O renomado arquiteto chinês que morreu nesta quarta-feira em Aquidauana, no Pantanal do Mato Grosso do Sul, Kongjian Yu, criou o conceito de “cidades-espoja”. Essa é uma das soluções para as enchentes que tem sido mais debatidas no mundo num contexto de mudanças climáticas.

A ideia central desenvolvida por Yu é criar nas cidades espaços de amortecimento, absorção e reaproveitamento das águas da chuva, para minimizar danos causados pelas enchentes. O conceito foi incluído em 2013 no plano nacional da China e hoje há centenas de projetos inspirados nele no país.

As inundações gaúchas, em 2022, despertaram interesse em reproduzir a ideia no Brasil, algo que Yu propôs às autoridades brasileiras que participaram de um seminário sobre mudanças climáticas organizado naquele ano pelo Vaticano.

Os documentaristas Luiz Fernando Feres da Cunha Ferraz e Rubens Crispim Jr. filmavam um filme sobre o trabalho do arquiteto chinês Kongjian Yu quando o avião que transportava o trio caiu em uma fazenda em Aquidauana, no Pantanal do Mato Grosso do Sul. Os três e o piloto da aeronave, Marcelo Pereira de Barros, morreram no acidente.

O documentário era uma produção da Olé Produções, empresa da qual Luiz Ferraz era um dos sócios. Arquiteto renomado e criador do conceito de cidade-esponja, Kongjian Yu usou a expressão planeta-esponja em uma entrevista ao GLOBO em maio do ano passado, após as enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul.

O sistema concebido por Yu tem um princípio que contraria o que costuma ser o senso comum na gestão das chuvas, que é conter as águas: ele é a favor de dar espaço a elas. Em vez do sistema tradicional centrado no concreto, com canais, represas e sistemas de drenagem, que Yu chama de “infraestrutura cinza”, o arquiteto diz que é mais eficaz e barato desacelerar a velocidade das águas com o aumento de superfícies que as absorvam, preferencialmente vegetação, mas também concreto poroso.

— Assim como na China, as enchentes no Brasil não começam nas cidades, mas em áreas elevadas. O sistema de absorção não pode ser localizado, é preciso ampliá-lo, criar não apenas cidades-esponja, mas um “planeta-esponja” — afirma Yu, salientando a importância de conter o desmatamento. — Quando as florestas desaparecem no Brasil e a área é usada para agricultura mecanizada, não sobra espaço para a água. A Amazônia, por exemplo, é uma esponja natural. Devemos aprender como ela funciona.

A ideia surgiu a partir da experiência de sua infância. Yu cresceu num vilarejo na província chinesa de Zhejiang, área de monções com alta frequência de chuvas torrenciais.

Naquele contexto, os agricultores da região recorriam a um método natural para lidar com as enchentes, utilizando fossos, terraços e lagos para direcionar as águas e armazená-las para as épocas de seca.

De acordo com Yu, se 30% das áreas urbanas forem dedicadas às cidades-esponja, o problema das enchentes está resolvido. Ele reconhece que a urbanização acelerada e a especulação imobiliária podem ser um obstáculo para que o sistema tenha espaço suficiente, mas aí é preciso fazer com que a transformação das cidades se torne uma estratégia nacional. E não basta recriar as áreas urbanas. É preciso que o sistema de absorção seja ampliado às periferias e áreas agrícolas, para reter e desacelerar as águas em sua origem.