Tati Weston-Webb abre intimidade sobre maternidade e gravidez

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Crédito: Leonardo Catto/Estadão

Foto: Tauana Sofia

Tati Weston-WebbSurfista medalhista de prata em Paris-2024

Não é novidade que o machismo é reproduzido também no esporte. Tati Weston-Webb vai contra a maré ao discutir a maternidade enquanto atleta de alto rendimento, sem colocar a gravidez de pouco mais de 22 semanas como empecilho para manter objetivos no surfe. Prata em Paris-2024, a surfista pausa a carreira sem deixar o mar de lado e prevê uma volta ainda mais “poderosa”.

Em conversa com o Estadão, a brasileira-havaiana conta sobre a parada em competições, à beira de ter um burnout. “Foi uma decisão super difícil. Eu tava super morrendo medo, porque eu nunca tive essa pausa na minha carreira, eu nunca perdi nenhum evento nos 10 anos no circuito mundial”, conta a surfista de 29 anos.

“Como é que uma pessoa consegue competir 10 anos sem perder nenhum evento, sabe? Ainda machucada, eu tava competindo”, diz. Desta vez, mesmo que a lesão não fosse evidente, a saúde cobrou.

Tati Weston-Webb anunciou pausa na carreira em 2025. Foto: William Lucas/COB

A pausa veio acompanhada por uma mudança no calendário da Liga Mundial de Surfe (WSL), que passa a ter as etapas entre abril e dezembro em 2026 e não mais de janeiro a setembro. Como um recurso precioso, Tati ganhou tempo; e o sonho de ser mãe, espaço.

“É um tópico que poderia ser bem empoderador. E deixa a gente mais poderosa. Como um olhar na esporte”, opina a surfista sobre maternidade de atletas.

As nossas responsabilidades como mulher, especialmente se você quer ter uma família, caem em cima da gente. A gente acha que é uma coisa que vai acabar com a nossa carreira, que vai fazer nunca mais chegar no nível alto. Mas isso é muito mentira

Tati Weston Webb, sobre mulheres e maternidade

Não se fala muito sobre maternidade no esporte. Por vezes, é visto como um problema. Como você tem encarado isso?

A gente realmente não fala muito sobre maternidade, nós no nosso esporte, especialmente surfe. Eu acho que está realmente começando a evoluir em outros esportes. Esse ano eu vi que a WTA, de tênis, anunciou coisas bacanas para as mães e para as mulheres que queriam ser mães para tirar um tempo, para guardar os óvulos. (A associação “protege” o ranking das atletas que se afastarem).

Eles estão sempre incentivando as meninas, as mulheres, ser mãe mesmo e criar uma família. Eu acho isso super importante, porque, a gente fala das nossas responsabilidades como mulher, especialmente se você quer ter uma família, isso cai em cima da gente.

Então, pode ser bem sensível, na verdade, mas eu acho que é um tópico que poderia ser bem empoderador. E deixa a gente mais poderosa. Como um olhar na esporte.

E eu acho que, no surfe, você não vê isso muito. Só hoje em dia que você vê a Clarissa (Moore), a Joana (Rocha) e agora eu, querendo ser mães e falando assim: “Ah, de qualquer forma a gente vai querer ter os nossos filhos e vamos vamos ver o que vai acontecer”.

Por que você acha que a maternidade é um tópico empoderador para as atletas?

Eu acho isso porque, na minha opinião, não tem nada mais difícil de ser uma mãe. Você poderia lutar por uma medalha de ouro, mas nada vai ser mais difícil do que ser uma mãe e nada vai te gratificar mais do que ser uma mãe.

Então, eu tenho certeza disso, eu ouvi isso de muitas mães e muitas pessoas, quando eu falei que eu queria muito ser mãe para minha psicóloga, ela falou: “Você não sabe quanto você vai conseguir alcançar depois de ter a sua filha ou seu filho, sabe?”.

A gente acha que é uma coisa que vai acabar com a nossa carreira, que vai (fazer) nunca mais chegar no nível alto. Mas isso é muito mentira. A gente consegue fazer ainda mais, além do que a gente já fez. Então eu acho que a gente tem de olhar com essa visão. Ver que é muito possível ser mais poderosa do que nunca sendo uma mãe.

Você poderia lutar por uma medalha de ouro, mas nada vai ser mais difícil do que ser uma mãe e nada vai te gratificar mais do que ser uma mãe.

Tati Weston-Webb sobre maternidade.

No seu caso, a gravidez veio em um momento que você tinha dedicado para cuidar da saúde mental. Como foi essa decisão?

Eu falo tudo para minha psicóloga. E esse é um comentário que eu fiz com ela, acho que foi muito tempo atrás já. Porque, hoje, ela já sabe tudo sobre mim (risos).

Ela começou: “Ah, fala sobre ti, então”. Falei, na época: “Ah, meu sonho maior é para criar uma família, depois de ganhar uma medalha”.

Ano passado foi super correria, não só ano passado, mas os anos anteriores também. A gente tava trabalhando muito, eu me dedicando muito para conseguir a medalha que eu consegui (em Paris-2024).

E foi um tempo incrível na minha carreira, eu estava me sentindo super bem, na melhor forma física que eu já tive. Eu estava realmente no auge da minha carreira.

E, depois, eu acho que eu senti muito essa pressão de continuar nesse nível alto, só que eu não tinha mais energia para ir. Então, realmente, quando começou esse ano, eu estava super empolgada em tentar movamente.

Tati Weston-Webb conquistou a prata nas ondas do Taiti, em disputa dos Jogos Olímpicos de Paris. Foto: William Lucas/COB

Os sentimentos, quando o ano começa, são sempre os os mesmos. Você fica empolgada, você vê a oportunidade, especialmente, de conquistar um título com esse pensamento que você está na melhor forma no no auge da sua carreira, por exemplo.

E eu estava sentindo isso, só que chegou na hora, e eu comecei tentar surfar minhas baterias, eu tive planos claros antes de entrar na água e parecia que eu entrava na água e meu cérebro dava um branco, sabe? Tipo, não conseguia, não conseguia fazer o meu plano do jeito que eu queria, não não tava funcionando.

E foi super difícil. Eu falei isso para minha psicóloga. “Olha só, foi muito estranho. Parece que eu tô vivendo aqui nesse mundo meio que perdido da bateria agora”.

“Eu tô fazendo tudo igual, tô treinando igual, tô assim, só que não tá funcionando”. E ela já e deu um passo para trás e falou assim: “Olha, vamos continuar monitorando isso”. O próximo evento foi bom, eu fui bem, só que também não tive resultado.

No terceiro evento do ano, em Portugal, eu chegava na praia, cara, eu não sentia nem vontade de surfar. E eu falei: “Ih, não tá dando certo”. Normalmente, eu sou uma pessoa muito competitiva e eu não tava sentindo isso mais.

Mas eu tava com medo porque eu nunca senti uma fraqueza mentalmente. Eu sempre tive essas conversas com ela (psicóloga). Eu acho super importante como atleta ter isso, como uma parte da rotina.

Ela falou: “Olha, eu não queria falar isso no começo, mas você tá realmente com as primeiros fases de burnout. Eu sugeriria para você parar de competir porque você tem chance de piorar o seu relacionamento emocional com competição”.

Foi uma decisão super difícil para tomar. Eu tava super morrendo de medo, porque eu nunca tive essa pausa na minha carreira, eu nunca perdi nenhum evento nos 10 anos no circuito mundial e, para mim, foi uma loucura isso. Como é que uma pessoa consegue competir 10 anos sem perder nenhum evento, sabe? Nem machucada. Eu tava, ainda machucada, competindo.

E ela continuou assim: “Você tem que entender que agora não é sobre só querer continuar, aquela cabeça de pensar que você sempre pode vencer as coisas e vencer esses sentimentos, não funciona assim”.

Eu concordei, porque eu não tava sentindo essa vontade e também não estava presente nas baterias. E isso foi um sentimento horrível para mim.

Eu tava surfando free surf, fora das baterias, incrível. Eu tava surfando muito bem, sabe? Mas, na bateria, não tava indo. E, nossa, me deu muito medo.

Só que, logo após a minha decisão, a WSL anunciou que o calendário do ano que vem ia mudar. E o Jesse (Mendes, marido de Tati) já falou: “Olha, nosso sonho sempre foi ter uma família e talvez a gente consegue ter um filho e voltar”.

Então eu tive muito apoio do meu marido também, porque ele falou assim: “Amor, se você nunca competir de novo, você tá feliz com sua carreira? É isso que eu quero para ti”.

Só que não é o nosso plano, o nosso plano é para continuar tentando competir, com a minha bebezinha, vai ser muito legal. Obviamente, eu sei que vai ser difícil, com certeza, mas como eu falei antes, eu acho que realmente é uma coisa que a gente pode poderia empoderar nossas vidas e vamos ver o que vai acontecer.

Antes da prata em Paris-2024, Tati Weston-Webb foi campeã pan-americana em Santiago-2023. Foto: Willian Lucas/COB

Tem como já traçar objetivos mirando a volta às competições?

Olha, eu acho que por enquanto eu tô deixando muito mais simples na minha cabeça, sabe? O meu objetivo principal é voltar é forte, com essa determinação que eu tive antes e com apoio de todo mundo. É só isso.

Eu sei que é tem essa responsabilidade de eu continuar lutando pro título de eu continuar lutando para a próxima Olimpíada com isso na mente. Vamos começar com o primeiro passo, né?

Então, o primeiro passo seria tentar voltar ao tour com bastante confiança, com bastante felicidade, competitividade e essas coisas assim que cria um atleta de alto nível.

Enquanto isso, tem uma galera jovem surfando num caminho que você ajudou a abrir, né?

Eu sou muito sortuda, a gente teve muitos momentos incríveis ao longo dos anos. Eu, a Tainá (Hinckel), a Luana (Silva), até a Silvana (Lima), sabe? Eu tive muitos momentos incríveis, junto dessas meninas que também me inspiram.

A gente sabe que a gente precisa do apoio das outras meninas. A gente levanta uma à outra. E eu acho que isso é mais claro hoje em dia do que nunca. Especialmente no lado feminino. E eu acho que elas me veem como uma pessoa que realmente quer o melhor para elas. E eu tenho certeza que elas sentem isso também;.

Eu quero que elas tenham muito sucesso e muito muita felicidade e assim, obviamente eu quero que elas ganhem os eventos que elas estão correndo, mas também é difícil quando eu tô do lado delas também competindo.

Então, agora é uma fase diferente. Eu tô ligando para a Luana bastante, e a gente tá falando sobre o tour, sobre mudanças. Mas é sobre isso. Hoje em dia, para as mulheres, é diferente, a gente tá sempre querendo dar o melhor para cada mulher que tá no esporte, no nosso esporte.

Ainda sobre o surfe, você começou a parceria com o Mineirinho, mas logo teve a pausa. Deu para já sentir um gosto de tê-lo como técnico?

Eu acho ele um técnico incrível, realmente. Eu senti mal, porque ele entrou na minha vida num fase que não era boa para mim, de verdade. Então, não consegui desfrutar da sabedoria dele.

Eu acho que não deu para tocar nas coisas que a gente poderia tocar com todas nossas forças juntos, só que, assim é como funciona a vida, a gente nunca sabe o que vai acontecer.

E aconteceu isso, mas ele apoiou muito, ele entendeu muito. Ele já também já passou, mais ou menos, para uma coisa assim, quando ele anunciou a aposentadoria dele. Ele também falou que estava super cansado e que ele cansou de viajar, de ficar longe da família, de ficar é sempre dando 110% todos os dias. Ele cansou disso e ele sabe bem esse sentimento.

Então muitas vezes a gente precisa dessa pausa. Não somos máquinas. Somos apenas seres humanos, sabe?

Adriano de Souza, o Mineirinho, começou trabalho como técnico de Tati Weston-Webb em janeiro. Foto: @tatiwest via Instagram

Você tem na sua bio do Instagram o versículo Coríntios 13:13, sobre fé, esperança e amor. É o que define sua vida, você diria?

Esse versículo é um dos meus preferidos. A gente sabe que tem muito mais além do que só viver aqui nesse mundo. A gente é vive da melhor forma. Tentando espalhar amor, felicidade, esperança. Para mim, isso não tem nada melhor que isso, espalhar amor, respeito, esperança.

Nosso mundo é cheio de coisas negativas. E eu não sou uma pessoa pessimista. Eu gosto de sempre olhar para as coisas boas.