As Forças Armadas venezuelanas estão a treinar e a armar milícias locais, recrutando civis que nunca combateram, numa aparente resposta à crescente pressão norte-americana, que já atacou pelo menos três embarcações no mar das Caraíbas, matando 17 pessoas.

Partiu de um pedido do Presidente venezuelano Nicolás Maduro, que instou a população a alistar-se na Milícia Nacional Bolivariana, criada em 2009 pelo seu antecessor Hugo Chávez para ajudar a proteger “cada centímetro do território da Venezuela”.

Este pedido acontece depois de os EUA terem atacado e destruído três embarcações, matando 17 pessoas em menos de um mês. De acordo com o Presidente norte-americano, os ataques aconteceram porque as embarcações estavam alegadamente envolvidas no narcotráfico – ainda que não tenha apresentado quaisquer provas.

A mesma lógica foi usada para classificar o gangue Tren de Arágua como organização terrorista e para deportar migrantes venezuelanos alegadamente associados ao grupo que chegam ao território norte-americano. Sob o mesmo pretexto, Donald Trump diz que Maduro é líder de um cartel – o de Los Soles, que alegadamente apoia vários outros, como o Tren de Arágua – e destacou vários navios de guerra e um submarino para as águas do mar das Caraíbas (em números que, apesar de tudo, não sugerem uma invasão).

Da sua parte, o ministro da Defesa, Vladimir Padrino López, refere uma “guerra não declarada” contra a Venezuela. E o líder, Maduro, fala de um plano imperialista para “roubar o petróleo venezuelano”.

Depois do primeiro ataque, Maduro enviou uma carta a Donald Trump, em que se mostrava disponível para “ultrapassar as mentiras que têm manchado a nossa relação”, cita a agência Reuters, que teve acesso ao texto. No entanto, ao segundo ataque, Maduro já falava numa “agressão em toda a linha”. E, internamente, o discurso era ainda mais duro e combativo.


Face a uma potencial invasão, pediu às Forças Armadas que treinassem as milícias locais. Agora, antigos milicianos na “reserva” juntam-se aos novos voluntários em acções de formação, em locais públicos de bairros que ainda funcionam como redutos de apoio a Maduro, descreve a BBC.

São comunidades pobres e os voluntários destas formações são pessoas mais velhas do que as que pertencem aos “colectivos” — estruturas mais agressivas, verdadeiros grupos paramilitares, usados muitas vezes parra dispersar manifestações contra o Governo. Alguns funcionários públicos relataram, também, que se sentem pressionados para se juntarem a estas milícias.

Para o analista político da Universidade Católica Andrés Bello, Benigno Alarcón, o plano de Maduro não é contra nenhuma invasão, mas pressupõe que os voluntários ajam como “escudos humanos”, aumentando o custo humano de qualquer acção norte-americana. Ouvido pela emissora britânica, defende que, para esse efeito, não interessa se a milícia está bem treinada ou sequer se os seus elementos estão armados.

A BBC esteve numa acção de formação, com um soldado cuja tarefa era explicar às pessoas do bairro de Petare, na zona metropolitana de Caracas, como usar armas para responder ao “inimigo”. “O mais importante é que se familiarizem com as armas, localizem os alvos e o atinjam”, dizia com recurso a um altifalante. Os “cenários de treino”, explorados nesta formação, incluem tanques, espingardas de fabrico russo, como AK-103 (sem munições), e cartazes com instruções.

A audiência incluía idosos e mulheres e crianças, estas últimas sem qualquer experiência. “É a primeira vez que pego numa arma destas”, disse a dona de casa Yarelis Jaimes, 38 anos.

“Se tenho de dar a minha vida em combate é o que vou fazer”, disse Francisco Ojeda, 69 anos. “Não vamos permitir que nenhum Governo norte-americano venha aqui e nos invada”, acrescentou Glady Rodríguez, 67 anos.