Consulta a um espaço mais recôndito de uma estante botou-me frente a frente com uma colônia de cupins empenhados em mastigar um livro, atravessá-lo de capa a capa e digeri-lo. Refeito do susto, fui aos livros vizinhos temendo encontrar um banquete geral, mas, por sorte, ele se limitava àquele livro: “Os Bastiões da Nacionalidade” (1923), de Elysio de Carvalho, um dos grandes nomes das letras de então.
Elysio era um prodígio: dândi, discípulo de João do Rio, tradutor de Oscar Wilde, historiador (“Esplendor e Decadência da Sociedade Brasileira”), romancista de costumes (“Five O’Clock”), lexicógrafo (“Gíria dos Gatunos Cariocas”) e teórico e prático da criminologia —pioneiro no estudo da fotografia, datiloscopia, estatística e psicanálise na solução de crimes (“Sherlock Holmes no Brasil” e vários outros). Disputado pelas editoras, era de uma produção assustadora: lançava cinco ou seis livros por ano. Sua carreira refletia o frenético mundo editorial do Rio nos anos 1910 e 1920.
Tenho todos os livros citados de Elysio de Carvalho e mais alguns. Os cupins, no entanto, concentraram-se em “Os Bastiões da Nacionalidade”. Alguma coisa nos perfis de Bonifácio, Mauá, Nabuco e demais bastiões deve tê-los fascinado a ponto de, assim que o atacaram, não conseguirem largá-lo. Explica-se: assim como tantos jornalistas e escritores cariocas daquele tempo, Elysio já era moderno —escrevia sem os beletrismos parnasianos ou modernistas em moda.
Depois de fulgurante atuação no Rio, Elysio morreu em Davos, na Suíça, em 1925, aos 45 anos. E, ao contrário do que é normal no Brasil, não está esquecido. Há teses e dissertações recentes sobre sua obra e reedições, como a de “Five O’Clock” e da criminalística. Mas os cupins não quiseram saber. Foram direto à minha edição original, impressa e encadernada pela Garnier em Paris, com um hoje irresistível mofo de 100 anos, ainda tresandando às águas que se batiam contra os cais do Sena.
Achei justo. Se fosse cupim, eu teria feito o mesmo.
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