A Organização Europeia para a Investigação Nuclear, com sede em Genebra, está sob pressão após uma petição assinada por milhares dos seus cientistas, entre os quais pelo menos 30 portugueses, exigir ao CERN que reveja o cumprimento por parte de Israel do seu Código de Conduta e do Direito Internacional, num momento em que a ONU acusa Israel de genocídio em Gaza. O assunto falha a discussão formal na reunião do
Conselho do CERN, que se encontra a decorrer esta quinta-feira, por não
cumprir nenhuma das condições de inscrição.

A petição, acompanhada de um parecer jurídico especializado sobre o CERN, foi enviada pelos seus signatários a 13 de agosto e mereceu a atenção da diretora-geral do CERN, Fabiola Gianotti, e do presidente do Conselho do CERN, Kostas Fountas, que convocaram uma reunião para a sua discussão para o início do mês. 


O CERN evoca neutralidade política


Na reunião com os representantes da petição a 10 de setembro,  Fabiola Gianotti, diretora-Geral do CERN reafirmou que a organização “não é uma instituição política” e que, em 70 anos de história, apenas em duas ocasiões foram tomadas decisões com dimensão política, relativas à Sérvia e à Rússia, e sempre com consenso prévio entre os Estados-membros na ONU, como sublinhou o presidente do Conselho. O CERN só tomou decisões de dimensão política em duas ocasiões — Sérvia e Rússia — e apenas porque todos os Estados-membros apoiavam essas sanções na ONU.


Segundo a diretora-Geral do CERN, a visão de “Ciência para a Paz” da organização significa tanto a colaboração internacional em harmonia, como o apoio a comunidades afetadas por conflitos, como alegadamente já foi feito pela Administração pela Ucrânia e agora está a começar a ser feito pela Palestina.


Para responder às preocupações dos signatários da petição, a administração sugeriu a possibilidade de criação de cinco a dez bolsas de estudo para estudantes e jovens investigadores palestinianos, bem como a possibilidade de programas de formação à distância e fornecimento de material informático.


“Ciência não pode ser usada para fins militares”


Com base numa das preocupações dos signatários sobre o uso da ciência para fins militares, a diretora-geral do CERN mostrou abertura para esclarecer, no Código de Conduta do CERN, que “os resultados da investigação baseada no CERN não devem ser utilizados em nenhuma aplicação militar”, mas admitiu ser impossível monitorizar o cumprimento deste requisito. 


Uma vez que “todos concordaram que o CERN não pode e não deve investigar as atividades de investigação dos utilizadores em projetos que não estejam relacionados com o CERN”. “A DG afirmou que as tecnologias resultantes de
colaborações com o CERN têm pouca ou nenhuma aplicabilidade direta no
contexto da guerra”, segundo os responsáveis da petição. 


Durante a reunião, os cientistas alertaram para “colaborações problemáticas de transferência de conhecimento”, nomeadamente em projetos de inteligência artificial com a Autoridade de Inovação Israelita, que considera o exército israelita “um catalisador crucial” do exossistema tecnológico de Israel, mas em parcerias com a empresa Zenseac, subsidiária da Volvo, que fornece equipamentos utilizados em demolições em território palestiniano. 


Por sua vez, o presidente do Conselho Kostas Fountas afirmou que “todos os projetos de transferência de conhecimento realizados no CERN são de natureza pacífica e, por serem de código aberto, podem ser utilizados por todos”. O que levou os responsáveis da petição a reiterar que o CERN deve garantir que as licenças de código aberto “proíbe claramente aplicações militares”. 


Cooperação com Israel fora da agenda do Conselho 


Apesar do assunto falhar a discussão formal na reunião do Conselho do CERN, que se encontra a decorrer esta quinta-feira, 25 de setembro, por não cumprir nenhuma das condições de inscrição, os cientistas apelam a que os Estados-membros levantam a questão durante a sessão ou reúnam apoio
suficiente para convocar uma sessão extraordinária
para que possa ser
debatido.
 


Durante a reunião, o presidente do Conselho explicou que para colocar um tema na agenda “é necessário que um Estado-membro
proponha e outro apoie a proposta”, ou então que “cinco Estados-membros
solicitem uma sessão extraordinária”. Até ao momento, nenhuma das condições tinha sido cumprida.


Possível violação da Convenção sobre o Genocídio? 

Os cientistas lembram que a reunião com a administração do CERN ocorreu num “momento crítico”, dias antes da publicação de um relatório da
Comissão de Inquérito da ONU, que responsabiliza Israel por “atos de
genocídio” em Gaza. 


Segundo os signatários da petição, com base no
parecer jurídico que segundo eles a própria diretora-geral considerou incompleto e não totalmente aplicável à organização, se o CERN não tomar medidas para rever as suas
colaborações com instituições israelitas, pode ser considerado em
violação da Convenção sobre Genocídio. 


Além disso, sublinham que outras instituições internacionais, desde a Comissão Europeia até às entidades reguladores desportivas, já começaram a fazer essa revisão: “Dado o genocídio em curso, a lista de entidades que estão a rever as suas relações com Israel aumenta a cada dia”, afirmam, no email a que a RTP acesso.