A associação ambientalista Zero defende que Portugal deve proibir ou, pelo menos, condicionar anúncios a combustíveis fósseis e produtos “responsáveis por uma parte significativa das emissões de gases com efeito de estufa”. “Não deve haver tempo de antena para publicidade que queima o futuro do nosso planeta”, afirma a ONG, recordando que os combustíveis fósseis conduzem ao aquecimento global, a fenómenos climáticos extremos e à poluição do ar​.

A Zero já apresentou uma queixa à Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) sobre a matéria e questiona a lógica de ainda haver publicidade a empresas ligadas à exploração e comercialização de combustíveis fósseis, mas também a “produtos ou práticas que impliquem o uso intensivo de combustíveis fósseis”.

Recordando que a publicidade ao tabaco foi proibida por representar um risco grave e directo para a saúde, a Zero diz que “faz cada vez menos sentido permitir que as empresas de combustíveis fósseis continuem a usar o poder da publicidade para normalizar, promover e até embelezar produtos que comprometem a saúde ambiental, agravam doenças respiratórias e cardiovasculares e aceleram a degradação climática”.

Para a associação, defender essa proibição é não só uma questão de coerência climática como também uma medida de saúde pública e de justiça intergeracional.

Já está na lei

A Zero recorda que o Código da Publicidade determina que é “proibida a publicidade que, pela sua forma, objecto ou fim, ofenda os valores, princípios e instituições fundamentais constitucionalmente consagrados” (artigo 7.º). O diploma proíbe ainda a publicidade “que encoraje comportamentos prejudiciais à saúde e segurança do consumidor, que apresente situações onde a segurança não é respeitada, e que falhe na informação adequada sobre a perigosidade dos produtos” (artigo 13.º).

Ora, a crise climática coloca em causa o “direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado”, contemplado na Constituição da República Portuguesa,​ onde se lê que existe mesmo o “dever de o defender”, sublinha a Zero.

A organização propõe que Portugal reconheça que “os combustíveis fósseis são nocivos para a saúde pública e para o planeta” –​ “à semelhança do que já foi feito com o tabaco”.

Nesse sentido, a Zero apresentou uma queixa à Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) sobre a prática de publicidade a combustíveis fósseis ou produtos que incentivem o seu uso intensivo, que a ERC encaminhou para a Direcção-Geral do Consumidor. A associação anuncia ainda que está a recomendar iniciativas legislativas que visem clarificar a legislação e banir a prática.




A publicidade das companhias aéreas raramente reconhece o impacto das emissões da aviação
Daniel Rocha

40 cidades têm proibição

Em todo o mundo, mais de 40 cidades já adoptaram medidas contra a publicidade a produtos de origem fóssil, entre elas Amesterdão e Haia, nos Países Baixos, Edimburgo, na Escócia, ou Sydney, na Austrália​.

França proibiu a publicidade a combustíveis fósseis em meios públicos e privados em 2022, com a sua “Loi Climat et Résilience”, e Espanha está a preparar uma lei sobre esta matéria. A Zero nota ainda que existem precedentes na Europa de proibição de anúncios a produtos que constituem violações da responsabilidade social e ambiental.

A proibição da publicidade aos combustíveis fósseis é juridicamente viável, de acordo com estudos citados pela organização. Trata-se, afirmam, de “um passo necessário para cumprir as obrigações legais” de protecção da vida humana e do ambiente, alinhando-se também com os “compromissos climáticos da União Europeia e dos Estados-membros”.

Para a Zero, é fundamental que a própria União Europeia tome medidas legais ambiciosas “para orientar o consumo para alternativas mais responsáveis e sustentáveis, evitando o recurso a combustíveis fósseis”.

Apoio dos cidadãos

Há ainda o problema da discrepância entre a publicidade “verde” destas empresas e a sua efectiva responsabilidade ambiental. A Zero entende haver um “reconhecimento crescentemente documentado” sobre a “insustentabilidade das campanhas e das práticas de greenwashing no sector dos combustíveis fósseis”, tanto a nível científico como de relatórios de organizações não-governamentais.

Por exemplo, a análise da organização ambientalista Greenpeace Words vs actions: The truth behind fossil fuel advertising − “Palavras vs acções: a verdade por detrás da publicidade aos combustíveis fósseis” −, em parceria com o site de investigação DeSmog, mostrou como a publicidade das companhias aéreas e dos fabricantes de automóveis na Europa está a contribuir para o agravamento da emergência climática global.

Um estudo da Agência Europeia das Uniões de Consumidores (BEUC, na sigla em francês), a federação europeia dos consumidores, concluiu que três quartos dos consumidores inquiridos estão a favor de uma autorização prévia de publicidade que contenha alegações ambientais, para prevenir o greenwashing. A Zero sublinha ainda que 40% dos inquiridos nos 16 países considerados, que incluem Portugal (através da Deco), defendiam que as companhias de combustíveis fósseis “não devem poder sequer fazer publicidade”.

Em 2021, 353 mil pessoas de toda a Europa assinaram uma petição promovida por mais de 20 organizações ambientalistas no âmbito da Iniciativa de Cidadania Europeia Ban Fossil Fuel Ads − “proíbam a publicidade aos combustíveis fósseis” −, que promoveu o debate político europeu sobre a regulamentação da publicidade fóssil.

“Madrinhas do caos climático”

O próprio Secretário-Geral da ONU, António Guterres, apelou no ano passado aos governos que proibissem a publicidade a produtos fósseis.

“Muitos governos restringem ou proíbem a publicidade a produtos que prejudicam a saúde humana – como o tabaco. Alguns estão agora a fazer o mesmo com os combustíveis fósseis”, exemplificou Guterres.

Chamando as empresas de combustíveis fósseis de “madrinhas do caos climático”, o Secretário-Geral da ONU reforçou o alerta: “Apelo a todos os países para que proíbam a publicidade das empresas de combustíveis fósseis. E exorto os meios de comunicação social e as empresas de tecnologia a deixarem de aceitar publicidade a combustíveis fósseis.”