Mas o primeiro problema surgiu ainda antes de Paula receber qualquer prova para corrigir. Os professores ficam a saber da convocatória através de um email enviado às escolas por parte do Júri Nacional de Exame (JNE) e têm de assinar um documento que comprova o seu serviço. “Quando fiz a assinatura do documento, dizia lá que ia receber as provas dia 30 de junho”, ou seja, três dias depois da realização das provas.
Pouco depois, Paula recebe “um email da escola a dizer que tinha sido alterado e que iria ser dia 1 ou 2 [de julho]”. “No dia 1 recebo mensagens de uma colega que já tinha recebido as provas dela e eu só dia 2 consegui entrar na plataforma. Consegui entrar no fórum, ver as mensagens que os outros professores enviavam [com dúvidas], mas quando carregava em ‘Corrigir’, para aceder às provas, não dava. Só ao fim de um bom pedaço desse dia é que consegui aceder e perdi muitas horas nesse dia.”
O mesmo aconteceu na 2.ª fase, destaca Rui: “As provas não foram disponibilizadas na data que tinha sido indicada. A minha correção teve início a 24 [de julho] e houve colegas que começaram a 23; houve datas diferentes para iniciar. Um professor dizia [no fórum] estar à espera desde as 6h da manhã para começar a corrigir as provas.”
Além de diferentes professores começarem a corrigir em diferentes datas, deu-se ainda o caso de alguns professores receberam provas extra para corrigir — sem terem sido alertados para esta possibilidade. Quando Rui soube que tinha sido convocado para corrigir a 2.ª fase desta prova, colegas que tinham passado pelo mesmo na 1.ª fase alertaram-no para a necessidade de “fazer print” ao número de provas por corrigir que eram indicadas na plataforma. “Houve professores que viram provas a ser adicionadas a esse número que inicialmente surgia. Há um professor que se queixa [no fórum] de lhe terem dado mais cinco provas e que questionava o procedimento. Uma vez mais remeteram [todos os esclarecimentos] para o IAVE.”
Por considerar que toda a correção desta prova “foi surreal”, Paula “disse aos alunos para pedirem a revisão de prova”. “Mas até isso está a falhar. Os alunos pediram para rever a prova e os professores corretores recebem os exames com as folhas em branco. O aluno não ia pedir reapreciação de uma prova à qual não respondeu. Algo está errado.”
Paulo recolheu precisamente o mesmo testemunho por parte de um colega que corrigiu exames de 1.ª fase e foi escolhido para rever provas: “Um aluno ou um encarregado de educação pediu a revisão das perguntas, o professor que foi fazer a reapreciação viu que a digitalização está em branco.” Até ao momento, o IAVE continua sem se pronunciar sobre qual deve ser o procedimento a adotar.
Segundo dados avançados pelo Ministério da Educação ao Observador, “este ano, em relação à 1.ª fase, foram registados 380 pedidos de reapreciação, em 20.335 provas realizadas, ou seja, 1,9%”. Já em “2024 foram registados 245 pedidos de reapreciação em 14.368 provas realizadas, correspondente a 1,7% das provas”.
As pautas da 2.ª fase do exame de Filosofia são divulgadas na próxima semana, dia 5 de agosto, mas os corretores receberam ordens para entregar a correção das provas esta quarta-feira.
Em resposta ao Observador após a publicação deste artigo, o ministério de Fernando Alexandre defende que, “tratando-se de um processo inovador realizado pela primeira vez, é natural a existência de algumas dificuldades e dúvidas” no processo de correção digital, tendo estas sido “prontamente resolvidas e esclarecidas pelo Júri Nacional de Exames e pelo Instituto de Avaliação Educativa”.
Contrariando os testemunhos dos professores ouvidos pelo Observador, o Ministério da Educação garante que “os professores classificadores tiveram acesso em tempo útil à plataforma de classificação e supervisão do IAVE (PCS)”. E, quando o manual do professor classificador de Filosofia e um documento com as questões mais frequentes não eram “suficientes para esclarecer os classificadores”, foram disponibilizados contactos telefónicos e de correio eletrónico do JNE e do IAVE.
“Foram reportados ao IAVE, em sede de supervisão, algumas dúvidas por parte dos professores classificadores sobre as respostas apresentadas pelos alunos, tendo-se verificado que, na maioria das dúvidas reportadas, não se comprovou qualquer motivo para intervenção. O JNE e o IAVE, em sede de supervisão, deram as respostas adequadas para o esclarecimento de dúvidas colocadas pelos professores classificadores, tal como é habitual todos os anos”, acrescenta o Ministério da Educação.
Efetivamente, os professores classificadores ouvidos pelo Observador explicaram que quando as questões que tinham eram de ordem científica, conseguiam obter resposta por parte dos professores supervisores. Contudo, o cenário mudava quando eram questões de ordem técnica — como por exemplo folhas de resposta em branco ou a preto — nesses casos, dizem, eram encaminhados para o contacto de correio eletrónico do IAVE — o qual não respondia. Acerca deste ponto o Ministério da Educação não prestou qualquer esclarecimento.
O mesmo aconteceu quando foi questionado sobre provas apresentadas de forma incompleta (impedindo a correção integral do exame). O gabinete de Fernando Alexandre apenas garantiu que, “segundo informação do IAVE, não foram detetadas quaisquer situações de respostas apresentadas a professores classificadores correspondentes a enunciados distintos”, contrariando, uma vez mais os relatos ouvidos pelos professores e aquilo que foi escrito no fórum do IAVE (e ao qual o Observador teve acesso).
Considerando este “processo muito positivo”, o Ministério da Educação admitiu que em 2026 “serão introduzidas as melhorias qualitativas consideradas necessárias”. E fez ainda questão de apontar que a “classificação digital comporta benefícios para os professores classificadores e para a qualidade dos resultados da avaliação externa, pois não há perda de tempo na classificação dos itens de seleção, não há lugar a trancar as provas, não há necessidade de se deslocarem aos agrupamentos do JNE para levantar e entregar os sacos de provas, e podem especializar-se em um ou dois itens da prova, contribuindo assim para uma maior consistência na aplicação dos critérios de classificação”. Tudo isto “torna o processo mais equitativo e justo”, remata.
Notícia atualizada às 18h14 com resposta do Ministério da Educação ao Observador