A China surpreendeu vários países ao comprometer-se, pela primeira vez, com uma meta concreta de corte de emissões, nesta quarta-feira, e criticou, indirectamente, a retórica de negação das alterações climáticas do Presidente dos EUA, feita um dia antes, na Assembleia Geral das Nações Unidas.
Ao discursar numa cimeira do clima para líderes mundiais organizada em Nova Iorque pelo secretário-geral da ONU, António Guterres, o Presidente chinês, Xi Jinping, garantiu que, até 2035, a China reduziria as emissões de gases com efeito de estufa em 7% a 10% em relação ao momento do pico das emissões, atingido em 2024.
Além disso, Xi, que se dirigiu à cimeira numa mensagem de vídeo em directo de Pequim, avançou que a China planeia aumentar, nos próximos dez anos, a sua capacidade de energia eólica e solar em seis vezes face a 2020, ajudando a aumentar a sua participação de combustíveis não-fósseis no consumo doméstico de energia para mais de 30%.
Até agora, a China apenas se tinha comprometido a limitar o aumento das suas emissões, e não a reduzi-las. Em 2021, o Presidente Xi tinha anunciado apenas que a China tentaria chegar ao pico das emissões de gases de estufa durante esta década, para alcançar a neutralidade carbónica (emitir tanto CO2 como aquele que retira da atmosfera, por exemplo com florestas) até 2060.
No entanto, esta promessa de redução – uma actualização dos compromissos feitos por todos os países que assinaram o Acordo de Paris, e que tem de ser apresentada até antes da próxima Conferência da Convenção do Clima das Nações Unidas, em Novembro, no Brasil -, foi menor do que muitos observadores esperavam.
“Esta última ronda de anúncios de novas metas de redução das emissões por vários países põe o mundo a caminho de um aquecimento global de 2,8 graus Celsius, expondo milhares de milhões de pessoas a ondas de calor mais frequentes e intensas, incêndios florestais, tempestades e inundações”, comentou Ani Dasgupta, presidente do think tank World Resources Institute, citado em comunicado.
“Até 2035, o mundo precisa de reduzir 31,2 gigatoneladas (mil milhões de toneladas) de emissões para cumprir o objectivo de manter o aquecimento global até 1,5 graus. Ou então, 20,2 gigatoneladas para um aquecimento de 2 graus. Com os compromissos anunciado até agora, só temos 6% do necessário para nos ficarmos por 1,5 graus,, ou 10% para 2 graus”, completou Dasgupta.
Avisos aos EUA
Xi instou os países desenvolvidos a tomarem medidas climáticas mais fortes e fez referência, embora sem citar nomes, aos Estados Unidos e ao facto de estes se terem retirado do Acordo de Paris sobre as alterações climáticas. “A transição verde e de redução de gases com efeito de estufa é a tendência dos nossos tempos. Apesar de alguns países irem contra a tendência, a comunidade internacional deve permanecer no caminho certo, manter uma confiança inabalável, acções inabaláveis e esforços inabaláveis”, disse Xi.
Os últimos anúncios de novas metas de redução das emissões feitos por vários países põem o mundo a caminho de um aquecimento global de 2,8 graus Celsius
Ani Dasgupta
Na terça-feira, o Presidente dos EUA, Donald Trump, aproveitou o seu discurso na Assembleia Geral da ONU para rotular as alterações climáticas uma “fraude”, chamar “estúpidos” aos cientistas e criticar os Estados-membros da UE e a China por adoptarem tecnologias de energia limpa.
Trump ordenou a retirada de Washington do Acordo de Paris pela segunda vez, mal regressou à Casa Branca. Assinado há dez anos, este acordo visa impedir que a temperatura média global suba mais de 1,5 graus Celsius, através da aplicação de planos climáticos nacionais, ou então 2 graus, no máximo. Os EUA são o maior emissor mundial de gases com efeito de estufa a nível histórico, e são o segundo maior emissor na actualidade, atrás da China.
Ian Bremmer, cientista político do Belfer Center (Massachusetts=, disse que o discurso de Trump de negação das alterações climáticas entregou o mercado de energia pós-emissões de carbono à China. “Trump quer combustíveis fósseis e os Estados Unidos são, de facto, um poderoso Estado petrolífero”, disse Bremmer. “Mas deixar a China tornar-se o único e todo-poderoso Estado de energia eléctrica do mundo é o oposto de tornar a América grande outra vez… Pelo menos ao nível das preocupações com o futuro.”
Esperava-se que a China aproveitasse a retirada dos EUA da linha da frente para anunciar uma meta de redução de, pelo menos, 30% das suas emissões, para se manter em linha com sua meta anterior de emissões líquidas zero até 2060.
Li Shuo, director do China Climate Hub da Asia Society, disse que o anúncio da China foi uma decepção, tendo em conta a sua rápida produção de energia renovável e de veículos eléctricos. “O compromisso de Pequim representa uma medida cautelosa que dá continuidade a uma tradição política de longa data de priorizar decisões estáveis e previsíveis, mas também esconde uma realidade económica mais significativa”, afirmou.
Li sublinhou, no entanto, que o domínio da China em tecnologia verde e a retirada de Washington podem levar a China a assumir um papel mais proactivo no cenário global.
Um mundo aquém da ambição
Apesar da pressão por novos compromissos climáticos significativos antes da cimeira COP30 deste ano, no Brasil, os anúncios de quarta-feira não impressionaram.
Grupos ambientalistas e observadores afirmaram que as promessas de algumas das maiores economias mundiais ficaram muito aquém do que deveriam ser em termos de redução de emissões, dado o rápido agravamento dos impactos das alterações climáticas.
O Presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, frisou que os compromissos assumidos pelos países antes da cimeira climática da ONU em Novembro, em Belém, no Brasil, serviriam de prova se o mundo “acredita de facto, ou não, na ciência”.
O Brasil comprometeu-se a reduzir as suas emissões em 59% a 67% até 2035 e a intensificar os esforços para combater a desflorestação. “A sociedade vai deixar de acreditar nos seus líderes”, avisou Lula. “E todos nós vamos perder com isso, porque o negacionismo pode realmente ganhar”, acrescentou.
Guterres, que organizou a cimeira à margem da Assembleia Geral das Nações Unidas, garantiu que o mundo está a fazer progressos na transição energética, mesmo que lentos. “O Acordo de Paris fez a diferença”, afirmou o secretário-geral da ONU
As medidas tomadas ao abrigo do acordo de 2015 reduziram o aumento previsto da temperatura média global de 4 graus celsius para 2,6. Este valor ainda está longe da meta declarada de manter o aquecimento global em 1,5 graus. O mundo já aqueceu mais de 1,2 graus em relação à média pré-industrial.
“Agora, precisamos de novos planos para 2035, que cheguem muito mais longe e muito mais rápido”, disse Guterres. A União Europeia ainda não chegou a acordo sobre a sua nova meta climática exigida pela ONU. Contudo, está a elaborar planos para apresentar uma meta temporária, que pode mudar.
A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, assegurou, na cimeira em Nova Iorque, que a UE está no caminho certo para atingir a sua meta de 2030, que é de reduzir as emissões em 55%. A meta de redução do bloco europeu para 2035 ficaria entre 66% e 72%, adiantou.
A Austrália, que planeia receber uma cimeira climática da ONU em 2026, prometeu que, até 2035, reduziria os gases de efeito estufa entre 62% e 70%, ou seja, para valores menores do que os de 2005.
“Queremos levar o mundo connosco na luta contra as alterações climáticas, sem pedir a nenhuma nação que renuncie aos empregos ou à segurança que o seu povo merece, mas trabalhando com todas as nações para aproveitar e partilhar essas oportunidades”, afirmou o primeiro-ministro australiano, Anthony Albanese.
Palau, uma nação insular do Pacífico Sul, em representação da Aliança dos Pequenos Estados Insulares, composta por 39 membros, anunciou a sua própria meta de reduzir as emissões para 44% dos níveis de 2015 até 2035.
O Presidente de Palau, Surangel Whipps, lembrou aos líderes o parecer consultivo emitido pelo Tribunal Internacional de Justiça este ano, afirmando que falhar as obrigações climáticas é ilegal e países prejudicados pelo aquecimento global podem pedir reparações. “Aqueles com maior responsabilidade e maior capacidade de agir devem fazer muito mais”, diz o parecer consultivo do principal tribunal das Nações Unidas, referindo-se às nações industrializadas.