Uma pessoa disse-me certa vez que um dos maiores símbolos de preocupação é quando alguém que nos vai deixar a casa de carro aguarda por nos ver entrar em segurança no prédio antes de arrancar. Ser mulher é conhecer bem estas dinâmicas. E, claro, o recado clássico: quando chegares, manda-me uma mensagem para saber se estás bem. Era a regra quando eu e a minha melhor amiga, na altura com 14 anos, seguíamos ruas diferentes para vir da escola para casa (na altura, ligando para casa e não por SMS); continua a ser a regra 30 anos depois, quando uma de nós apanha um Uber de noite para regressar sozinha.

Título: “Manda msg quando chegares”
Autora: R.G.B.
Editora: Iguana
Páginas: 96

A estreia nos livros da artista visual R.G.B, chamada exatamente Manda msg quando chegares (edição Iguana), é um ensaio gráfico que ressoará com a maioria das mulheres, mas será igualmente brindado com a etiqueta do exagero para quem gosta de ver histerismo nos mais sinceros desabafos. Numa breve apresentação do livro num grupo mais alargado, ouvi algumas pessoas dizerem “ai, isto a mim nunca me aconteceu” ou “as raparigas mais novas veem problemas em tudo”. Estranhamente, e mesmo que os números evidenciem os constantes perigos e constrangimentos a que uma mulher é sujeita, este continua aparentemente a ser um tema polémico e divisivo.

R.G.B. assume este livro como um protesto, totalmente baseado em episódios reais na primeira pessoa, mas também em relatos de amigas e familiares (o livro é dedicado às irmãs). A autora prefere permanecer anónima na sua persona artística, apesar de Manda msg quando chegares se poder até enquadrar na categoria, cada vez mais em voga, da autoficção. O compêndio acaba por lembrar os primórdios do movimento Me Too, quando em 2017 a atriz Alyssa Milano incentivou no Twitter que mulheres descrevessem brevemente os seus episódios de assédio sexual, o que evidenciou que a grande maioria já tinha passado por várias situações, mesmo que com graus de gravidade muito díspares.