Um estudo recente trouxe à tona novas evidências que apontam uma probabilidade de 85,7% de que a versão de ‘O Tocador de Alaúde‘, pertencente à Badminton House, seja uma obra autêntica do renomado artista italiano do século 17, Caravaggio. A pintura, adquirida no século 18, havia sido considerada uma simples cópia por especialistas da Sotheby’s e do Metropolitan Museum of Art, em Nova York.
Pesquisas científicas realizadas pela Art Recognition, uma empresa suíça especializada em autenticação de obras de arte, em colaboração com a Universidade de Liverpool, utilizaram inteligência artificial para analisar a pintura. Segundo a Dra. Carina Popovici, responsável pelo estudo, um resultado acima de 80% é considerado excepcional. “A análise revelou uma correspondência forte com pinturas verificadas”, disse ela.
Caravaggio, conhecido por sua técnica revolucionária de claroscuro e pela realismo marcante em suas composições, é um dos artistas mais reverenciados da arte ocidental. A raridade de suas obras torna cada nova descoberta valiosa; um exemplo é uma pintura descoberta em 2019 que foi avaliada em cerca de 96 milhões de libras esterlinas. Em contraste, ‘O Tocador de Alaúde’ da Badminton House foi vendido pela Sotheby’s como cópia em 1969 por apenas 750 libras, e posteriormente como parte do círculo de Caravaggio por aproximadamente 71 mil libras.
A aquisição mais recente da obra foi feita pelo historiador e marchand de arte britânico Clovis Whitfield, um especialista em mestres antigos italianos. Whitfield reconheceu a qualidade da pintura e sua conformidade com uma descrição feita pelo biógrafo Giovanni Baglione em 1642. Ele destacou detalhes observados minuciosamente, como o reflexo nas gotas de orvalho das flores.
Existem três versões conhecidas do ‘O Tocador de Alaúde’: uma autêntica no Hermitage, na Rússia; outra na coleção Wildenstein, onde a figura do tocador é feminina; e a versão da Badminton House. Em 1990, Keith Christiansen, então chefe de pinturas europeias do Met, descreveu a versão Wildenstein como original e a Badminton como cópia.
Whitfield adquiriu a pintura junto com Alfred Bader, um colecionador falecido em 2016. Em correspondência com Bader em 2007, Christiansen afirmou que nenhum estudioso moderno consideraria a pintura da Badminton como sendo de Caravaggio. Whitfield argumentou que alguns acadêmicos estavam “presos na lama tradicional” ao rejeitar essa atribuição.
A análise da Art Recognition também indicou que a versão Wildenstein não é autêntica. Popovici comentou: “Nossa IA retornou um resultado negativo”. David Van Edwards, um fabricante renomado de alaúdes e presidente da Lute Society, também notou que o instrumento na versão Wildenstein apresenta falhas significativas se comparado aos alaúdes nas pinturas da Badminton e Hermitage.
William Audland KC, advogado e amante da arte que está escrevendo um livro sobre ‘O Tocador de Alaúde’, afirmou: “Como advogado e litigante, analiso todas as evidências em qualquer caso com muito cuidado forense. Levando todas as evidências em consideração, parece-me que está sendo cometida uma injustiça manifesta por qualquer acadêmico que sugira que a versão de Wildenstein é autógrafa e a versão de Badminton é uma cópia de má qualidade”. Ele enfatizou que uma visão holística das evidências aponta para conclusões opostas às opiniões subjetivas dos estudiosos.
No final do século 16, Caravaggio vivia nas ruas de Roma quando foi acolhido pelo Cardeal Francesco Maria del Monte, seu principal patrono. Logo após essa fase difícil, ele pintou ‘O Tocador de Alaúde’, evidenciando seu talento ao potencial patrocinador. Na década de 1620, a coleção Del Monte foi vendida; Antonio Barberini adquiriu cinco obras de Caravaggio incluindo ‘O Tocador de Alaúde’, que seria comprada um século depois pelo terceiro Duque de Beaufort.
Whitfield e Popovici discutirão os detalhes da pintura em um novo podcast intitulado ‘Is It?’, o primeiro de uma série que será lançada no dia 27 de setembro sob apresentação do Dr. Noah Charney. Geraldine Norman, especialista reconhecida no mercado de arte, também está desenvolvendo um documentário sobre toda a história da obra, conforme repercute o The Guardian.
Atualmente na cidade de Londres, Whitfield expressou seu desejo de que a pintura integre uma coleção pública, especialmente após o National Gallery ter recebido um investimento histórico de 375 milhões de libras. No catálogo de vendas da Sotheby’s em 2001, foi sugerido que o autor poderia ser Carlo Magnone, mencionado em registros como tendo pintado uma cópia de ‘O Tocador de Alaúde’ em 1642.
George Gordon, co-presidente da Sotheby’s para Pinturas Antigas Mundiais, descreveu o extenso artigo do catálogo como “pensativo e abrangente”, observando que muitas obras de Caravaggio foram copiadas durante sua vida, conforme indicam fontes escritas e inventários romanos do início do século 17.
Éric Moreira é jornalista, formado pelo Centro Universitário Belas Artes de São Paulo. Passa a maior parte do tempo vendo filmes e séries, interessado em jornalismo cultural e grande amante de Arte e História.