo quando “a atuação ou omissão da AIMA” comprometesse, “de modo comprovadamente grave, direto e irreversível, o exercício, em tempo útil, de direitos, liberdades e garantias pessoais”; o Palácio Ratton entendeu que aquele “só” ia contra o direito ao acesso à justiça e aos tribunais. Agora, o Governo deixa cair essa referência.

No diploma que foi entregue pelos grupos parlamentares do PSD e do CDS, em articulação naturalmente com o Governo da AD, pode ler-se que as duas bancadas “não abdicam da consagração de soluções normativas inovadoras e estritamente necessárias ao estabelecimento de um quadro de regulação humanista dos fluxos migratórios em Portugal” e recordam que os “objetivos globais da política migratória” foram “largamente sufragados pelo povo português”.

Ao mesmo tempo, PSD e CDS garantem que não foram “indiferentes ou sobranceiros” em relação aos argumentos do Presidente da República (que suscitou a fiscalização preventiva) e do Tribunal Constitucional (que declarou a lei inconstitucional) e que “importa agora, na medida do possível, esclarecer ou acolher, no exercício da margem de liberdade de conformação política que a Constituição garante ao legislador, no respeito intransigente pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos – de todos os cidadãos, incluindo os estrangeiros que escolheram Portugal para realizar o seu projeto de vida”.

“A iniciativa legislativa que ora se retoma não pode, por isso, significar um regresso à política migratória laxista e falsamente humanista do passado, que prometeu irrestritamente facilidades e direitos a todos os estrangeiros que se deslocam para Portugal e, ao mesmo tempo, não preparou a Administração Pública e os Tribunais para a tarefa de verificar a legalidade das entradas, de integrar condignamente e de promover com eficácia medidas de retorno ou de afastamento dos cidadãos que violam ilegalmente a integridade do território nacional”, acrescenta-se ainda.

Lei de Estrangeiros. Governo admite mexer nos prazos do reagrupamento dos cônjuges, mas com regras apertadas

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