Desde 2001 que a Adult Swim é aquilo em que o Cartoon Network se transforma à noite, com programação mais transgressora e adulta — em Portugal nunca tivemos direito a ela, mesmo que alguma da sua produção original viesse cá desaguar de alguma maneira ao longo destas mais de duas décadas. Deu ao mundo coisas verdadeiramente estranhas e únicas dentro da comédia, como Aqua Teen Hunger Force, Home Movies, The Venture Bros., The Boondocks, Moral Orel, Tom Goes to the Mayor, Tim and Eric Awesome Show, Great Job!, Delocated, Eagleheart, The Eric Andre Show, Joe Pera Talks With You ou mesmo Rick and Morty (a lista é interminável).
Mujeres con Hombreras, ou Women Wearing Shoulder Pads, em inglês, para usar o nome com que chega aos espectadores via HBO Max, arrancou em Agosto e pertence a essa rica tradição de bizarria e liberdade formal que é rara em televisão. É um objecto singular e ousado passado no Equador dos anos 1980, com um ambiente estético vindo dessa década, algo que o próprio título, remetendo para ombreiras (ou chumaços), um clássico da roupa da altura, evoca. A série demonstra também uma paixão pelos filmes que Pedro Almodóvar realizou sobretudo nessa época, e respectiva paleta cromática.
Desenvolvida pelo estúdio mexicano Cinema Fantasma, trata-se de uma animação em stop-motion que combina marionetas e, ocasionalmente, desenhos, como nos movimentos das bocas das personagens, e imagem real, quando há planos aproximados de caras a comer ou de mãos — a técnica não é perfeita, e isso é claramente de propósito.
É uma criação de Gonzalo Cordova, que nasceu no Equador e foi morar em novo para a Florida. A sua mãe, Bianca Cordova, estudou desenho de moda no Panamá na mesma época em que a série se passa, um passado que foi aproveitado na concepção do guarda-roupa das marionetas da série, desenhado por ela. Antes de Mujeres con Hombreras, o autor escreveu para o actualmente hipermediático Jimmy Kimmel, incluindo para as actuações deste nos Óscares, e para a série de animação por rotoscópio Undone, comédia de mistério e drama psicológico ao mesmo tempo (Prime Video), bem como para Tuca & Bertie, outra criação Adult Swim.
Mujeres con Hombreras tem oito episódios de pouco mais de dez minutos — como é tradição Adult Swim —, sendo que o último deles chega ao serviço de streaming da HBO esta segunda-feira.
É uma comédia muito melodramática, uma história de mães e filhas centrada em Marioneta Negocios (Pepa Pallarés), uma mulher de negócios espanhola vinda de uma família rica que ruma a Quito, a capital do Equador, para criar e vender porquinhos-da-índia como animais de estimação. Isto num universo que adora comê-los e pô-los a lutar numa espécie de touradas.
Marioneta tem uma assistente, Coquita (Gabriela Cartol), e uma rival, Doña Quispe (Laura Torres), talhante e magnata da restauração que cresceu a pulso na vida. A filha desta, Nina (Nicole Vazquez), uma vegetariana activista dos direitos dos animais com outras ideias políticas a borbulhar, algo que ofende muito a mãe, é alguém que Marioneta tenta usar para combater a inimiga. Pelo meio, há segredos, traições e outras maquinações, mas também alguém que persegue Marioneta, e uma toureira, Espada Muleta (Kerygma Flores), com quem a protagonista se envolve — sim, há cenas de sexo entre marionetas. Não existe nada assim no mundo da ficção audiovisual, e é a essa produção de excepção que o melhor do universo Adult Swim nos tem habituado.