O ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel, defendeu esta terça-feira nas Nações Unidas que a situação no Médio Oriente vive “um ponto de viragem”, enaltecendo os compromissos assumidos pela Autoridade Palestiniana como “um novo passo” para a solução dos dois Estados, Israel e Palestina e afirmando que “não há justificação para a fome” na Faixa de Gaza. No final da Conferência de Alto-Nível para a Implementação da Solução dos Dois Estados, em Nova Iorque, Portugal assinou uma declaração com outros 14 países em que admite reconhecer o Estado da Palestina.

Intervindo na conferência, o ministro transmitiu a “satisfação” das autoridades portuguesas com o “compromisso efetivo e sem precedentes da Autoridade Palestiniana com algumas condições essenciais, fundamentais para viabilizar a solução dos dois Estados e o reconhecimento da Palestina”.

Entre estas condições, o chefe da diplomacia portuguesa destacou a disponibilidade da Autoridade Palestiniana — no poder na Cisjordânia — para condenar os “atos terroristas” do Hamas, que atacou Israel em 7 de outubro de 2023, e para apelar ao “total desarmamento” do movimento islamita palestiniano.

O apelo à “libertação imediata e incondicional de reféns e prisioneiros” — cerca de 50, dos quais se acredita que 20 estão vivos -; o compromisso com a reforma institucional e a organização de eleições num futuro próximo; a aceitação do princípio de um Estado palestiniano desmilitarizado; a disponibilidade para retomar a administração e o controlo total da Faixa de Gaza, e ainda o reconhecimento do Estado de Israel e das suas necessidades de segurança, foram outros compromissos destacados pelo ministro português como “verdadeiramente significativos”.

“Na realidade, representam um novo passo para a concretização da solução dos dois Estados”, destacou. Para Rangel, a declaração da Autoridade Palestiniana, aliada a “uma nova posição de tantos Estados da região relativamente a Israel e ao seu direito à existência”, marcam “um ponto de viragem”.

O ministro iniciou a sua intervenção na conferência, organizada pela França e pela Arábia Saudita, com um veemente apelo ao fim da guerra, da crise humanitária e da fome. “Este ciclo de violência e destruição tem de parar”, pediu.

Portugal defende que a paz e estabilidade no Médio Oriente “continuarão a ser inalcançáveis enquanto aos palestinianos for negado o seu direito fundamental a um Estado soberano viável e Israel se sentir ameaçado”.

“Para que isso aconteça, a guerra em Gaza deve terminar de imediato e a entrega maciça de ajuda humanitária deve ser retomada sem demora”, afirmou Paulo Rangel. Para o Governo português, “não há justificação para a fome nem para a morte desumana de civis, incluindo crianças”.

“A liberdade de circulação dos palestinianos em Gaza deve ser totalmente restaurada. O deslocamento forçado da população palestiniana é simplesmente inaceitável”, sustentou o ministro.

Rangel pediu igualmente o fim da destruição de casas e propriedades palestinianas na Cisjordânia, bem como da construção de colonatos em territórios ocupados, ilegais à luz do Direito Internacional. “A violência dos colonos contra os palestinianos tem de ser travada“, sublinhou, enquanto pediu a libertação “imediata e sem condições” dos reféns em Gaza.

Sobre o Hamas, referiu que “o horror dos ataques de 7 de outubro não pode ser esquecido” e “o terrorismo nunca pode ser justificado”. O chefe da diplomacia portuguesa acentuou que Portugal “reafirma o compromisso inabalável com a solução dos dois Estados”.

“Só um Estado palestiniano, vivendo lado a lado com Israel, em paz, segurança e prosperidade, pode trazer justiça, verdade e paz à humanidade”, salientou Rangel, que não abordou a questão do reconhecimento do Estado da Palestina por parte do Governo liderado por Luís Montenegro (PSD/CDS-PP).

Depois da sua intervenção, à saída da sede das Nações Unidas, Paulo Rangel foi questionado pela RTP se Portugal se irá juntar ao governo francês no reconhecimento do Estado da Palestina em setembro, na Assembleia Geral da ONU. França anunciou a sua decisão na passada quinta-feira e organizou a cimeira em Nova Iorque, em conjunto com a Arábia Saudita.

O ministro português reiterou que as condições aceites pela Autoridade Palestiniana vão ao encontro das exigências que o primeiro-ministro, Luís Montenegro, tinha definido perante o Parlamento para o reconhecimento da Palestina, mas defendeu que essa decisão está a ser articulada com os outros Estados, que “ainda não fizeram o reconhecimento, mas têm feito um caminho comum”.

Entre estes Estados, Paulo Rangel enumerou França, Luxemburgo, Bélgica, Canadá, mas também os Países Baixos e a Dinamarca. O ministro defendeu que é preciso esperar pelo documento final da conferência, mas declarou que “uma posição comum” parece “provável”. Mais: as intervenções e a articulação nos bastidores com os seus homólogos revelaram “relevantes sinais de convergência de posições que poderiam culminar na Assembleia Geral de setembro”, ocasião em que França — e, condicionalmente, o Reino Unido — vão formalizar a decisão. “Temos de aguardar, não posso dar uma resposta definitiva porque não tomamos posições isoladas”, rematou, ainda assim.

O documento final surgiu depois, no final da conferência sobre a solução dos dois Estados e confirmou a possibilidade que Rangel tinha levantado: Portugal e outros 14 países assinaram uma declaração em que admitem reconhecer o Estado da Palestina e declararam-se empenhados em trabalhar no “dia seguinte” em Gaza.

“Antes da reunião dos chefes de Estado e de Governo que terá lugar durante a semana de alto nível da 80.ª sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU 80) em setembro de 2025, (…) [os chefes da diplomacia de 12 países europeus, Canadá, Austrália e Nova Zelândia] já reconhecemos, expressámos ou expressamos a vontade ou a consideração positiva dos nossos países em reconhecer o Estado da Palestina, como um passo essencial para a solução de dois Estados”, lê-se na declaração conjunta.

Pela Europa, assinam a declaração Andorra, Finlândia, França, Islândia, Irlanda, Luxemburgo, Malta, Noruega, Portugal, San Marino, Eslovénia e Espanha. Entre estes países, Espanha, Irlanda, Noruega e Eslovénia reconheceram o Estado palestiniano no ano passado. França anunciou na semana passada que dará esse passo na Assembleia Geral da ONU, em setembro, e o Reino Unido poderá fazer o mesmo, anunciou o primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, na terça-feira.

“Convidamos todos os países que ainda não o fizeram a aderir a este apelo” sobre o reconhecimento do Estado da Palestina, exortam os ministros na declaração conjunta, que apelam ainda aos países que ainda não o fizeram “a estabelecer relações normais com Israel e a expressar a sua vontade de iniciar discussões sobre a integração regional do Estado de Israel”.

Os 15 países afirmam-se ainda determinados em “trabalhar numa arquitetura para o ‘dia seguinte’ em Gaza que garanta a reconstrução de Gaza, o desarmamento do Hamas e a sua exclusão da governação palestiniana”. Os ministros condenam o “hediondo ataque terrorista antissemita de 07 de outubro de 2023”, perpetrado pelo movimento islamita palestiniano em território israelita, que causou cerca de 1.200 mortos e perto de 250 reféns — dos quais cerca de 50, incluindo 20 vivos, permanecem detidos no enclave palestiniano.

Exigimos um cessar-fogo imediato, a libertação imediata e incondicional de todos os reféns do Hamas, incluindo os restos mortais, bem como a garantia de acesso humanitário sem obstáculos”, reclamam, na declaração.

A declaração expressa “profunda preocupação com o elevado número de vítimas civis e a situação humanitária em Gaza” e sublinham o “papel essencial” das Nações Unidas e das suas agências na “facilitação da assistência humanitária”.

[Horas depois do crime, a polícia vai encontrar o assassino de Issam Sartawi, o dirigente palestiniano morto no átrio de um hotel de Albufeira. Mas, também vai descobrir que ele não é quem diz ser. “1983: Portugal à Queima-Roupa” é a história do ano em que dois grupos terroristas internacionais atacaram em Portugal. Um comando paramilitar tomou de assalto uma embaixada em Lisboa e esta execução sumária no Algarve abalou o Médio Oriente. É narrada pela atriz Victoria Guerra, com banda sonora original dos Linda Martini. Ouça o segundo episódio no site do Observador, na Apple Podcasts, no Spotify e no Youtube Music. E ouça o primeiro aqui]