Num mundo cada vez mais digital, guardar notas na gaveta pode parecer coisa do passado. Mas os principais bancos centrais europeus estão a recomendar exatamente isso: cada família deve manter uma pequena reserva de dinheiro vivo, suficiente para sobreviver alguns dias em caso de crise

O alerta surge num momento em que apesar de a maioria optar por pagamentos digitais a procura por notas dispara sempre que a estabilidade é posta em causa, seja por uma pandemia, um apagão ou uma guerra.

Um estudo do Banco Central Europeu (BCE), intitulado “Keep calm and carry cash” (Mantenha a calma e ande com dinheiro), analisou quatro grandes crises recentes – a pandemia de covid-19, a invasão russa da Ucrânia em 2022, a crise da dívida grega e o apagão ibérico em abril de 2025 – e concluiu que o dinheiro vivo continua a ser insubstituível em momentos de emergência.

Um “pneu suplente” do sistema de pagamentos

Apesar de cada vez menos usado nas transações do dia a dia, o dinheiro vivo mantém-se como uma espécie de seguro coletivo. “Funciona como um ‘pneu suplente’ do sistema de pagamentos”, explicam os autores do estudo do BCE. Em situações de stress extremo, as famílias tendem a ver nas notas um meio de pagamento resiliente e um porto seguro para as suas poupanças imediatas.

Foi isso que aconteceu em março de 2020, quando os confinamentos provocaram uma corrida ao numerário em toda a Europa: só nos primeiros 90 dias da pandemia circularam mais 19,5 mil milhões de euros em notas do que seria expectável, segundo o documento. Também em fevereiro de 2022, com a invasão russa da Ucrânia, registou-se uma procura anormal em países vizinhos do conflito, como os Bálticos e a Finlândia, onde a emissão de numerário atingiu níveis seis a dez vezes acima do normal.

Mais recentemente, em abril, o apagão ibérico deixou durante várias horas mais de 50 milhões de pessoas em Espanha e Portugal sem eletricidade, comunicações e pagamentos digitais. Cartões, aplicações de transferência instantânea e até caixas multibanco ficaram inoperacionais. Muitos comerciantes só aceitavam notas. Quem não tinha, ficou limitado no acesso a bens essenciais.

Quanto dinheiro devo ter em casa?

Não se trata de encher cofres ou de ter maços de notas em casa. As recomendações oficiais apontam para quantias pequenas, mas suficientes para garantir autonomia em situações de emergência. Na Áustria, Países Baixos e Finlândia existem mesmo orientações oficiais: entre 70 e 100 euros por pessoa, o suficiente para 72 horas de despesas essenciais. Já a Suécia recomenda guardar o equivalente a uma semana de gastos essenciais em comida, medicamentos e combustível.

Segurança psicológica e prática

Segundo o BCE, existe também um lado emocional. Ter notas em casa transmite uma sensação de controlo e segurança imediata, sobretudo em momentos de incerteza prolongada. É um comportamento que os economistas chamam de “aversão à perda”: quando o futuro parece incerto, as pessoas preferem garantir liquidez à mão. Além disso, o dinheiro vivo é tangível, não depende da internet, da eletricidade ou de sistemas bancários, e preserva a privacidade das transações.

O estudo do BCE considera ainda que o dinheiro físico é um seguro coletivo. Quando todos têm algumas notas em casa, cria-se uma rede de liquidez descentralizada que ajuda a sociedade a manter-se funcional mesmo quando os sistemas falham.

O estudo conclui que, tal como os cidadãos são incentivados a ter kits de emergência, o numerário deve ser visto como parte integrante da preparação para crises. “Nenhum sistema é infalível. O dinheiro físico assegura redundância e confiança em momentos críticos”, sublinha o BCE.

Por isso, guardar algum dinheiro em casa, de preferência em notas pequenas, fáceis de usar em trocas rápidas, pode ser tão importante quanto ter à mão uma lanterna, um rádio ou água.