O novo programa de Governo de apoio à aquisição de equipamentos eficientes vai dar aos cidadãos a possibilidade de comprar placas, fornos e termoacumuladores eléctricos – mas exclui a tecnologia de bombas de calor, a solução mais eficiente do ponto de vista energético. Esta é uma das críticas apontadas por especialistas ao E-Lar, que começa a receber candidaturas na terça-feira. O programa é gerido pela recém-criada Agência para o Clima, que supervisiona o Fundo Ambiental.
“Estivemos a ver os equipamentos disponíveis e o que nos causa maior preocupação é o do aquecimento das águas sanitárias. Isto porque os mais eficientes ao nível da factura são os que têm tecnologia de bomba de calor – e estes não estão incluídos no programa”, nota ao Azul Mariana Ludovino, porta-voz da Deco Proteste.
João Pedro Gouveia, do Centro de Investigação em Ambiente e Sustentabilidade (Cense) da Universidade Nova de Lisboa, também não compreende a exclusão da tecnologia de bombas de calor. “Não tenho explicação para isto”, refere o coordenador científico do Centro Europeu de Aconselhamento sobre Pobreza Energética.
O programa E-lar foi descrito pelo Governo como um “primeiro ensaio” do Fundo Social para o Clima, que vai vigorar na União Europeia entre 2026 e 2032. Em Portugal, o pacote “E-Lar – Bairros Sustentáveis” antecipa o futuro Plano Social para o Clima (PSC), que visa apoiar os grupos mais vulneráveis, como famílias e microempresas em situação de pobreza energética e de mobilidade, na adaptação à nova fase do Comércio Europeu de Licenças de Emissão (CELE 2), que abrange emissões em edifícios e transportes.
Tecnologias mais baratas…
Questionado pelo Azul sobre a exclusão da tecnologia mais eficiente num programa que promove a eficiência energética, o Ministério do Ambiente e da Energia explica que o E-lar tem como prioridade apoiar “as famílias mais vulneráveis”, ou seja, aquelas que beneficiam da Tarifa Social de Energia Eléctrica ou do programa Bairros Mais Sustentáveis.
Dessa forma, refere a tutela numa resposta por escrito, “a inclusão de tecnologias significativamente mais caras do que os limites estabelecidos [615 euros] forçaria os beneficiários, em particular os dos grupos carenciados, a suportar montantes diferenciais mais elevados e diminuiria o impacto potencial da medida”. Optou-se, portanto, por “uma tecnologia base electrificada para aquecimento de águas sanitárias (termoacumulador eléctrico), dentro de um modelo de custos fixos simplificados”.
As alternativas “mais caras e complexas, designadamente em termos de dimensões, instalação e manutenção (como a bomba de calor)”, ficam, assim, de fora do financiamento.
…mas menos eficientes
Esta decisão retira às famílias consideradas não vulneráveis – que estavam inicialmente excluídas do E-Lar, mas que podem agora ser contempladas no programa com um apoio de 500 euros – a possibilidade de co-financiar um equipamento para aquecer águas sanitárias com uma tecnologia mais eficiente.
“Esta abertura para famílias não vulneráveis é um ponto positivo do E-lar, parece-me que está bem definido e adequado. O que é pena é não poderem optar pelas bombas de calor e pagarem a diferença”, afirma João Pedro Gouveia, em conversa com o Azul. O investigador especializado em eficiência energética questiona ainda por que o programa do Governo contempla as placas de cozinha convencionais, ou seja, de vitrocerâmica, quando o modelo de indução é mais eficiente.
Mariana Ludovino, da Deco, sublinha ainda a questão de o E-lar estipular que o termoacumulador eléctrico tenha que ser do tipo Classe A: os únicos disponíveis no mercado comportam até 30 litros de água, capacidade manifestamente insuficiente ao ter como referência o Manual de Certificação Energética dos Edifícios, documento que recomenda 40 litros diários por pessoa.
“Uma pessoa consome em média entre 40 a 45 litros. Portanto, para uma família de duas pessoas já não vai correr bem. Era só aumentar o co-financiamento para o termoacumulador que as pessoas possam, ao dia de hoje, encontrar um produto daquela classe e com aquele valor. O valor está claramente desadequado”, explica João Pedro Gouveia.
Climatização fica de fora
O anúncio do programa E-Lar prevê apoio na aquisição para os seguintes equipamentos eléctricos: placa convencional ou de indução, forno, conjunto de placa e forno e, por fim, termoacumulador. Não estão previstos aparelhos de climatização ou conforto térmico, apesar de o programa estabelecer como um dos objectivos o aumento do conforto térmico.
Tanto João Pedro Gouveia como Mariana Ludovino aplaudem não só esforço do E-Lar em promover a transição energética, a descarbonização e a electrificação dos consumos, mas também o facto de não exigirem dos cidadãos que avancem com o próprio dinheiro na aquisição dos equipamentos.
Mariana Ludovino sublinha, contudo, questões ligadas à segurança e a instalação eléctrica das habitações. “A substituição de equipamentos a gás implica a selagem das saídas de gás por um técnico. O regulamento não faz qualquer referência à responsabilidade e ao custo desta intervenção”, afirma a porta-voz da Deco Proteste
No que toca à parte da instalação eléctrica, Mariana Ludovino recorda que nem todas as habitações estão preparadas para electrificar a maior parte dos consumos, ou mesmo para abandonar a rede de gás natural. O uso em simultâneo de vários equipamentos eléctricos numa casa pode exigir obras ou intervenções onerosas para agregado familiar para aumentar a potência contratada, sublinha a porta-voz da Deco Proteste, acrescentando que esses custos não estão cobertos pelo E-lar.
Vouchers de utilização única
O E-Lar funciona através de um sistema de candidaturas que, uma vez aprovadas, permitem a atribuição de um voucher de “utilização única”, num prazo de 60 dias, para a compra de aparelhos numa loja escolhida na rede de fornecedores aderentes ao programa.
João Pedro Gouveia espera que os fornecedores que aderiram ao E-Lar estejam bem distribuídos pelo território nacional, de forma a garantir que todos os cidadãos que se candidatem ao programa tenham opções relativamente próximas. Opinião semelhante tem Mariana Ludovino, que teme que os consumidores venham a ter “uma liberdade de escolha limitada”.
O Ministério do Ambiente e da Energia assegura que “cada candidato ao programa E-Lar vai ter ao seu dispor (atendendo aos números de candidaturas submetidas até ao momento) mais de 500 fornecedores e mais de 900 lojas” – uma oferta que a tutela avalia como “muito considerável”.