Homens detidos no novo centro de detenção de imigrantes, construído à pressa em Everglades, na Florida — apelidado Alcatraz dos Jacarés—, desapareceram dos registos oficiais do sistema federal de imigração. Advogados e famílias relatam que os nomes deixaram de aparecer na base de dados da agência norte-americana responsável pelos serviços de imigração e fronteiras, Immigration and Customs Enforcement (ICE), surgindo apenas a informação vaga de que era necessário “ligar para o ICE para mais pormenores”.

Uma investigação jornalística realizada pelo Miami Herald concluiu que, no final de Agosto, cerca de 800 homens já não apareciam em qualquer registo, enquanto outros 450 surgiam sem localização precisa. Para muitos advogados, isto significa que os detidos podem ter sido transferidos sem aviso, deportados sem a ordem de afastamento de um juiz, ou simplesmente caíram num limbo onde nem os representantes legais nem os familiares conseguem encontrá-los.

A União Americana para as Liberdades Civis (ACLU, na sigla inglesa), que apresentou acções judiciais contra o estado da Florida, descreve Alcatraz dos Jacarés como um “buraco negro” do sistema migratório: onde os detidos ficam “fora do radar” e os seus direitos básicos são regularmente ignorados. “É um obstáculo significativo à comunicação entre advogado e cliente e mina o processo justo”, declarou Eunice Cho, advogada sénior da ACLU, ao jornal espanhol El País.

Construção apressada e caos administrativo

Alcatraz dos Jacarés foi montado, em apenas uma semana, numa antiga pista de aterragem nos Everglades, a oeste de Miami. A prisão, inaugurada em Julho com a presença do Presidente norte-americano, Donald Trump, foi apresentada como peça fulcral da política migratória da Florida, sob a liderança do seu governador, Ron DeSantis. Contudo, desde os primeiros dias, proliferaram denúncias de más condições de higiene, de alimentação insuficiente e de restrições severas ao acesso a advogados.

A urgência da abertura traduziu-se em falhas graves. “A forma como foi criado de um dia para o outro… Tudo isso dá azo a erros”, comentou John Sandweg, antigo director do ICE durante a Administração Obama.

Advogados relatam, ainda, que muitos clientes foram pressionados a aceitar a deportação voluntária como forma de escaparem às duras condições do centro — que incluem a detenção em jaulas de arame montadas em tendas com pouca protecção contra as intempéries. “Tornou-se um jogo de quem cede primeiro”, explicou o advogado Alex Solomiany. “Os detidos chegam a pedir: ‘Mandem-me de volta’, só para saírem dali”, esclareceu.

Um dos clientes de Solomiany é um homem de 53 anos da Guatemala, que estava nos Estados Unidos desde 2001. Foi enviado para Alcatraz dos Jacarés logo após a sua abertura, depois de ter sido detido pela polícia rodoviária da Florida no condado de Palm Beach. Solomiany apresentou um pedido de libertação sob fiança para o guatemalteco, que trabalhava como pintor de casas, é casado e tem filhos.

O advogado compareceu a uma audiência marcada no centro de detenção de Krome, em Miami, a 1 de Agosto, onde esperava ver o seu cliente. Foi quando um advogado do Governo lhe disse, antes da audiência, que o seu cliente havia sido acidentalmente enviado para a Guatemala em vez de ser transferido para Krome, relatou Solomiany ao Miami Herald.

O centro enfrenta vários processos judiciais. Em Agosto, um juiz ordenou o seu encerramento após acções movidas por grupos ambientalistas e uma tribo nativa americana, que alertaram para o impacto ambiental do centro em zonas húmidas protegidas dos Everglades. Uns dias depois, a decisão foi revertida em tribunal de recurso, permitindo a continuação das operações.

Num email ao El País, o Departamento de Segurança Interna afirmou que o número de detidos em Alcatraz dos Jacarés “flutua constantemente”, à medida que são deportados e transferidos para centros de detenção do ICE para “procedimentos de remoção adicionais”, garantindo que todos têm oportunidade de contactar advogados e familiares. O jornal espanhol revelou também que o ICE não respondeu a pedidos de comentário.

Famílias mergulhadas no desespero

A confusão administrativa tem efeitos directos e devastadores nas famílias. Um dos casos mais dramáticos foi o de Michael Borrego Fernandez, cubano de 35 anos, que esteve detido durante quase todo o mês de Julho. Após estar semanas preso em Alcatraz dos Jacarés, Fernandez foi dado como transferido para um centro privado da Califórnia, de acordo com o localizador de detidos do ICE. A família deixou de ter notícias durante mais de uma semana, até descobrir que ele tinha sido deportado para o México, a três mil quilómetros do local onde deveria estar.

Durante a sua passagem pelo centro da Florida, Fernandez chegou a ser operado de urgência e passou a sua recuperação algemado a uma cama e sem o acompanhamento médico necessário. “Isto é como uma tortura psicológica. Onde está a humanidade?”, perguntou a mãe, Yaneisy Fernandez.

Os advogados alertam que o simples facto dos seus clientes terem passado por este centro, deixa muitas cicatrizes. “Todos eles sofreram resultados muito graves só por terem sido marcados com o rótulo de Alcatraz dos Jacarés”, afirmou o advogado de imigração Zachary Perez, referindo-se à quase meia dúzia de detidos nas instalações que a sua empresa representou.

Futuro incerto

A polémica em torno desta prisão integra-se no endurecimento da política migratória da Administração Trump, que descreveu o centro como parte elementar da sua estratégia de controlo fronteiriço, e defendeu a sua utilidade como “modelo de eficiência” no combate à imigração ilegal no país.

Já o governador republicano Ron DeSantis tem procurado mostrar firmeza, apoiando a gestão estadual do centro e sublinhando que dezenas de imigrantes foram já deportados a partir dali. Mas tanto o governo estadual como o federal têm evitado responder a questões concretas sobre os desaparecimentos e as irregularidades denunciadas por advogados e famílias.

A oposição, por sua vez, acusa Trump e DeSantis de transformarem os Everglades num espaço que viola direitos humanos e escapa ao escrutínio judicial. Spencer Amdur, advogado da ACLU, afirmou que a experiência demonstra por que razão o Congresso norte-americano nunca permitiu que os estados criassem centros próprios de imigração. “Está na altura de acabar com esta experiência falhada”, finalizou.

Enquanto isso, mais de mil pessoas continuam sem paradeiro claro, entre deportações inesperadas, transferências mal registadas e detenções fora das bases de dados federais. Para os familiares, a incerteza é sufocante; para os advogados, um obstáculo ao exercício da defesa legal.

Texto editado por Ivo Neto