Menos de duas semanas depois do despedimento do Benfica, na sequência de um empate no Campeonato com o Santa Clara e de uma derrota na estreia na Liga dos Campeões frente ao Qarabag, Bruno Lage, antigo técnico dos encarnados que passou pela segunda vez pelo comando técnico da equipa principal após largos anos na formação, abordou vários temas do clube em entrevista ao jornal A Bola. Logo à cabeça, a badalada cláusula de confidencialidade que estaria a prender a assinatura da rescisão de contrato – e que, ao invés do que aconteceu em 2020, quando deixou a Luz pela primeira vez, quis deixar essa garantia de “defesa”.

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“Houve realmente, desde o momento em que eu falei com o presidente, até falarmos novamente, que foi no dia em que confirmámos a rescisão, muitas conversas paralelas. Aquilo que se falou e aquilo que eu queria – e o presidente sabia disso, porque conhece-me muito bem, esteve sempre tranquilo neste processo todo – foi que aquilo que eu queria era ter a liberdade de poder contar a minha história aqui, sem mágoas, sem nada, e a desejar as melhores felicidades a todos, E também ter a liberdade, não apenas das pessoas que estão neste momento à frente do Benfica, mas numa eventualidade no dia de amanhã, eu não querer ver repetido aquilo que se passou há cinco anos com um ou outro ataque, quer pessoal, quer profissional. Hoje tenho essa liberdade para me poder defender”, apontou Bruno Lage ao jornal A Bola.

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O técnico falou também de outro ponto mais “quente” na altura da saída, neste caso o pedido de adiamento do encontro com o Santa Clara. Que, garante, existiu. “Falámos com quem de direito para tentar adiar o jogo. Não podíamos começar aquele ciclo cansados. Nenhum treinador gosta de ter apenas um dia, jogadores a viajar na quarta-feira para se concentrarem todos na quinta-feira, para jogar na sexta-feira. Sem ter a pré-época e também pelo facto dos jogadores estarem a chegar, o Sudakov e o Lukebakio. Mas isso não retira, e não tenho problema nenhum em assumir a responsabilidade, que devíamos ter vencido o jogo. Justificação para o não adiamento? Que era difícil alterar”, recordou, contrariando a versão de Rui Costa.

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Olhando para o plantel, Bruno Lage falou também da impossibilidade de regresso de João Félix, ao mesmo tempo que, a propósito de Enzo Barranechea, revelou que Richard Ríos foi uma escolha de Rui Costa.

“Não sei se o João [Félix] foi o nome mais falado, o Moussa ainda deve ter sido mais falado mas o Feyenoord impôs condições e até renovou contrato, foi impossível chegarmos lá. Ainda fomos a tempo de identificar um jogador de enorme qualidade que é o Dodi [Lukebakio]. Acho que foi também uma contratação muito acertada. Comecei a acreditar que o João podia vir. Ele está a chegar a Portugal e eu estou a partir de férias. Estava no aeroporto quando recebo as declarações dele e liguei-lhe. Falei com ele e disse-lhe que se disse aquilo publicamente estava a abrir as portas. Mas o Chelsea, que pagou o que pagou pelo João, foi sempre intransigente naquilo que seriam os valores a pagar e seria muito difícil para o Benfica, apesar de ter feito quase o impossível para voltar a trazer um jogador formado na casa”, admitiu Bruno Lage.

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“O Benfica teve o melhor naquilo que são recuperações de bola, transições, aquele jogador que representa o sentido coletivo que é o Florentino. Depois fomos buscar o Manu e fomos intercalando nos jogos até ele se lesionar. Quando no Mundial de Clubes o Tino vem falar comigo e sente que se um dia houver a oportunidade para ter um novo desafio, com a proposta certa, quer para ele, quer para o Benfica, também gostava de sair, começámos a tentar perspetivar um jogador que o pudesse substituir. Acho que o Enzo encaixa muito bem nisso. É um miúdo com uma enorme margem de progressão, a forma como organiza o jogo, como liga entre os defesas com os médios, como chega à baliza, como é agressivo… Com o tempo acho que vai ser um líder desta equipa. O Ríos é um jogador que é um segundo médio, um jogador de transporte, com uma competência muito grande. O Ríos surge através do nosso presidente Rui Costa e passado um ou dois dias há o jogo da Colômbia contra a Argentina. Começámos a analisar o Rios e depois passámos a ter um problema, que não foi problema nenhum, que foi aquela zanga do Rios com o Nico”, recordou.

“Hoje saio completamente de consciência tranquila por várias razões. Uma delas é que percebi o crescimento que tive enquanto treinador. O percurso que fiz nos últimos cinco anos permitiu-me chegar e encarar este desafio de uma forma muito tranquila mas ao mesmo tempo muito séria. A minha relação com o presidente foi sempre muito clara. Sabíamos que o Mundial de Clubes iria trazer algumas desvantagens, principalmente para os nossos concorrentes diretos. Fomos a única equipa em Portugal que realizou o Mundial de Clubes e que depois fez 8 jogos no mês de agosto. Ficou muito claro que o nosso objetivo era criar condições para que a equipa se apresentasse nas melhores condições para vencer o Campeonato e conquistar a Taça. Fechámos o primeiro ciclo com a conquista da Supertaça e com a garantia do acesso à Liga dos Campeões. Infelizmente, no início do segundo ciclo, cometemos um erro metodológico, que foi jogar com Santa Clara na sexta”, voltou a destacar, antes de explicar como foram as horas após o jogo com o Qarabag.

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“O jogo termina 3-2 e naquele período de tempo entre acabar o jogo, as assobiadelas no estádio, o ir para a conferência de imprensa… Não tenho muito tempo para pensar, nem perco muito tempo a pensar. A minha preocupação foi ir ao centro do campo, como sempre. Juntar a equipa, mais uma vez. Eu e o capitão tivemos uma conversa interessante. O Nico estará para sempre na minha memória porque é realmente um capitão. Sensivelmente 15 minutos após a conferência vou para o balneário, 10/15 minutos depois o presidente manda chamar-me e tivemos uma conversa muito franca, muito tranquila. Foi muito rápido. Eu disse-lhe apenas que tinha três condições: a primeira era aquela sobre o meu contrato, a segunda que só queria receber até àquela data e que ele respeitasse o contrato dos meus adjuntos, por último que eu no dia seguinte fosse despedir-me dos jogadores. Mourinho? Não tem a ver com a questão de estar no mercado ou não, acredito muito que a troca de treinador surge em função dos resultados”, acrescentou Bruno Lage.