Todos os dias, dezenas de navios Ro-Ro atravessam os oceanos carregados de carros chineses com uma missão: exportar, exportar, exportar.

Durante anos falámos da tecnologia, das unidades de produção, das gigafábricas de baterias e — a um ritmo por vezes difícil de acompanhar — da avalanche de novas marcas oriundas da China. O que passou despercebido a muitos foi a forma como as marcas chinesas prepararam a etapa seguinte: como fazer chegar milhões de carros ao resto do mundo.

De forma muito discreta, as marcas chinesas planearam durante anos aquilo que agora está a acontecer: uma ofensiva sem precedentes ao mercado automóvel mundial. Para isso não bastava ter fábricas modernas ou carros baratos. Era preciso controlar também o mar, sem estar na dependência de armadores japoneses, sul-coreanos ou europeus.

Sem o devido controlo da logística, todos os planos podiam ir por água a baixo. Este artigo é precisamente sobre isso. Sobre a frota de navios Ro-Ro que as marcas chinesas têm ao seu dispor. Todos com uma missão apenas: exportar, exportar, exportar.

BYD a pioneira da frota própria

Começando pela BYD, o Explorer No. 1 iniciou as exportações em 2024 com capacidade para sete mil veículos. Daí em diante seguiu-se uma série imparável: Hefei, Changzhou, Shenzhen, Xi’an, Changsha e, em julho de 2025, o Zhengzhou.

Todos construídos em estaleiros chineses e preparados para operar a GNL (Gás Natural Liquefeito). Devido à contagem de emissões de CO₂ (dióxido de carbono) em toda a cadeia logística, este aspeto é cada vez mais relevante.

Desta frota há um que se destaca, o Shenzhen (na imagem). Consegue transportar até 9200 automóveis. É o maior navio Ro-Ro já construído na China — apesar de haver outro navio que declara maior capacidade.

Feitas as contas, no total a BYD já conta sete navios a operar com destino a todos os mercados mundiais excepto um: os EUA. A marca tem ainda planeado um oitavo navio, Jinan, que deverá começar a atividade em breve.

NavioAnoCapacidadeEstaleiro / regime Explorer No. 1 2024 ~7000 unidades CIMC Raffles / Zodiac (afretado) BYD Hefei 2024 7000 un. Guangzhou Shipyard International BYD Changzhou 2024 7000 un. CIMC Raffles BYD Shenzhen 2025 9200 un. China Merchants Group BYD Xi’an 2025 7000 un. Guangzhou Shipyard International BYD Changsha 2025 7000 un. CIMC Raffles BYD Zhengzhou 2025 7000 un. Guangzhou Shipyard International

SAIC vai (ainda) mais longe

Se a BYD impressiona, a SAIC vai ainda mais longe. Através da Anji Logistics, a marca que em Portugal conhecemos sobretudo através da MG, opera uma frota de 35 navios. São onze embarcações fluviais, nove navios de navegação costeira e quinze dedicados à exportação.

© gov.cn / Xinhua A joia da coroa é o Anji Ansheng, lançado em maio de 2025, é o navio Ro-Ro com maior capacidade anunciada construído na China, capaz de transportar 9500 veículos.

Sobre o futuro, a SAIC já anunciou planos para aumentar a frota oceânica até 22 unidades já em 2026, com rotas que incluem a Europa Ocidental, o Mediterrâneo, a América do Sul e o Médio Oriente.

A corrida aos navios Ro-Ro

Apesar de este artigo estar focado nos construtores chineses, não é na China que encontramos o maior produtor de navios do mundo. Esse título continua a estar na posse da Coreia do Sul, nomeadamente da Hyundai, outra gigante dos automóveis — foi o terceiro maior grupo automóvel do mundo em termos de vendas em 2024 —, que é também um dos maiores produtores mundiais de aço.

Contudo, há gigantes de menor dimensão nesta corrida. A Geely, dona da Volvo, Lynk & Co e Zeekr, também não ficou parada. Em maio de 2025 estreou o JISU Fortune, operado pela sua subsidiária logística.

O JISU mede 199,9 metros de comprimento, 38 metros de boca e pode levar cerca de sete mil veículos.

Numa escala mais pequena, mas igualmente significativa, temos a Leapmotor. Em agosto de 2025, em parceria com a Stellantis, estreou o Grande Tianjin, fretado ao grupo Grimaldi. Não é uma frota própria, mas garante um canal exclusivo e confiável para fazer chegar os carros aos mercados internacionais.

Em paralelo, a Chery aliou-se à JAC e a operadores portuários para lançar uma joint venture focada no transporte de automóveis. Nesta corrida aos mares ninguém quer perder a onda — não resisti ao trocadilho.

Uma estratégia pensada e aplicada com precisão

Para termos percepção do que está em causa, nada melhor do que evocar alguns números. A título de exemplo, em 2020 a produção anual da BYD não chegava às 500 mil unidades. Em 2024 superou as 4,2 milhões de unidades.

Em apenas quatro anos, foi um crescimento de 900%. Não é apenas planeamento e estratégia, é capacidade de execução e decisão. Mandou-se construir fábricas, contrataram-se pessoas, investiu-se em tecnologia e nem a logística ficou de fora.

O que todas estas iniciativas têm em comum é a noção de que o sucesso da indústria automóvel chinesa não poderia depender apenas de produção em massa ou de baterias mais baratas. E a Europa assiste agora ao impacto desta estratégia.

Se nos anos 70 o Japão conquistou o mundo com pequenos carros económicos e nos anos 90 a Coreia repetiu a fórmula, a China acrescentou algo mais: logística própria. Uma flotilha que começou a ser desenhada há vários anos e que hoje está a inundar o mundo de carros chineses.