Pouco fiável e confiável“. É desta forma que o antigo candidato à Presidência da República António Sampaio da Nóvoa descreve Gouveia e Melo, apontado como o candidato mais bem colocado nas sondagens para suceder a Marcelo Rebelo de Sousa nas eleições presidenciais de janeiro.

Em entrevista ao JN e TSF, admitiu que o almirante e ex-chefe do Estado-Maior da Armada “parecia um candidato interessante” num primeiro momento, destacando a “maneira como tratou das questões da Covid”, ao enfrentar os negacionistas. Porém, Sampaio da Nóvoa defendeu que, ao longo de 2025, Gouveia e Melo tem revelado inconstância nas suas posições, o que o levou a uma análise muito crítica sobre o candidato presidencial.

Tem sido um ziguezague permanente, uma hesitação permanente, uma aproximação a forças antidemocráticas e de repente um piscar de olho a forças mais progressistas, tem-se mostrado um candidato, nesse sentido, pouco fiável e confiável nas suas posições”, observou.

Nesse sentido, defendeu que uma eventual segunda volta das presidenciais disputada por Gouveia Melo e André Ventura seria “o cenário pior” para o país. “A nossa democracia tem dois pilares essenciais, o Partido Socialista e o Partido Social Democrata. A fragilização de qualquer um destes partidos é uma péssima notícia para a democracia”, enfatizou, prosseguindo: “A possibilidade de que toda a gente fala, e que eu não quero imaginar, de uma segunda volta das presidenciais entre Gouveia e Melo e André Ventura seria uma derrota brutal para as correntes progressistas”.

Questionado sobre a decisão de não avançar novamente para a corrida presidencial, Sampaio da Nóvoa assegurou ter recebido “muitos apoios” à esquerda, mas não quis contribuir para uma maior divisão dos votos. “Podia eventualmente ser visto como um fator de divisão ou como um fator de fragmentação, algo que eu nunca serei. Se posso dar alguma coisa aos portugueses, é sempre numa perspetiva de convergência democrática. É desse sentido de convergência que precisamos também nas presidenciais”, disse.

“O apelo que eu tenho a fazer a todos os candidatos que estão no terreno é que falem uns com os outros, que encontrem uma base de diálogo, que encontrem alguma coisa que nos permita ir às eleições com esperança e não apenas cumprir um dever partidário de votar no candidato do meu partido ou do outro”, acrescentou o antigo reitor da Universidade de Lisboa.

Na análise de Sampaio da Nóvoa, “devem ser unidos esforços” no contexto das várias candidaturas presidenciais para agregar votos que afastem o cenário de passagem do presidente do Chega a uma segunda volta das eleições de janeiro. “Julgo que seria dramático para a nossa democracia a passagem à segunda volta de uma pessoa que tem revelado claramente tendências antidemocráticas, de ódio, de violência, de agressividade”, afirmou.

Devemos fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para que André Ventura não esteja na segunda volta das presidenciais. Se conseguirmos, nas autárquicas, criar uma barreira à eleição de presidentes de Câmara vindos do Chega, se conseguirmos, nas presidenciais, impedir a passagem à segunda volta, eu acho que recolocamos o Chega e as forças antidemocráticas no seu lugar”, afiançou, sem deixar de criticar o peso sobre a agenda e o tempo “desproporcional” que o Chega detém na comunicação social.

Relembrando que a cedência a totalitarismos aconteceu “pela conivência” e “pela cumplicidade de muita gente, Sampaio da Nóvoa apelou a uma reação da população contra uma certa ideia de inevitabilidade de ascensão ao poder de André Ventura e do Chega.

Portugal está muito adormecido. É preciso acordar os portugueses. É preciso combater um certo fatalismo que tenho ouvido de amigos próximos, como se fosse uma fatalidade cairmos outra vez numa ditadura e recuarmos décadas no nosso desenvolvimento. Eu, pela minha parte, não estou disposto a perder o país que nos deu tanto esforço a construir, um país de dignidade, um país de democracia com imensos defeitos, sim, mas um país do qual nos orgulhamos. Não estou disposto a perder este país sem luta”, frisou.

Sampaio da Nóvoa lamentou o diagnóstico de Marcelo Rebelo de Sousa relativamente às dissoluções da Assembleia da República, ao considerar que tiveram um peso decisivo no reforço do populismo, com o agravamento da instabilidade política nos últimos anos. “Três dissoluções da Assembleia da República em pouco mais de três anos foram uma violência brutal sobre a democracia”, vincou.

A partir da metáfora da “bomba atómica”, o ex-candidato presidencial lembrou que com a dissolução do Parlamento “arrasa-se muita coisa”. “E as três bombas atómicas lançadas em três anos foram uma violência democrática absolutamente imensa. As pessoas sentiram-se abandonadas, zangadas, e isso foi o pasto fértil para estes populismos“, indicou.

Apesar de realçar uma “enorme admiração” por Marcelo Rebelo de Sousa, com foco na “personalidade exemplar do ponto de vista democrático”, na “grande cultura” e nos “valores certos”, Sampaio da Nóvoa salientou que o ainda Presidente da República “não resistiu à intervenção constante”.

“Ele um dia disse que uma das suas funções principais era ser um pica-balões. Isto é, sempre que há um problema, eu vou lá tentar esvaziar o balão. Na verdade, nunca esvaziou o balão. Encheu sempre, e ao encher ficou prisioneiro das palavras e as três dissoluções tornaram-se inevitáveis. No tempo em que estive no Conselho de Estado e em que fui obrigado a pronunciar-me, fui sempre contra. A estabilidade é um valor maior para criar a confiança e o sentido de governação. E depois há um terceiro ponto que tem faltado de forma nítida na política portuguesa, que é uma ideia de futuro”, afirmou.

Marcelo Rebelo de Sousa não foi o único alvo das críticas, já que Sampaio da Nóvoa visou também o ex-primeiro-ministro António Costa. “Faltou ali qualquer coisa, a governação não teve o ânimo, o ímpeto”, referiu, concluindo: “Sinto que falhou ao país até antes de ser demitido. Aquele último Governo já não tinha fôlego, já não tinha ideia de futuro. A maneira como o próprio PRR foi construído foi muito mediana, sem grandes prioridades, sem grandes estratégias”.

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