Se dúvidas restavam, aí está Donald Trump para as dissipar. Eis uma das maiores conclusões do seu caótico discurso desta semana na assembleia-geral da ONU: o mundo mudou muito graças ao Presidente dos EUA no seu primeiro mandato e, cinco anos depois de se rirem dele, em plena segunda administração Trumpiana, muitos países, senão todos, deixaram de o subestimar.
No seu discurso às outras 192 nações da organização, no ano em que esta completa oito décadas, Trump menosprezou a ameaça das alterações climáticas, alertou para a imigração excessiva e autoelogiou-se enquanto pacificador global, por ter acabado com sete guerras em sete meses (muitas delas inexistentes). Da lista não constam nem a guerra da Rússia na Ucrânia, nem a guerra de Israel contra os palestinianos – que, indiferentes às promessas do líder norte-americano, se intensificaram nos últimos meses.
Acima de tudo, Trump usou o púlpito na ONU para ridicularizar a própria ONU, depois de ter ficado preso numas escadas rolantes a caminho do plenário, e para ridicularizar também as alianças que a ONU tem potenciado ao longo dos últimos 80 anos. Se dúvidas restavam, Trump está aí para as dissipar: a prioridade global hoje, como delineada pelo próprio, é a soberania individual de cada Estado-nação e igualmente o que cada uma delas tem a ganhar, em particular com os EUA de Trump.
Dentro do país, a história é ligeiramente diferente. Depois do afastamento de Jimmy Kimmel do seu late night show, por causa de uma piada relacionada com o assassínio do influencer de extrema-direita Charlie Kirk, o comediante voltou esta semana à televisão americana – deixando a descoberto o quão fraturante foi todo este episódio, até, ou sobretudo, entre os conservadores que tendem a apoiar o Presidente Trump.
Dentro do país, a história é ligeiramente diferente. Depois do afastamento de Jimmy Kimmel do seu late night show, por causa de uma piada sobre a “multidão MAGA” no rescaldo do homicídio do influencer de extrema-direita Charlie Kirk, o comediante voltou à televisão americana – pondo a descoberto o quão fraturante foi o episódio, até (ou sobretudo) para os conservadores que apoiam Trump.
A reintegração de Jimmy Kimmel na grelha da ABC, escreve Tom Wheeler, do Instituto Brookings, um dos mais proeminentes think tanks conservadores da América, “não atenua as preocupações com a liberdade de expressão desencadeadas pela sua suspensão”. Até porque, como deixou claro o presidente da Comissão Federal de Comunicações (FCC), Brendan Carr, “ainda não acabámos” – os americanos devem esperar “uma mudança massiva na dinâmica do ecossistema de media” sob o que Carr classifica como “a estrutura de permissão que a eleição do Presidente Trump proporcionou”.
Entre a barricada Trump foram muitos os que criticaram o afastamento de Kimmel, incluindo Ben Shapiro, Joe Rogan, Tucker Carlson e até mesmo membros do Congresso, como o senador Ted Cruz, que veio falar em manobras “semelhantes às da máfia” que representam “um caminho escorregadio” que abre um precedente grave, porque “o próximo presidente democrata que chegar à Casa Branca fará o mesmo e perseguirá todos os que estão à direita do centro”.
Face às repetidas sugestões de Trump de que a FCC deve revogar as licenças de canais e afiliados locais que teçam críticas à sua administração, “a estratégia Trump-Carr parece estar a remodelar o panorama mediático” rumo à concentração de poderes e influência favoráveis à atual administração, reforça Wheeler.
“Em 2023, Carr escreveu nas redes sociais que ‘a censura é o sonho dos autoritários” e, na época, muitos – incluido eu próprio, interpretaram isso como uma defesa da liberdade de expressão”, adianta o investigador do Brookings. “À luz das ações recentes, parece mais ser um roteiro: usar a censura e o poder da FCC para expandir o controlo autoritário.”
E se mais provas eram precisas, de quinta para sexta-feira mais uma perseguição, resumida assim pela CNN internacional: “Depois de testar regularmente as barreiras da democracia americana no seu segundo mandato, o presidente dos Estados Unidos está agora a ultrapassá-las – a um ritmo alucinante.” Falamos das acusações formais a James Comey, o antigo diretor do FBI que investigou as ligações de Trump à Rússia de Putin durante o seu primeiro mandato.
“Agora está a funcionar. Trump está a traçar publicamente o roteiro da retribuição, e o Departamento de Justiça está a segui-lo”, destaca a CNN. “Os impulsos que antes eram controlados estão a ser postos em prática, e Trump está a fazer publicidade disso.”
No seu monólogo de regresso ao late night, que bateu recordes de audiência, Jimmy Kimmel não se coibiu de lançar larachas ao presidente, descrevendo-o como um “bully de filmes dos anos 80” e acrescentando: “Só Donald Trump tentaria provar que não está a ameaçar a ABC ameaçando a ABC.”
Se dúvidas restavam, e como o discurso da ONU e as acusações a Comey ajudam a descortinar, a doutrina Trump está à vista de todos. Atrevam-se a rir dele agora. — Joana Azevedo Viana