O antigo director do FBI, James Comey, foi, esta quinta-feira, formalmente acusado de “falso testemunho e obstrução” na investigação sobre uma possível interferência russa na campanha que levou Donald Trump a cumprir o seu primeiro mandato na Casa Branca, em 2016.
Comey — que foi director do FBI de 2013 a 2017, altura em que foi despedido por Donald Trump precisamente pelo caso que ficou conhecido como Russiagate — terá sido acusado com base no depoimento que deu ao “Comité Judicial do Senado dos EUA, a 30 de Setembro de 2020”, detalha o comunicado da procuradoria da Virgínia onde se dá conta da acusação.
Nesse testemunho, o antigo director do FBI afirmou que nunca autorizou que a informação confidencial sobre a investigação à possível interferência russa ou ao uso de um email privado da então candidata Hillary Clinton chegasse aos meios de comunicação social, através de fontes anónimas.
No entanto, no comunicado de duas páginas onde apenas se detalha vagamente as acusações contra Comey, o grande júri federal – composto por um grupo de cidadãos que determina se há provas suficientes para que se avance com um processo – acredita que o antigo director do FBI prestou “falso testemunho”, de forma “deliberada e consciente”. Além disso, Comey terá tentado “corromper, influenciar, obstruir e impedir” a investigação da Comissão Judiciária do Senado. O Departamento de Justiça pediu ao júri que considerasse três acusações contra Comey, mas acabaram por só avançar duas.
James Comey é tido como um dos inimigos políticos de Trump, um dos que foi, ao longo dos anos, mais criticado pelo actual Presidente norte-americano. E esta acusação enquadra-se num clima político tenso, em que Trump já não tem pejo em perseguir aqueles que entende estarem contra si. Chega apenas cinco dias depois de uma publicação na rede social Truth, onde Trump instava a procuradora-geral dos EUA, Pam Bondi, a acelerar os processos contra o antigo director do FBI e outras figuras com quem se confrontou, como o senador democrata Adam Schiff.
O prazo para acusar formalmente James Comey terminava na próxima terça-feira, dia 30.
Numa série de vídeos publicados no Instagram, Comey – o primeiro antigo director do FBI a ser indiciado por um crime – reforçou que era inocente, mas que tem “grande confiança no sistema judicial federal”. “Eu e a minha família sempre soubemos que haveria um preço a pagar por enfrentar Donald Trump. Não vivemos de joelhos e vocês também não deviam”, afirma.
Se for condenado, pode vir a enfrentar até cinco anos de prisão, ainda que o comunicado da justiça refira que “as sentenças por delitos federais podem ser inferiores às penas máximas”.
Agora que o primeiro dos seus alvos foi acusado, Trump voltou ao Truth para acusar o antigo director do FBI de ser “corrupto” e um “dos piores seres humanos” da história do país. “Foi tão prejudicial para o nosso país durante tanto tempo”, escreve. Por isso celebra: “Que se faça justiça nos EUA”.
“Ninguém está acima da lei”, disse Pam Bondi, num comunicado. A acusação, acredita, reflecte o “compromisso” com a “responsabilização das pessoas que abusam de posições de poder para enganar o povo dos EUA”.
Já a procuradora Lindsey Halligan, recentemente nomeada por Trump para ser procuradora federal do Distrito Leste da Virgínia, considera que as “acusações neste caso representam um abuso da confiança pública a um nível extraordinário”.
Halligan, que foi advogada pessoal de Trump, aceitou o novo cargo na segunda-feira, e antes tinha sido avisada pelo seu antecessor, Erik S. Sieber, que não havia provas suficientes que sugerissem que Comey cometeu qualquer crime. Ainda assim, decidiu avançar.
O actual director do FBI, Kash Patel, descreveu a acusação como “mais um passo” na luta do seu departamento contra a “politização das forças de ordem”, um “capítulo vergonhoso da história”. “Durante demasiado tempo, os líderes corruptos do passado e os seus facilitadores utilizaram as forças federais como uma arma”, afirma. “Danificaram instituições que antes eram dignas de respeito e erodiram gravemente a confiança pública.”
Num movimento contrário, vários democratas condenaram a acusação. É o caso do líder democrata na Câmara dos Representantes, Hakeem Jeffries, que fala num “ataque vergonhoso ao Estado de direito”.
O Kremlin sempre negou qualquer interferência na vida política dos EUA. O Russiagate, uma das armas de arremesso político de Trump, já tinha sido objecto de uma investigação liderada pelo procurador especial Robert Mueller, cujo relatório final concluiu não haver indícios suficientes para provar a “coordenação” entre Trump e a Rússia, mas expôs indícios de interferência russa nas eleições.