O canibal está de volta para ocupar o trono de Cervera como um verdadeiro mágico. As alcunhas são quase tantas como a sua idade e os anos que leva como piloto de motociclismo. Chama-se Marc Márquez, tem 32 anos, nasceu na pequena cidade de Cervera, na Catalunha e está no MotoGP desde 2013. A partir deste domingo, é conhecido como o “atual campeão em título”, registo que alcançou pela sétima vez, o que lhe permitiu igualar as conquistas do histórico Valentino Rossi. Melhor só o intocável Giacomo Agostini que, entre 1966 e 1975, levantou o título em oito ocasiões, falhando a reconquista apenas em 1973 e 1974. No total, este é o nono título do mais velho dos irmãos Márquez, que já tinha levantado o troféu nas 125cc e no Moto2, registo em que também iguala Rossi e só é superado por Agostini (que tem 15).

A corrida possível na consagração esperada: Miguel Oliveira chega aos pontos no Japão com 14.º lugar, Marc Márquez é campeão

Antes de Motegi, 2025 já estava a ser o ano de reafirmação de Marc Márquez, que precisou de apenas 16 corridas para bater o recorde de pontos de uma só temporada – 508, de Jorge Martín, em 2024. Chegou ao Japão com 512 e uma regularidade pouco vista, que o levou a falhar o pódio apenas duas vezes: na América, onde desistiu, e em Espanha, onde não foi além do 12.º lugar. Para além disso, venceu 11 corridas principais, com dois segundos lugares e um terceiro, e ganhara 14 das 16 sprint. O domínio do catalão tem sido avassalador, traduzindo-se agora em título a cinco corrida do fim do campeonato. Em casa da Honda, a sua antiga equipa, o Ducati consumou a sua 100.ª vitória na história das categorias MotoGP e a sua sexta em solo nipónico (2010, nos 125cc, 2012, no Moto2, e 2016, 2018, 2019 e 2025, no MotoGP).

Nascido em 1993, Marc Márquez começou a sua caminhada no motociclismo algures no final do século passado, em que teve contacto com o enduro. Chegou a precisar de acrescentar 20 quilos à sua moto para atingir o mínimo de peso exigido, mas os bons resultados apareceram desde cedo, ao conquistar, com apenas oito ano, o título de campeão da Catalunha de motocross-iniciação. Dois anos depois venceu o Catalunha Open R.A.C.C. na categoria de 49cc e, em 2004, foi vice-campeão catalão de 125cc, atrás de… Pol Espargaró. No ano seguinte conquistou o troféu pela primeira vez e revalidou-o em 2006, conquistando, em 2007, o oitavo lugar no campeonato espanhol de velocidade, em 125cc. Estreou-se no escalão mundial de 125cc, atual Moto3, em 2008, ao serviço da KTM.

A temporada começou bem antes das corridas oficiais, já que Márquez teve de seguir uma rigorosa dieta para ganhar peso. Foi ainda nomeado embaixador dos voluntários da Expo-2008, que se realizou em Saragoça. Durante os treinos de preparação para a época, sofreu uma dura queda em Jerez, que o levou a fraturar o antebraço direito. Resultado? Foi operado, colocou placas de titânio especiais e falhou as primeiras provas do Mundial. A estreia deu-se em abril, no Circuito do Estoril, onde foi 18.º. Na prova seguinte, na China, conseguiu os seus primeiros pontos. O primeiro top 10 apareceu em Barcelona, em junho, ao ser décimo.

O dia 22 de junho de 2008 ficará eternizado na história do motociclismo espanhol, já que, em Donington Park, Márquez foi terceiro no Grande Prémio da Grã-Bretanha e tornou-se no mais jovem espanhol a subir ao pódio (15 anos e 126 dias), superando Dani Pedrosa (15 anos e 359 dias). Melhor só Iván Palazzese, que conseguiu o primeiro pódio com 15 anos e 77 dias. No final do ano voltou a lesionar-se, voltando apenas em 2009. Foi nesse ano que assinou um contrato publicitário com a Red Bull e pilotou uma KTM de fábrica, mas o azar continuou a bater à porta, caindo na primeira corrida do ano, no Qatar.

Em Jerez, conquistou a primeira linha da sua carreira e regressou ao pódio, com um terceiro lugar. Na quarta corrida, em Le Mans, o canibal superou Jorge Lorenzo (16 anos e 160 dias) e rubricou a pole position mais jovem do motociclismo espanhol (16 anos e 68 dias) e a segunda a nível mundial, atrás de Marco Melandri (15 anos e 345 dias), mas durante a corrida e desistiu, já depois de ter voltado a subir à moto e sofrido nova queda. As quedas foram uma constante nesse ano, em que terminou no oitavo lugar, com 92 pontos.

Em 2010 foi forçado a mudar para a equipa finlandesa Red Bull Ajo, depois de a KTM ter saído do Mundial de velocidade. A correr numa Derbi, esteve em grande na pré-temporada, em que até praticou esqui em terras nórdicas. Cresceu alguns centímetros no inverno, chegou aos 57 quilos sem fato e capacete, abdicando, pela primeira vez, de colocar peso adicional na moto.

A primeira vitória surgiu em Itália e seguiram-se mais nove, ao longo de 16 corridas. No final, foi coroado campeão do mundo da categoria mais baixa, em Cheste, e converteu-se no espanhol mais jovem a ganhar o campeonato, com 17 anos e 263 dias, mais 100 que Loris Capirossi, que detinha o recorde a nível mundial. No ano seguinte subiu aos Moto2, com uma Suter. Contudo, a nova vida começou mal, sofrendo quedas consecutivas nas três primeiras corridas. A resposta apareceu em França, onde conquistou a primeira vitória na categoria depois de ter começado em sexto. Terminou a época com sete vitórias e 11 pódios, mas as quedas e os problemas de visão levaram-no a falhar as duas últimas provas, que valeram o segundo lugar do Mundial, atrás de Stefan Bradl.

Depois de muito se especular, Marc Márquez continuou no Moto2 e despontou para uma temporada dominadora, com nove vitórias, 14 pódios e um quinto lugar como pior resultado. Para a história fica a corrida de Valência, última da temporada, em que saiu do 33.º e último lugar, devido a uma sanção imposta nos treinos livres. No final, ganhou 32 posições e protagonizou a remontada mais épica da história do MotoGP.

Para lá da conquista do Grande Prémio, levantou o título do Moto2, antes de subir à categoria rainha. Foi pela mão da Honda que Márquez chegou ao MotoGP para fazer história, ao converter-se no piloto mais jovem a vencer o Campeonato, com 20 anos e 266 dias. Daí em diante, tornou-se no mais jovem a ser bicampeão (2014), a conquistar o terceiro título (2016), o quarto (2017), o quinto (2018) e o sexto (2019). Foi nos seus anos de ouro que se tornou no piloto com mais vitória numa temporada (13 em 18, em 2014) e num dos quatro a ganhar três mundiais nas três categorias diferentes, a par de Valentino Rossi, Mike Hailwood e Phil Read.

Tudo mudou a partir de 2020. Acabado de celebrar o seu sexto título, com direito a recorde de pódios (18) e de pontos (420) numa só temporada, e o Mundial de construtores, o espanhol partiu para a nova época como favorito. A expetativa não durou muito tempo, já que, logo na primeira corrida, disputada em Jerez, o piloto sofreu uma queda e fraturou o úmero. Falhou a segunda corrida de Jerez e acabou por não alinhar em Brno, para ser operado pela segunda vez. Na quarta prova, a Honda confirmou que o campeão do mundo só ia voltar a correr em 2021, para recuperar da lesão e de um ano em que a época teve apenas quatro meses, devido à Covid-19. O regresso oficial só se deu em abril de 2021, no Grande Prémio de Portugal.

Voltou às vitórias 581 dias depois na Alemanha e, na parte final do ano, venceu em Austin e em Misano. As quedas voltaram a ser uma constante, em particular a que lhe afetou um dos olhos e a que sofreu a praticar motocross e que o obrigou a falhar Algarve e Valência. Reapareceu no Qatar, em 2022, com um quinto lugar. Contudo, nos treinos livre do Grande Prémio da Indonésia sofreu outra grave queda, que resultou num episódio de diplopia (já tinha sido operado em 2011 ao nervo ótico) e o levasse a falhar as duas corridas seguintes. Regressou no Texas e fez mais quatro corridas até voltar ao bloco operatório, para colmatar a lesão no braço direito sofrida em 2020. A sua carreira estava em risco e essa era a única salvação. Voltou a pilotar três meses depois e fez a reta final da temporada, ainda que tenha sofrido novas quedas.