Em entrevista ao jornal Eco, publicada nesta sexta-feira, Miguel Pinto Luz deu a entender que a governação de António Costa, que apresentou o chamado “Simplex Urbanístico” em 2023, falhou porque caiu na “análise simplista de que o problema [dos atrasos nos licenciamentos] está nas câmaras municipais”.
O ministro, que antes de ir para o Governo era autarca, considera que essa é uma perceção “injusta“. “Um grande culpado dos atrasos dos licenciamentos em Portugal é o Estado Central – são processos de licenciamento que entram nas câmaras e, depois, os pareceres de várias entidades do Estado Central não correspondem à velocidade de licenciamento que queríamos”, explicou, dando como exemplos a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), “entre outros, [como] as comissões de coordenação”.
Depois de uma “grande auscultação” a quem está no terreno, o Governo indicou nesse encontro com jornalistas, na quinta-feira, que vai querer, também, “assegurar os títulos, que são uma garantia que a banca precisa e que os notários precisam”.
“Desenhámos um requerimento diferente, em que no requerimento há uma síntese da operação urbanística, que deve ser preenchida pelo arquiteto (com todos os parâmetros urbanísticos identificados e com todos os pareceres que estão anexos ao processo) e este documento viabiliza o deferimento tácito – cuja definição é outro problema que temos que é a forma de contabilizar [o tempo] do deferimento tácito”, referiu Patrícia Gonçalves Costa.
A secretária de Estado disse que “este requerimento, passado o tempo que a câmara tem para se pronunciar, a par do pagamento (auto-liquidação) das taxas, serve de título para avançar para a obra”. Em teoria, “hoje em dia, o deferimento tácito já existe mas ele, muitas vezes, não se conseguia consubstanciar desde logo porque [o construtor] não conseguia avançar para qualquer pagamento” das taxas, explicou a responsável.
O objetivo da proposta legislativa será, também, “disciplinar procedimentos administrativos“, referiu a secretária de Estado da Habitação. Um exemplo: nos pedidos dos pareceres das entidades externas “não há um momento definido para quando é que a câmara devia fazer a recolha dos pareceres das entidades externas – e agora fica definido que esse momento tem de ser o âmbito do saneamento liminar”.
“Logo aí, vamos ganhar tempo na decisão da câmara”, refere a responsável.
O que é o “saneamento liminar”?
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Em termos simples, o “saneamento liminar” numa câmara municipal é uma primeira verificação feita logo no início de um processo administrativo (por exemplo, um pedido de licença de obras, uma reclamação ou um requerimento).
Na prática, quando o processo dá entrada, os serviços da câmara fazem logo uma primeira análise para ver se está tudo em ordem — se estão entregues os documentos necessários, se está dentro do prazo, se a pessoa que apresenta tem legitimidade para o fazer, etc.
Se faltarem coisas básicas ou houver um erro evidente, o processo pode ser logo corrigido, convidando o interessado a completar (por exemplo, entregar uma planta em falta). Mas se for algo impossível de corrigir (como um pedido manifestamente ilegal), pode até ser recusado de imediato, sem avançar para a fase seguinte.
Ou seja, é uma espécie de “filtro inicial” que serve para evitar que processos mal instruídos ou inviáveis ocupem tempo e recursos da câmara.
O anteprojeto legislativo também se debruça sobre o tema da chamada “audiência prévia”. O que está em causa são os casos em que há um Pedido de Informação Prévia (PIP). Isso é uma espécie de pergunta que é feita à câmara por um promotor ou construtor particular. Em termos simples: “‘posso construir um determinado prédio de tal maneira”?
No fundo, o promotor faz uma pergunta à câmara que é, basicamente, uma pergunta de sim ou não. Mas em caso de haver um problema, a câmara passa a ter de “definir criteriosamente” em que é que aquela proposta teria de ser reformulada. “Esta [falta de] disciplina da audiência prévia era uma das razões pelas quais os processos estavam eternamente num bate-bola entre câmara e promotor (ou particular)”.
Por outro lado, há a intenção de se antecipar o pedido (e a anexação ao processo) dos pareceres relevantes. “Se estivermos a fazer uma creche ou um lar, há pareceres que têm a ver com a atividade e não têm nada a ver com a implementação no terreno, e esses pareceres passam a fazer parte da instrução do processo”, referiu a secretária de Estado, acrescentando que “em momento algum um arquiteto da câmara deve ter de se pronunciar sobre a área da sala ou do recreio está correta, ou outra coisa, isto deve vir à cabeça para acelerar o processo”.
Vai-se, ainda, tentar “clarificar conceitos”, por exemplo alguns que estão relacionados com as obras de reconstrução/reabilitação. “Um aspeto em torno do qual existem muitas dúvidas e muita discricionariedade na interpretação pelos municípios é na reconstrução das fachadas”, afirmou Patrícia Gonçalves Costa, adiantando que no anteprojeto se “clarificou que estão isentas de controlo prévio se se reconstruir aquilo que era o ‘antecedente válido’, com pequenas alterações desde que não aumentem a volumetria”.